31.8.14

O escritor no mercado


«Em relação ao futuro, o Brasil será cada vez mais um país fundamental para quem escreve em português. Ainda não é assim, mas os nossos leitores no Brasil estão e vão continuar a crescer, porque em Portugal não têm como aumentar.» José Eduardo Agualusa, DN, 31 de agosto de 2014. 

Palavra fácil e cristalina!
O escritor conhece a importância do mercado e por isso é, cada vez mais, um mercador da lusofonia. Uma boa parte do tempo, gasta-o a viajar, a promover o último livro. Encontramo-lo onde a procura aumenta, onde os mecenas gostam de produzir o acontecimento literário. 
Coitado, o escritor anda numa roda viva, tantas são as solicitações!
Por vezes, penso que a exposição pública do escritor não é muito diferente da do político. O que me aflige é não perceber onde é que eles arranjam tempo para pensar, para escrever, para agir...

A única alegria que me sobra é ter, finalmente, percebido que, neste verão, os portugueses passaram o tempo a ler - porque em Portugal (os leitores) não têm como aumentar.

PS. Creio que o mapa está desatualizado! Um dia destes, os escritores lusófonos passarão a viajar para a Guiné Equatorial... Se eu fosse escritor, estaria atento à palavra do Presidente Teodoro Nguema Obiang...

30.8.14

Os MEMORÁVEIS

Terminei a leitura de OS MEMORÁVEIS. É um romance que se lê com gosto. Li-o em menos de uma semana. Primeiro com curiosidade, depois com entusiasmo e, finalmente, com uma certa frustração. Terminadas as entrevistas aos homens de Abril, a narração procura explicar o enigmático António Machado, mas fá-lo de forma  estereotipada, criando um tempo omisso de 6 anos (2004-2010). Talvez a escritora, Lídia Jorge, tenha decidido guardar esse “tempo omisso” para o próximo romance… Veremos!

No lugar do lago, pensava colocar um banco vegetal, mas a fotografia foi interrompida por uma chamada. Na verdade, o que estou a querer dizer é que a contemplação da natureza pode reservar-nos tanto prazer como a leitura de um livro, de um semanário…

Para além da leitura e da contemplação, a vida também pode ser fruída nos seus momentos de euforia e de disforia. O problema é quando a disforia se torna dominante…

/MCG

29.8.14

Lanço de escada no Hospital dos Capuchos

Sempre que vou ao Hospital dos Capuchos, saio a pensar naqueles idosos, muitos, diabéticos e quase invisuais, armados de próteses, umas visíveis, outras invisíveis que, diariamente, são obrigados a subir um lanço de escada, situado à direita da porta que dá acesso à consulta de oftalmologia.
Sentados, em duas filas, os pacientes falam do atraso do respetivo médico, do desrespeito pela ordem de marcação: há quem chegue mais tarde e seja atendido primeiro, apesar de não ter sido recentemente operado. Alguns falam da surpresa de serem obrigados a pagar atos médicos anteriores, como, por exemplo, a dilatação dos olhos. Cada gota tem um preço!
Só ninguém dá atenção àquele lanço de escada que uns tantos, em função do diagnóstico, acabarão por subir trôpega e lentamente...
Há, apesar de tudo, uma enfermeira que valoriza a leitura e que acabou por me dizer que eu devo ser uma pessoa que gosta de livros. Ao colocar-me as gotas, ela olhava repetidamente para o livro que eu colocara na cadeira vizinha...
E aí eu aproveitei para lhe recomendar a leitura de Os Memoráveis, um romance muito bem construído e, sobretudo, capaz de nos questionar sobre o passado recente, tal como acontecia com a personagem Margarida Lota sempre que entrevistava um dos "heróis" do tempo perdido.
Finalmente, a escada surgiu-me como uma bela metáfora do ato de ler. E se, em cada degrau daquele lanço de escada, estivesse aberto um livro?

