30.6.14

Eternas crianças

«Há já mais de um século que se deixou de as educar para se tornarem adultos. Muito pelo contrário, e o resultado é que os adultos da nossa época estão educados - estamos educados - para que continuem crianças.» Javier Marías, Todas as Almas, pág. 104, Quetzal editores

Enquanto que os pais vivem em permanente alarme, os filhos, eternas crianças, reivindicam direitos pelos quais nunca mexeram uma palha, e evitam os deveres que poderiam sinalizar a necessária passagem da infância para a vida adulta.
Aparentemente, foi criado um estado de adolescência que deveria durar, no máximo seis ou sete anos, mas que, hoje, parece prolongar-se indefinidamente. Basta observar que as birras, os amuos, as zangas, os acertos de contas, as invejas, as traições se tornaram na matéria noticiosa mais consumida...
A irresponsabilidade, o parasitismo, o logro são expressão de um ajustamento do sistema educativo que caducou a partir do momento em que o hedonismo substituiu o estoicismo e o capitalismo deixou de necessitar do mundo trabalho...

29.6.14

As ameixas já chegaram…

As ameixas chegaram! Suculentas, doces… Serão as últimas deste cerrado? Junto à eira, agora em ruínas, a ameixeira cresceu e floresceu sem que o hortelão a tenha mimado. Quem a terá plantado?

A resposta talvez tenha sido dada no último post… Houve um princípio promissor que agora se vai extinguindo. Entretanto, como estas últimas ameixas sem remorso.

28.6.14

Desperdício de livros

«O resultado do discernimento é essa obra que impõe o seu próprio termo: quando o caixote transborda está concluída, e então, mas só então, o seu conteúdo é desperdício.» Javier Marías, Todas as Almas

Estou aqui a olhar para centenas de livros mal arrumados; se der mais dois passos, encontro mais uma ou duas centenas; na garagem, já lhes perdi a conta... Verifico que já há títulos repetidos. Passei a tarde, a desempoeirá-los e fui me apercebendo de que não terei tempo para os ler todos ou para repetir a leitura. 
Não sei quanto investi, mas estou consciente de que não soube tirar partido da riqueza que estes livros, se devidamente partilhados, poderiam trazer...
Fechados e empoeirados, estes livros são a expressão de um desajustamento. A cada dia que passa, sinto que desperdicei demasiado em trabalhos que me limitaram  o tempo de leitura, o tempo de partilha da leitura...
E a minha perturbação cresce todas as vezes que entro numa biblioteca para desempenhar qualquer outra tarefa diferente daquela que o lugar exige. Ao meu lado, à minha volta, altas estantes emudecidas permanecem sem que uma chave abra uma daquelas portadas... e eu olho-as, pesaroso, por nada fazer que silencie as vozes que me entontecem...
Chego a compreender os incendiários de pequenas e grandes bibliotecas tal é a minha revolta: uns não leem porque não querem, outros fingem que leem, há ainda os que apenas leem o que lhes convém e o pior é que há quem esteja impedido de ler...
O desperdício é tanto maior quanto venho de um lugar e de um tempo onde os livros eram  raros, os jornais e as revistas inexistentes!

27.6.14

O passado e o futuro

"... faço agora este esforço de memória e este esforço de escrita, porque de outro modo sei que acabaria por esquecer-me de tudo.» Javier Marías, Todas as Almas, 1988

Ontem, decidi enumerar uma série de episódios para que não acabasse por esquecer-me de tudo, todavia o facebook impediu-me de partilhar essas memórias...
Hoje, pouco tenho a acrescentar!
De manhã, repetição do protesto do dia anterior;  a prova de Literatura Portuguesa não incomoda ninguém; ignora, por inteiro, o século XX... 
De tarde, obras, stress, limpeza, despesa e mais despesa...
Ao anoitecer, o cansaço e a náusea tornam-se inevitáveis: ainda tento ler o semanário SOL, oferecido por um amigo, mas a primeira página derrota-me: Ricardo Salgado; Portas; Passos Coelho; Guerra no PS; Isaltino Morais admite falha ética... 

Olho agora para  o alinhamento das palavras e apetece-me riscá-las... só não o faço porque nelas descortino muito desconforto e, também, alguma alegria. Espero, assim, que alguém veja neste dia o início de um novo dia...

26.6.14

Este esforço de memória...

