31.10.13

O que interessa

Falha o metro e o atraso fica garantido! Pior, muitos não chegam a aparecer...
A EPAL anuncia um corte temporário de água, logo uns tantos ficam na expectativa de que a actividade letiva seja suspensa.
O professor introduz a obra, situando-a no contexto histórico - imagine-se o romantismo -, definindo as relações do texto com a biografia pessoal do autor e, de imediato, alguém clama que, agora, a "história" já não tem interesse. 
A obra vive da "história", cuja leitura é, entretanto, adiada, deixando o professor à espera, qual Godot! 
Que interessa o problema colocado no palco? Que interessa se o argumento é expressão duma intriga  (pouco) exemplar de perda de identidade e de soberania? Que interessa se hoje estamos a viver situação idêntica?
 Lá vai o tempo em que o objetivo era contribuir para a construção da identidade pessoal e coletiva. Lá vai o tempo em que os românticos se propunham transformar súbditos em cidadãos.
O que interessa é que o metro faça greve, que o autocarro se atrase, que a "história" seja de fantasia ou de alcova, que a água deixe de correr nas canalizações, que a campainha nunca toque, que o professor não marque ou "retire" a falta...
O que interessa, por agora, é que a Troika se vá embora para que possamos dormir até mais tarde e, se o sol ajudar, irmos até à praia ler uma "história" que não coloque nenhum problema e cujo argumento escorra por entre a areia até se diluir nas águas do oceano...


30.10.13

Provérbio do Inferno

«Estejas sempre pronto a dizer o que pensas, e o cobarde te evitará.» Provérbio do Inferno, tradução de David Mourão-Ferreira.

Por deferência, deixo de dizer o que penso. No entanto, vou cumprindo a liturgia, e faço-o com denodo, embora não pareça que estou em dívida...
Uma dívida antiquíssima, e à qual não quero fugir! Por deferência, sirvo zelosamente, e faço-o com denodo, embora nenhum liame me prenda...
A única grilheta que me tolhe, e à qual quero fugir, é a dissimulação! E essa, infelizmente, abunda nos silêncios, nos gestos, nas omissões, nos olhares cúmplices, nos ombros descaídos, nos risos escarninhos e não necessita de palavras...
Por deferência atravesso a rua em silêncio em vez de dizer o que penso... 
Por enquanto vou escrevendo sem ouvir o guionista... Talvez amanhã tenha coragem!

29.10.13

A notícia par(a)lamentar

Na hora em que a ministra Cristas propôs a limitação do número de animais de companhia por apartamento, logo surgiu o Coelho a exigir ao PS que apresentasse uma proposta de orçamento alternativo, mais não fosse que «por uma questão de pergaminhos». Vê-se logo que estes governantes nunca viram um pergaminho, a não ser que a ministra tenha decidido aproveitar a pele dos animais abatidos para substituir a pasta de papel...
O companheiro Almeida, em vez de se preocupar com esta assunção do fascismo de tipo «higiénico», deveria estar preocupado com o eugenismo em curso...

28.10.13

No dia em que o alfanumérico Crato tirou um coelho da cartola

I -Ainda não é hoje que deixo estes meus exercícios pouco espirituais!
Atarefado com letras ilegíveis, vocábulos mágicos, frases ininteligíveis, parágrafos curvilíneos e textos invertebrados, decidira nada escrever. Simplesmente, arrojar com a tarefa de classificar umas soberbas provas juvenis.
No entanto, a meio da tarde, um anónimo interlocutor, inesperado companheiro de "bica", tinha-me confessado que não entendia porque é que tinham acabado com as provas orais! As últimas a que fora submetido datavam de 1972, e ele lembrava-se, como se fora hoje, daquele professor que, numa prova oral, lhe elogiara a clareza e a concisão do discurso, profetizando, no entanto, que aquela qualidade, neste país, não passava dum defeito. Sempre que o exame fosse escrito, ninguém aplaudiria o sovina da palavra, a clareza da ideia! E por isso, ele acabou por se refugiar na matemática - lugar límpido e secreto onde a redundância não tem lugar,  pois os símbolos são unívocos e inequívocos... Entretanto, despedimo-nos com acenos de cortesia...
Três horas mais tarde, entra-me o ministro da educação pela sala dentro. Perante uma plateia de atordoados deputados, o alfanumérico Crato tirara mais um coelho da cartola: os candidatos a uma licenciatura de ensino elementar vão ser obrigados a fazer exame de 12º ano de Português e de Matemática.
É desta que o analfabetismo irá ser erradicado! Embora, sem que alfanumérico o tenha anunciado, percebi que vem aí nova revisão curricular...
Anuncia-se já o dia em que todos os juízes do Tribunal Constitucional terão aprendido a calcular e que não haverá mais lugar para símbolos que não sejam unívocos e inequívocos...

