7.2.14

O risco



Eu não penso (…) existo enquanto não for riscado. Até lá, alimenta-me o risco lento da pena, só leve na página.

Por isso caminho, sem traçar um ponto de chegada – o objetivo. Evito chegar e perco-me ao não pensar no que poderei encontrar.

Basta-me a pena que ando a cumprir!

6.2.14

A lápis sempre com borracha ao lado

A lápis sempre com a borracha ao lado, em movimentos de avanço e de recuo, de sobe e desce, à procura da sequência, sob a forma de período ou de parágrafo, sem saber se a ideia se solta ou é feita refém... Sem plano, as palavras contíguas alinham esquecidas do paradigma que as vai libertando e limitando até ao momento em que eclodem ou, sem rumo, fenecem...
No entanto, não faltam as palavras tornadas sintagma. Repetem pessoas, objetos, fúrias estimadas; soltam-se em ondas encantadas, narcísicas; deslumbradas martelam embustes e libertam falsários...e eu vejo-as, em árvore, da raiz para o tronco que suporta a ramagem, mas, insatisfeito, desço abruptamente da ramagem à raiz...
e apago-as. Pego no lápis e regresso à sequência, deixando que o paradigma abra o leque e inunde a linha apesar do vento que sopra em bebedeira desnecessária...  

5.2.14

Lugar sem poesia

Enerva-me o refrão
da antevisão
da visão
ão...ão!
Sobe-me a tensão
da explicação
sem solução
ão...ão!
Mata-me a pretensão
da razão
sem razão
ão ...ão!

... Só me falta ficar
sem colchão
ão... ão!

Dito de outro modo: domus, dominus, domesticus... Só os peixes, por natureza, se não deixavam domesticar. Por prudência, os restantes animais são, pelo menos em potência, domesticáveis! Em particular, os mamíferos.
....Lição não autorizada por Aristóteles, mas bem fundamentada pelas Escrituras e pelos doutores da Igreja, incluindo José Saramago ...

4.2.14

Mesmo que tivesse um lugar...

Sugere o meu amigo António Souto que, depois dos 50, nos começamos a esgueirar do tempo (O meu tio da América, Human, fevereiro 14). Pode ser que seja verdade, embora no meu caso o mecanismo não funcione. Primeiro porque nunca tive um tio da América. Na verdade, um tio meu viveu muito tempo em África, em Angola. Hoje, vive na Madeira;  não sei se ainda  é África ou apenas uma ilha com jardim à espera de se juntar à Atlântida...
Mesmo que tivesse um lugar para onde me evadir, a viagem seria sem sentido: não mora lá ninguém! Alguns objetos desenham círculos, mas apenas os necessários para isolar a distância: o avião parado sobre o guarda-fatos, o pião por rachar preso ao interdito, o crivo vazio... o joio asfixiou o trigo...
A memória é já só do presente e lembra-me que, também, eu posso ser escravo numa engrenagem que não me pertence. Escravo de uma ordem caprichosa, prenhe de omissões e de compromissos que nada me dizem.
Bom seria que a memória me desse uma mão e me levasse para uma encosta esquecida de que amanhã continua a ser dia!  

3.2.14

Pela voz…

A nora não perdoa!  Hoje, no entanto, a voz  voltou a surpreender-me.

Na visita de estudo ao Palácio nacional de Mafra com os meus alunos do 12º J, o guia, Carlos Coxo, subitamente interrompeu-me pois reconhecera na minha voz o seu antigo  professor de Português dos anos 80 da Escola Secundária de Santa Maria, Sintra. E espantosamente, o Carlos relembrou o nome que me identificava à época: cabeleira. Tudo o resto envelhecera, mas a voz continuava a mesma!

Os meus atuais alunos, felizes com o reconhecimento, tornaram-se mais atentos e disponíveis para “viver” a visita durante duas horas.

Obrigado, Carlos Coxo!

2.2.14

Hoje não fui ver o mar

O de ontem era um mar tranquilo! O de hoje consta que está revolto! Não espanta, pois há tempo que ousamos dizê-lo nosso!
Nada é nosso nem o próprio nada. Somos nados sem saber porquê e partimos quando menos desejamos… No intervalo, fingimos que somos senhores e, demasiadas vezes, utilizamos esse tempo a humilhar quem não mais nem menos é que nós.
E quando nos dizemos nós é porque nos vemos donos do mar…
Hoje não fui ver o mar! Ele veio ter comigo e estive a pô-lo por ordem à semelhança do cronista para o melhor o poder escutar quando ele não estiver comigo… e vou ficar assim…

1.2.14

Tudo tão próximo e tão distante!





Dois planos: 1º plano: construído; 2º plano: em construção.
Duas linhas: 1ª linha: estável, embora finita; 2ª linha: instável, embora sonhadora.
Duas atitudes: 1ª atitude: passiva-institucional; 2ª atitude: ativa –construtiva: individualista; coletivista.
Se saltar da linha, do plano e da atitude, sobram dois grupos: o 1º procura o sol de fevereiro; o 2º procura libertar as rochas do lixo do primeiro.
Se saltar da linha, do plano e da atitude, sobram dois grupos: o 3º procura, através de uma insólita orquestração, o dinheiro que lhe permita, um dia, ocupar a casa dos seus sonhos.
A ação decorre entre o Guincho e Cascais no dia 1 de fevereiro de 2014. Não se vê nem se ouve o vento, mas ele está sempre presente…