27.8.14

Os Memoráveis (i)

Na Primavera de 2004: «Pode-se dizer que em trinta anos, como é natural, a revolução, numa primeira fase, deu lugar à devolução. Depois da devolução, como é natural também, passou-se ao período normal da evolução, e da evolução, como é comum em todos os processos semelhantes, passou-se à involução, e daí à denegação,  foram apenas uns anos.» Lídia Jorge, Os Memoráveis, pág. 183.

E hoje, passados 40 anos, em que fase nos encontramos? Espero pela resposta da Lídia Jorge.

Ao ler o último romance da autora, vou pensando nos escritores românticos que não tinham receio em abordar os acontecimentos recentes, fugindo à tentação do romance histórico. Lídia Jorge situa-se nessa linha que procura influenciar a decisão, contribuindo para a abordagem da política no sentido nobre do termo.
Por isso a leitura de Os Memoráveis se torna prioritária, nem que seja para permitir uma análise descompreceituada do estado atual da nação.
/MCG

25.8.14

Farto do assédio da NOS


Por razões várias, hoje não tencionava queixar-me de nada: nem dos 3 antibióticos que sou obrigado a tomar de 12 em 12 horas, nem dos inaptos que não vale a pena identificar, nem das mentiras de quem nos desgoverna...
Só que às 21h15, a NOS resolveu atacar: primeiro para o telefone fixo, depois para o móvel.
Por causa da NOS, paguei há dias 11 euros para bloquear as chamadas anónimas. Entretanto, a NOS deixou-me em paz durante três dias, mas, como são persistentes, resolveram o problema, passando a ligar dum número identificado.
Explica-se-lhes meia dúzia de vezes que não estamos interessados, que estamos fidelizados, que não gostamos de ser assediados com perguntas sobre "quanto paga?", "quem é o seu prestador de serviços?" "se não gostaria de pagar menos?"... e desculpam-se que a culpa é do computador que parece encontrar-se em roda livre...
Mais comentários para quê? A liberdade, afinal, também serve para assediar o consumidor...

24.8.14

Os Memoráveis: há um limite para tudo...

«Há um limite para tudo, até para a memória. Sobretudo para a memória. Além de que todos seremos esquecidos.»
Esta asserção, atribuída à personagem Miguel Ângelo, encontra-se na página 104 do romance Os Memoráveis de Lídia Jorge.
Talvez seja essa a razão que levou a autora a escrever esta obra. Lídia Jorge procura, assim, combater o esquecimento e, sobretudo, a falta de informação das novas gerações. 
Temos, deste modo, aqueles que esquecem por conveniência, por excesso de atualidade ou, simplesmente, por decadência mental; e aqueles que não chegam a tomar conhecimento, porque, aos primeiros, não interessa que o passado recente se constitua semente do presente e do futuro.
Os primeiros, os que agem por conveniência, são todos aqueles que, conquistado o poder, temem que a memória da esperança e da alegria revele a sua verdadeira natureza...
Estou em crer que o romance Os Memoráveis bem poderia fazer parte do corpus de leituras recomendadas no Ensino Secundário.

22.8.14

Abílio Jorge Cosme (iiiiii)

XXVIII

Embora não soubesse o que meu ser conseguiria,
Lutei pelas rédeas que controlavam o meu destino;
Em tudo o que encontrei revelou-se-me um ser que guia,
Que fez meu drama só para me expor ao seu ensino.

Aceitei minha vida sem ser vã nem vazia,
Pois senti que trazia em mim um mestre disfarçado
Das tantas dúvidas e dos erros da minha fantasia;
Aprendi a compreender o meu destino traçado.

Tudo o que acontece parece um movimento espiritual
Que me eleva para lá da dor e do sofrimento
Ainda que na minha alma procure ser casual
No meu peito acorda o âmago do ensinamento.

Cada qual, na sua maneira de ser, quer acreditar
Que é um universo que a cada instante acontece,
Mas uma só gota de água é já o universo a meditar
A máxima perfeição do nada que somos neste ser que arrefece.

Por isso trago comigo a gota que me ilumina,
Fecho os olhos e sinto em mim a sua natureza;
Vivo avidamente o que nesse sonho predomina
Pois sei-me da essência da absoluta certeza.