II - Dias mais tarde, o alfanumérico explica que só nos libertaríamos da Troika se cada família trabalhasse mais de um ano de borla, sem comer e sem gastar nada... (5.11.2013)

27.10.13

Uma noite destas

Não me levanto, não vou à janela, não ligo a luz... Imóvel, oiço as vozes que se apoderam de mim e que falam por mim. 
Uma noites destas, já sobre o amanhecer, percorria as galerias da escola à procura da sala de aula - não consigo decorar o horário: muda todos os anos, tal como os alunos, há 39 anos!- quando surge o ministro da educação a explicar-me que se me atraso, se não cumpro as metas, se não acerto o passo pelos desejos dos meninos e dos papás, o melhor é aproveitar o bónus e rescindir o contrato... Ainda pensei E depois de consumido o bónus, o que é que me acontece, mas, adivinhando a minha perplexidade, o ministro acrescentou: - Queria subsídio de desemprego? Queria pré-reforma? Não seja calaceiro!
Já não sei se imóvel, se espreitando para dentro das salas, ouvi-me discorrer longamente sobre os muitos ministros e secretários da educação que tive que suportar, sobre as múltiplas escolas que percorri à procura da sala de aula, sobre os milhares de alunos a que procurei melhorar a voz, sobre os professores desassossegados que encontrei... e continuei numa ladainha interminável até abrir os olhos e compreender que à minha frente estava um fiscal das finanças a querer eliminar-me da lista dos assalariados, da lista dos desempregados, da lista dos aposentados...
Não me levanto, não vou à janela, não ligo a luz... Imóvel, já não oiço as vozes, mas, desesperado, continuo a percorrer as galerias, espreito as salas e lá dentro, no lugar dos alunos, o vazio... 

26.10.13

Que se lixe...

Que se lixe...
Eis uma expressão cuja força ilocutória é perturbante!
Na verdade, esta locução exprime despreocupação ou indiferença.

Quando analisamos a força ilocutória do enunciado Que se lixe a troika..., percebemos que a primeira parte (as 4 sílabas métricas) é um pouco lenta, monótona e preguiçosa, sem convicção; só depois a entoação se eleva ao pronunciar troi-ka, residindo nela a força...
Como palavra de ordem, o enunciado Que se lixe a troika, em vez de corporizar o combate, acaba por ser a expressão do desencanto de quem, ainda, ousa proferi-lo...

Talvez seja esse o motivo das vozes e dos ritmos plangentes que ecoaram com o cair da tarde...






25.10.13

O meu contributo

A atual Escola Secundária de Camões está alojada num edifício com mais de 100 anos, projetado pelo arquiteto Ventura Terra no período de transição da Monarquia para a República. Construção quase lacustre, tendo em conta os múltiplos arroios que correm para o Tejo, e que jaz sobre terrenos, em parte arenosos. Esta singularidade deveria trazer a quem se ocupa dos problemas de segurança particular atenção.
Como, infelizmente, quem fotografa ou filma o estado de degradação de paredes, empenas, salas, janelas, galerias, campos, não se interroga sobre os alicerces, o público continua a ignorar a verdadeira extensão do problema.
E porque há um problema, o Diretor, depois de todas as diligências efetuadas junto dos governantes nacionais e locais, para que este fosse resolvido, decidiu  promover uma GRANDE GALA no Coliseu dos Recreios.
Esta iniciativa só terá sucesso se, pelo seu impacto, for capaz, de uma vez por todas, levar as autoridades, que têm o dever de zelar por pessoas e bens, a agir, garantindo a segurança, preservando o património e melhorando as condições de trabalho de quem continua a zelar, a administrar, a ensinar e a aprender neste centenário edifício, verdadeiro símbolo das «grandezas e misérias dos príncipes de Portugal», citando o supranumerário Aquilino Ribeiro, também ele professor desta instituição, e cuja lição está expressa em todos os seus livros: Alcança quem não cansa. 

PS. Quem quiser associar-se à iniciativa deve consultar http://escamoes-web.sharepoint.com/Pages/default.aspx