"... faço agora este esforço de memória e este esforço de escrita, porque de outro modo sei que acabaria por esquecer-me de tudo.» Javier Marías, Todas as Almas, 1988

a) Encostado a uma parede, espero pelo serviço e, mesmo que queira alhear-me da barafunda, sou obrigado a encaixar um conjunto de protestos já habituais. Parece-me que o que está em causa é o desrespeito pela hora sagrada do almoço. Fico a pensar na duração e na extensão da hora: imagino, entretanto, uma lauta mesa desdobrável em divã para poder gozar a merecida sesta... Por mim, bebo um café e como uma empada!
b) Atento aos esgares dos examinandos, tomo conhecimento da preocupação da colega que não sabe se o seu automóvel foi rebocado, roubado ou, simplesmente, se esqueceu do lugar onde o estacionou. Horas de angústia da vigilante e dos alunos, embora por razões distintas. Para não exteriorizar as dores que sinto, bebo pequenos goles de água e espreito o pátio à espera que uma qualquer ave anime os plátanos. Relativizando, a minha dor não é nada que se compare ao sofrimento dos meus parceiros de infortúnio - alguns, em 210 minutos, não chegam a preencher três páginas... Durante este tempo, ainda tive oportunidade de ouvir o trinado de um rouxinol e testemunhar duas situações de sobressalto que prefiro não relatar e que assim irei esquecer. 
c) Ao princípio da tarde, vivo duas situações inesperadas. A primeira, perturba-me porque só agora tomo conhecimento de que o Caruma  terá afetado a autenticidade crítica de uma colega, vendo-se ela a braços com uma contestação que revela o estado mental do país em que vivemos (passado e presente). A segunda situação, de certo modo articulada com a primeira, deixa-me a pensar na dupla face da moeda ou, se quisermos, na imagem de que a mão direita ignora o que é feito pelo esquerda... Para não esquecer deveria ser mais explícito ou até mais frontal, bem sei...
d) Ao fim da tarde, Cristiano Ronaldo é eliminado do mundial do Brasil. Situação previsível: o Brasil, país independente há quase 200 anos, não iria querer assistir ao regresso de Cabral... 
/MCG 


25.6.14

Não sei do que espero...

Se para tudo há um limite, não sei do que espero...

Na verdade, o limite parece que é mas não é, pois continua a surpreender sob a forma de dor incapacitante, superável, no entanto, por analgésico em dose dupla, enquanto que a frase ondula em cotovelos surpreendidos...
Para evitar lamechismos incontrolados, comecei a ler a novela Todas as Almas, escrita por Javier Marías, nascido em Madrid, em 1951, e a pensar, sem saber porquê, na  Senhora do Tempo Antigo (de Bernardim), deixando-me fascinar por algo que eu já imaginara saber, sem o saber fazer:

«Aquele que aqui conta o que viu e aconteceu não é o que viu isso e a quem aconteceu, nem sequer o seu prolongamento, nem a sua sombra, nem o seu herdeiro, nem o usurpador.»

Este narrador vive um piso acima ou um piso abaixo, fora do mundo e do tempo, mas deixa rasto... E quanto ao autor, embora um pouco mais novo do que eu, considero-o, desde já, meu familiar distinto, pois foi professor de Literatura espanhola na Universidade de Oxford, sendo licenciado em Filosofia e Letras..., tudo domínios que sempre me interessaram. A diferença é que eu não nasci em Madrid (nem mesmo em Lisboa!)
E de Literatura, pouco sei, até porque não há nada por saber quando tudo está por fazer...  


24.6.14

Se para tudo há um limite...

Em casa, tudo do avesso - até a roupa foi feita refém! No pátio do prédio, um arranque simultâneo só não terminou em acidente por uma unha negra.
Na Unidade de Saúde de Moscavide, a entrega de análises clínicas só com consulta! Ficou marcada para daqui oito dias, independentemente da urgência...
A cidade tem ruas onde não é possível fazer entrar qualquer veículo de mudanças, até porque há quem bloqueie a única entrada. Na mesma travessa, as escadas de acesso aos andares são íngremes. São tão inclinadas que nem à força de braços se consegue fazer subir o mobiliário...
Travessa dos Pescadores! Fiquei com com a sensação de que o melhor seria ter à mão uma catapulta ou, em alternativa, um cadafalso. Só para mim!
Entretanto, o cansaço vai fazendo o seu caminho: ataca, em simultâneo, os rins e a cabeça, isto sem falar das pernas, dos joelhos, dos pés. 
O corpo virou rotunda, enrola-se sobre si próprio, misturando as saídas... e ainda faltam quatro horas de circunlóquios. São horas pesadas, adiadas, que, em certos momentos, parecem trazer consigo um inevitável desfalecimento...
Se para tudo há um limite, não sei do que espero...