6.12.16

Pouco lhes importa...

Todos repetem que o homem é sociólogo, que nasceu em 1977, que escreve... e que recebeu o 'Prémio Sagrada Esperança', entre outros por mencionar... Fiéis ao Google, repetem que escreve crónicas, pouco lhes importando que, de verdade, escreva "estórias"... 
Por investigar, fica a origem do 'Prémio Sagrada Esperança', e no Mausoléu do esquecimento repousa o patrono... o Google poderia ter ajudado, mas não foi o caso...
(Tal como poderia ajudar a esclarecer o 'milagre" do dia 8 de dezembro, e da sua padroeira...)
Ninguém quer saber que tipo de escrita é que um sociólogo pode desenvolver quando olha para o bairro (ou para o musseque) onde cresceu - para a infância de um país que cresce junto com o seu povo. E tudo num tempo em que todos são camaradas!
E como tal, ninguém parece surpreender-se com a abundância de camaradas sovietes e cubanos - nem lá, na terra de Ondjaki, nem cá, nesta terra tão multicultural e tão alheada da sua História...
Se se lhes explica que há diferença entre 'História', 'história', 'conto' e 'estória', e que essas palavras exprimem relações de domínio e de autodeterminação, entreolham-se num desabafo mudo... Pouco lhes importa se o sociólogo transformou a sua análise dos diversos grupos que se cruzam na sua rua em "estórias" questionadoras da realidade quotidiana de um tempo que persiste em reproduzir-se...

5.12.16

Religiões e crenças

Há as religiões e há as crenças, embora eu descortine poucas diferenças.
Na religião, os fiéis procuram viver em rede, sob orientação divina. A rede, apesar de se esperar que seja horizontal, dispõe-se verticalmente, de acordo com um modelo hierárquico que acaba por gerar diferenças inaceitáveis.
Depois, ou antes, há a crença, onde cada indivíduo despreza a rede, para ficar a sós com o seu "demónio", mas que, farto de solidão, acaba por gerar cismas que desembocam em redes, também elas verticais...
(...)
É um pouco incompreensível que eu me entretenha a dissertar sobre tais assuntos, mas a ideia tem uma causa: a construção (ou será edificação?) do Templo da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias  - A Igreja Mórmon... no Parque das Nações.

4.12.16

Voluntários ou prosélitos?

Chamam-lhes voluntários, mas pelo modo como fazem barreira nas entradas das pequenas e grandes superfícies, eu vejo-os como prosélitos que abarcam causas de forma irracional.
Curiosamente, os estados patrocinam esse zelo porque lhes retira a responsabilidade de promover o trabalho devidamente remunerado, de combater a doença e de fomentar uma educação assente em valores que evitem o fervilhar das seitas, da clubite, em suma, de qualquer tipo de fanatismo.
A desigualdade e a injustiça são as causas do alastrar do proselitismo e, consequentemente, de todo o tipo de radicalismos.

3.12.16

A vida dentro de um lenço de bolso

«Necessita-se de pouco para existir: pouco espaço, pouca comida, poucos utensílios ou ferramentas, pouca alegria; é a vida dentro de um lenço de bolso.» Claude Lévi-Strauss, Tristes Trópicos, A Terra e os Homens.

O antropólogo não resistiu à síntese sob a forma de metáfora - na Ásia, na Índia, na fronteira da Birmânia, o homem, em contraste com as castas mais elevadas ou com o europeu da classe média, mais não era do que um lenço de bolso.

Nesta quadra de consumo excessivo, de esbanjamento e de desperdício, talvez conviesse recordar que cada lenço que utilizamos é o preço de uma vida... uma vida que nunca teve noção da sua humanidade.
E por este andar, uma vida que, tendo noção da sua humanidade, se arrisca a perdê-la de modo desesperante. 