Aqui liberto a minha inocência ao ingénuo acaso,
Tudo é belo e pleno, da natureza do intenso;
Vivo no tempo com a segurança de não ser prazo
Na vida, que brota confiante, imersa no imenso.

XXIX

Indagando aos vãos destinos mais resignados
Vi-me despido de ilusões num mundo de eleitos
Que vagueiam às portas da verdade, em passos desencontrados,
Na mesma ânsia que projectou meus ímpetos insatisfeitos.

Expus meu desespero, que há tanto vigorava sem resposta,
Ao esclarecimento da sageza de uma alma superior;
Minha urgência aumentou a evidência que lhe foi suposta
E deu-se o reencontro eterno fundindo-me no seu interior.

A força da personalidade a quem eu implorava compreensão
Mostrou-se maior, plena de uma atracção de confiança,
Que consagrou meu espírito no seu que vence a dimensão
Da minha razão rejubilante desse ápice de mudança.

Agora sou um só na imensidão de reflexos que alma sente,
Codificada na mesma expressão que concentra o universo;
Tudo se identifica em si que é manifestamente presente
A unidade que nos fez centelhas de um ser disperso.

Assim sou, quem em si é, uma inconsciente sublimação
Refeita de caminho, nesta alma fugaz mais resoluta,
Ciente de um rumo que apraz a sensibilidade da devoção
De ser um só numa meditação totalitária e absoluta.

Não há dois nesta vida complexa de razões contrárias,
Feita de espelhos que só iludem a integridade de cada ser;
Pois faça-se luz em todas as certezas arbitrárias
E fique certo que é em si que flui o auge do amanhecer.

XXX

Da psique cósmica ao indestrutível mito
Mataram Deus, mas imortalizaram a luz
Pilar que a minha identidade reproduz
Dentro de si, onde pulsa o eco do infinito.

XXXI

Insustentada pela pobreza da resignação,
A mente consegue abstrair em cada certeza
A verdade, que é tão emocional e simbólica,
Na potencialidade da nossa sublime natureza.

Meu ser, dominado pela criação,
Despoja-se da ânsia da procura
E medita na grandeza da sua essência,
Sensível à totalidade em que perdura.

Sem dar sentido à existência,
Meu corpo rejubila o céu e a terra
Em conformidade com a fé que o eleva;
Ele é a prova viva que a resposta encerra.

Sou uma partícula que flutua à deriva
Dos sentimentos que aprazem sublimados
Na expressão máxima da potencialidade do ser
Que se extasia na certeza dos inconformados.

Os anseios que minh'alma exprime
Dirigem-me ao limiar da perseverança
Para reencontrar a minha verdadeira riqueza
Na unicidade que a harmonia alcança.

O desassossego não é tão incompreensível;
Eu concluo, receptível a esta auto-terapia
Do que é passivo e consciente da sua perfeição,
Que é pelo dom de si que cada ser principia.

Absorvido pela água e envolvido pelo firmamento,
Sou o que sinto: a paz, o pleno, o eterno, o sublime;
A ânsia, afinal, era a voz desse chamamento:
"Sou em Si! Sou em Si!"
                                       ... Então eu vi-me.

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Exmo Sr. Professor Cabeleira Gomes


Aqui estou, mais uma vez, na qualidade de seu ex-aluno, para pedir-lhe uma crítica sincera, pois eu estou preparado emocionalmente para qualquer tipo de argumentação, a este pequeno ensaio de alguns dos meus últimos poemas. Como o Sr. foi a única pessoa a quem recorri e que muito atenciosamente me recebeu e não me desapoiou, apesar daquilo que (a) escrevia não ter tanta lucidez como espero que agora esteja mais presente neste trabalho despreocupadamente humilde, espero ter a honra de ter uma crítica esclarecedora sua da sua experiência e sageza que me oriente nos próximos ensaios. Aguardo atentamente uma resposta sua e espero não lhe tomar demasiado tempo.
Desejo que a sua família se encontre harmoniosamente feliz.
Peço desculpa, mais uma vez, pelo incómodo

                               Do seu "insatisfeito" ex-aluno e amigo
                                                                                                                                                                                                                                                                            Abílio Jorge Cosme