31.7.16

Esperteza saloia

Bem sei que estas notas estivais não têm qualquer interesse, ainda por cima construídas com base em recortes de jornais de 1993 - JL de 12 de janeiro de 1993. Sob o título Luís Bernardo Honwana - Moçambique a Literatura em tempo de crise, encontro este registo, assinado por NS:

«Depois veio o tempo da subversão contra a ordem estabelecida. Foi preso entre 1965 e 1967. Posteriormente, exilou-se em Portugal, onde frequentou alguns anos o curso de Direito e participou na vida cultural portuguesa, emparceirando com destacados intelectuais progressistas, enquanto prosseguia a sua atividade política. Na véspera da revolução dos cravos deixa este país e junta-se finalmente aos guerrilheiros da Frelimo.» 

Não me surpreende que o autor de Nós Matámos o Cão Tinhoso tenha sido preso na província de Moçambique, em 1965. O que é extraordinário é que Luís Bernardo Honwana se tenha exilado na metrópole, onde a polícia política lhe permitiu prosseguir os estudos e a atividade política.
De momento, não sei se LBH integrou A Casa dos Estudantes do Império*, mas não me espantaria, pois o Estado Novo com esta instituição visava enquadrar politicamente os jovens africanos, de modo a mostrar ao mundo que o colonialismo português assentava numa matriz bem diferente da dos restantes colonialismos europeus.
(...)
Ainda agora, o estado português continua a querer provar que é mais esperto do que os outros... (Falar de Estado é um pouco excessivo...)
(...)
Da leitura da entrevista, resulta, no entanto, que LHB terá sabido manter-se à tona, pois trabalhou muitos anos como chefe de gabinete de Samora Machel, chegando a ministro da Cultura. Em 1993, já desempenhava funções que o libertavam do "rigor partidário": Presidente do comité intergovernamental  da UNESCO, que coordenava um conjunto de atividades que celebravam "A Década para o Desenvolvimento Cultural".
E também, creio, que valerá a pena registar, a propósito da velha questão do desenho das fronteiras que, à época, LHB acreditava que os conflitos poderiam ser ultrapassados através de uma associação de base regional que possibilitaria a "acomodação das nações subjacentes" aos atuais estados da  herança colonial... Estava LHB convencido que, em África, se poderia seguir o caminho da Europa unida, em que ele avistava: o caminho da «regionalização que vai tender a fazer apagar os Estados e puxar a via das nações, em que as nações nem sempre são coincidentes com os Estados.

* A Casa dos Estudantes do Império foi criada por sugestão de um ministro das Colónias de Salazar, Francisco Vieira Machado. Mas acabou por ser apelidada por um inspector da PIDE de «alfobre de elementos anti-situacionistas». O Estado Novo acabou por extingui-la em 1965.

30.7.16

A Igreja católica angolana e a guerra

Não sei se o José Eduardo Agualusa já se apercebeu do disparate que proferiu em 1993, entrevista ao JL de 12 de janeiro de 1993: « É o caso da igreja católica, que dispõe de meios quase inesgotáveis, de um sólido apoio internacional e da confiança da maioria dos angolanos. A Igreja está em condições de liderar um amplo levantamento popular contra a guerra. Porque o não faz?»

O argumento era completamente disparatado, porque a Igreja católica nunca teve o apoio da maioria dos angolanos - basta pensar que a resistência ao Estado Novo foi, na maioria das circunstâncias, protagonizada pela igrejas protestantes, em Angola como em Moçambique... E essa situação não se transformou após a independência de Angola...
Por outro lado, esperar que o povo desarmado se pudesse opor a um exército fortemente equipado e experimentado não passa de leviandade intelectual...

Esta triste ideia surge numa entrevista em que José Eduardo Agualusa insiste na «base crioula» da angolanidade que desenvolveu numa trilogia, constituída por: A Conjura, 1989; D. Nicolau Água-Rosada e outras estórias verdadeiras e inverosímeis, 1990; A Feira dos Assombrados,1992...
Neste testemunho, o escritor insiste nalgumas ideias que merecem aprofundamento. Por exemplo, «é no século XIX que mergulham as raízes da nossa angolanidade (...) entre 1880 e 1890 há mais jornais dirigidos por angolanos, em Angola, do que entre 1900 e a época actual."
Por outro lado, apresenta como referências linguísticas, Mário António de Oliveira, Luandino Vieira - na esteira do brasileiro Guimarães Rosa - com uma discreta alusão ao pendor antropológico de Ruy Duarte de Carvalho e uma crítica desapiedada a Sousa Jamba...
Os restantes escritores são epígonos de Luandino ou... inexistências, como, por exemplo, Pepetela...
Finalmente, a ideia de que «Angola é uma ilha" cai muito mal num leitor que se habituou a vê-la como um continente...
Esperemos que, em 2016, José Eduardo Agualusa já tenha revisto as suas teses sobre a "angolanidade", mesmo com o MPLA no poder, que, evidentemente, tem todo o direito de combater. Mas com outra argumentação.