2.12.16

Não é a leitura de Manuel Laranjeira que me deprime

Não sei se ainda há quem leia "Diário Intimo" de Manuel Laranjeira, e temo mesmo que se tal acontecer a sua leitura possa ter um efeito depressivo, embora eu creia que a depressão, ao contrário do que muitos apregoam, seja uma particularidade mais ou menos permanente do leitor, caso contrário não se atreveria a folhear de forma aleatória tal livrinho...

(Eu conheço uns tantos leitores a quem basta a capa e umas linhas da contracapa para formar um juízo definitivo sobre a obra. Como ainda hoje me referiram "aquilo não vai com o meu estilo de leitor".)

Estilo aparte, eu folheio os dias e deixo que olhos se percam no abismo das palavras:

Quarta, 3 de Junho

Invade-me a infinita tristeza da existência, o tédio infinito da vida, dos homens e das coisas.
Tudo é de uma instabilidade asquerosa!
Se eu pudesse ao menos - ser alegre e abafar o ruído este aborrecimento sem fim!
Às vezes lamento-me de não ter nascido estúpido, muito estúpido, como a estupidez.

O Diário Íntimo é do Manuel Laranjeira (1877- 1912), que eu não tenho diário... até porque dificilmente um estúpido seria capaz de dar conta da sua estupidez... De qualquer modo, não é a leitura de Manuel Laranjeira que me deprime...

1.12.16

Não fosse a ironia dele (A.S.)

«Refunde-se tudo, porque é na refundação que está doravante a virtude.» António Souto, 2016, Dupla Expressão Crónicas, No refundar está a virtude (Outubro de 2012), DebatEvolution - Associação.

Não fosse a ironia, poder-se-ia imaginar um cronista doutrinário. Mas não, o sujeito da escrita cultiva o olhar do pícaro que, em tempos, serviu com desvelo o poder do momento, sem, no entanto, se deixar iludir... e que com essa servidão aprendeu que, infelizmente, o futuro não é muito diferente do presente, ao contrário do prometido nos idos de abril, do seu abril, feliz - eufórico.
(...)
Agora que a tarde avança, não querendo refundar nem restaurar nada, pois essa missão é reserva do poder, vou entrelaçando o contentamento do cronista António Souto com a sensação de que tenho andado a adjetivar o tempo, de forma abusiva.
Escravo do adjetivo, crio a ilusão de uma extensão, ora material ora imaterial, que me desvincula da substância, a única que verdadeiramente pode ser incinerada...
Como tal, a leitura e a escrita são formas de incisão e de cisão em aberto...

Tempo medíocre

O episódio, em Cabo Ruivo, não terá qualquer significado, mas é revelador do modo como os CTT gerem o atendimento. Às 22:48, havia 68 pessoas em espera. Postos de atendimento:3. Funcionários, atenciosos,  sem mãos a medir.
Utentes, pacientes, na sua maioria. Havia, no entanto, a oportunista decadente, que levava a mãezinha de 90 anos, para poder passar à frente. Havia, também, o psicótico incapaz de compreender que se o sistema informático das Finanças falha, os CTT não lhe podem validar a operação que ele poderia ter resolvido no escritório ou em casa (...)
Despacho concluído às 0:08 horas do dia 1 de dezembro, data de restauração sem objeto...
Hoje, o país entrou em modo de pausa... e assim vai continuar até à próxima 2ª feira. E depois, no dia 8, o país voltará a descansar, que bem merece...
Lá fora, a chuva, a espaços...
Em Chelas, noite, apenas. Do metro saíam vultos, apressados, bamboleantes, de olhos mortiços...
(...)
E eu sem tempo para saudar as novas crónicas de António Souto - Dupla Expressão -, ed. debatevolution, apresentadas por António Manuel Venda, na Biblioteca da Escola Secundária de Camões.
Crónicas de um tempo medíocre em que o cronista vai entrelaçando episódios irrelevantes, procurando-lhes a intemporalidade em que repousam. E esse pousio é que é a causa do desencanto de que nos falaram os Antónios...