29.7.16

Irritações nada literárias

«Terra que caminha enquanto os homens dormem, é metáfora de um país que procura a própria identidade.» Mia Couto


As páginas que vou lendo são do JL de 12 de janeiro de 1993 – ainda Janeiro se escrevia com maiúscula – agora amarelecidas, esperam que eu dê conta de uma tarefa que à época fazia sentido, pois lecionava Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa… O título da página 9 anunciava “Moçambique, país sonâmbulo”, a pretexto da publicação do romance Terra Sonâmbula, por Mia Couto…
A frase inicial do entrevistador diz-nos que este romance é «uma terrível metáfora sobre o presente sofrido dos moçambicanos». Embatuco de imediato, pois não faço ideia do que é uma TERRÍVEL metáfora… À força de pensar que a metáfora resulta de uma analogia capaz de expressar o terror do real, fico a embirrar com o adjetivo e com o sujeito que dele se socorreu…
Suspenso da tragédia vivida pelo povo moçambicano, e convencido de que Mia Couto conheceu aquela realidade, enfrento uma nova afirmação desencorajante: «O meu interlocutor tem um ouvido de raríssima sensibilidade». A superlativação da sensibilidade auditiva serve para pôr em evidência que o Autor vai registando, a cada passo, as deformações linguísticas, aproveitando-as para construir o seu idioleto, como se o seu objetivo fosse criar o seu próprio país… O contexto exige, no entanto, a convergência de todos os sentidos, sem esquecer a razão.
Não sei se o refira, mas também me assombra a pergunta do entrevistador do JL: «A grande tragédia que se vive em Moçambique – e que constitui o pano de fundo desta “Terra Sonâmbula” – é, na tua opinião, o que sustenta a necessidade de um género como o romance?»
Não creio que uma tragédia possa ser pano de fundo ou atirada para os bastidores para satisfazer um qualquer “teórico da literatura”… Mia Couto fez o favor de esclarecer que a tragédia é, no caso, um discurso sobre a guerra, construído já em tempo de paz, com os deuses já amansados… Pobres deuses!
Depois surge a inevitável falta de distância. O que é que isto significa? A necessidade de se acomodar? E também «a segurança pessoal numa sociedade desgovernada na qual o cidadão não tem defesas», que o escritor ultrapassa não personificando a violência do terrorismo, a arrogância do poder.
Isto é, os rostos são substituídos por máscaras…


28.7.16

Porque sossego é coisa rara...

Deixada à mão de qualquer pirómano, Caruma é um verdadeiro perigo para o território e para si própria.
Se pudesse, Caruma aproveitava a canícula para se esconder no interior do glaciar mais próximo. Mas como? Mesmo que o vento a levasse, corria o risco de se despenhar no primeiro vulcão...
Face aos perigos que a ameaçam,  Caruma decidiu calar-se por uns tempos a ver se o verão a deixa incólume... o mesmo é dizer a ver se os pinheiros sossegam...
Porque sossego é coisa rara...

27.7.16

Desconfio dos eurocratas europeus

«Le réflexe naturel de qui ne comprend pas une langue, s'il imagine être dans un milieu hostile et on cherche à l'humilier, c'est de se méfier...» Béatrice Didier

É o meu caso! Eu não compreendo a língua de Bruxelas, e estou certo que, nos últimos meses, o objetivo dos eurocratas europeus (peço desculpa, se a expressão parecer pleonástica) era humilhar os portugueses.
Por isso desconfio da notícia de que não haverá multas... Hoje já ninguém fala de sanções, talvez porque confundamos os termos. No entanto para os eurocratas, uma multa é diferente de um corte nos fundos, sem esquecer a necessária asfixia orçamental em 2016... Qualquer coisa situada entre os 350 e os 450 milhões de euros. Trocos...
Enfim, hoje até concordo com os argumentos do PCP. Quem diria?

26.7.16

Tinhas 19 anos...

Tinhas 19 anos, sentavas-te num banco de jardim, e choravas porque não te compreendiam. Esperavas, talvez, o cavaleiro andante que te libertasse dos algozes e te conduzisse ao palácio encantado da ventura...
Houve tempo em que o ouro pareceu brilhar, mas os algozes  nunca te libertaram. Pelo menos é o que continuas a dizer, agora de forma ainda mais anelante - os algozes já não se limitam a cercar o palácio, entraram nele e perseguem-te, deixando-te exausta e inerte, sem perceberes que a única forma de evitar a dor, o silêncio e a escuridão, é chamá-los para perto de ti... e ouvi-los, um a um...
Quanto ao cavaleiro andante, esse nunca existiu. Mais não foi que um sonho teu, em que, no palácio, te fizeste prisioneira de ti própria...

25.7.16

Não é preciso fabricar mais armas...

Escrever sobre uma personagem, por exemplo, Julien Sorel, poderia ser uma hipótese. Mas parece-me arriscado. Stendhal criou-a para poder dar conta do modo como a ambição secava tudo à sua volta, mesmo que para tal tivesse que vestir a pele do lobo e do cordeiro. Julien Sorel ora veste uma ora veste outra, e em cada papel "esmaga" os que lhe caem na rede. Só que Julien Sorel não é um indivíduo, é a máscara do ser humano na primeira metade do século XIX francês. Mesmo quando vítima, Julien Sorel é carrasco...
Comecei por dizer que não queria arriscar, mas acabei por tecer um conjunto de considerações só justificadas pela vertigem de escrever...
E essa vertigem quer dar conta de pensamentos incompletos e desconfortáveis. Por exemplo, perante os novos terroristas do século XXI - jovens desadaptados que não suportam viver sem os luxos que a propaganda e o marketing lhes dizem estar ao seu alcance... pequenos delinquentes frustrados, mas conscientes de que só conseguirão a plenitude se forem notícia de sangue...
No turbilhão de ideias, uma se evidencia: a de que cada ser humano é uma arma em potência ou já em movimento. Não é preciso fabricar mais armas, basta espalhar a desigualdade e a injustiça!