8.6.13

O inimigo invisível

«Perguntam-me qual é o fio condutor da narrativa. Não há. Nem na vida, quanto mais no sonho.» Manuel Alegre, Tudo É e Não É, pág. 83.
 
A encenação atravessa todo o romance: o autor, ao querer inscrever-se na História (op.cit.74 - eu sou um homem de esquerda, sou português, chamo-me António Valadares), não descura o leitor,  manipulando-o.
Apesar de o leitor saber perfeitamente que não controla o fio da vida e que, ainda, não consegue interpretar cabalmente o sonho, mesmo que, para isso, se socorra da psicanálise, o autor deliberadamente caricatura o amigo Miguel Varela, psiquiatra amigo... textualmente, mais psicanalista do que psiquiatra. (O autor finge não saber que os domínios e as terapêuticas são distintas)!
Dizer que não há fio condutor para esta narrativa é um logro! Não há narrativa sem fio condutor! No caso há vários, mesmo que seja necessário recorrer a Ariadne.
 
Um dos fios tem como ponto de partida o inimigo invisível (op.cit. 28) cuja ação se alarga, a cada capítulo, por efeito da mão invisível:
a) «Ninguém sabe. E por isso todos somos perseguidos, atacados, cercados sem saber por quem, inimigos desconhecidos, mão invisível.» (op.cit. 61)
b) «A mão invisível está a destruir a harmonia do homem com o homem.» (op.cit. 76)
c) «Há momentos em que a cidade se confunde com os rostos das pessoas. (Mas não só no sonho.) Nem o sol de Lisboa as ilumina. A mão invisível parece ter cortado a cor e a luz. Como combater este invasor sem legitimidade e sem rosto?» (op.cit. 114)
d) «A mão invisível aboliu a honra, aboliu a alegria, está a abolir a vida.» (op. cit.115)
e) «E o Mão Invisível, que se mostra pouco, mas está por detrás das novas formas de investida, na rádio, na imprensa, na televisão, nos cortes, não apenas dos salários, mas do sossego em que as pessoas estavam postas. E da esperança, palavra tantas vezes repetida, dia a dia assassinada.» (op. cit. 187)
 
Não há narrativa sem fio e consequente ponto de partida. Nesta, o longínquo inimigo invisível da partida chega ao fim como Mão Invisível, mas bem próximo, pronto a assassinar a esperança.
 

6.6.13

Tudo é...

Hoje não vou dissecar o último romance de Manuel Alegre "Tudo é e não é " até porque já é difícil  interpretar os sonhos quanto mais esquematizar uma narrativa que, aparentemente, procura reproduzir uma sintaxe onírica.
O título é adequado não só à ambiguidade da linguagem dos sonhos, mas sobretudo ao momento que vivemos, em que nada é seguro, tudo muda sem regresso. E nesse aspeto, o título promete, porém a leitura desarma, pois as referências ao presente são subtis, apesar de alguns enunciados parecerem revelar o contrário:
 
«O Medo. Sim. O Medo, com maiúscula. O Medo desconhecido, do inimigo invisível, do não saber para onde se vai nem o que pode acontecer.» 
 
O protagonista António Valadares, a espaços, expõe o pensamento do Autor. Mas fá-lo de forma tímida e estereotipada:
 
«Ultimamente tenho criticado os mercados, as agências de rating, os fundos de investimento, os especuladores e os poderes ilegítimos que se sobrepõem à democracia e à soberania dos Estados
 
Embora possa estar errado na análise da narrativa, uma das linhas de força deste romance é a ação política, mas como é comum em Manuel Alegre, ele prefere o passado ao presente, prefere inscrever-se na história, chegando ao ponto de semear farpas como acontece no seguinte caso:
 
«No uso da palavra está um dos meus piores inimigos políticos, do meu próprio partido, claro...»
 
E em matéria de linhas de força, há que estar atento à literatura e ao cinema com o constante recurso à citação e ao intertexto.
Por hoje, mais não acrescento, mas prometo regressar ao fascínio do autor pela literatura, pelo cinema e, também, pela música, sem esquecer a caça e o desnecessário marialvismo que lhe estraga o bom gosto.  
 
Em síntese, creio que esta narrativa dos sonhos poderia ter explorado com mais profundidade o MEDO que cresce a cada momento...
 

5.6.13

O medo e a angústia

Depois do ministro Crato ter afirmado que detesta tomar decisões para a vida, hoje o primeiro ministro veio dizer-nos que não tem medo de nada!.
Não sei se o cidadão Passos Coelho concordará com o primeiro ministro...
No dia em que o cidadão Passos se vir afastado do poder, talvez acabe por descobrir a angústia de ter perdido os amigos, os padrinhos, os compadres e quem sabe se não acaba por descobrir a angústia daqueles que vão  caindo dia a dia no desemprego.
Ao contrário do primeiro ministro, há cada vez mais portugueses angustiados e com medo. É, também, por isso que os professores decidem fazer greve aos exames, pois há muito que estão angustiados e com medo. A ideia de que os professores estejam divididos não passa de um fantasma de quem teme que os professores acabem por descobrir que não examinaram com o rigor necessário a geração parasita que hoje nos governa. 
 

4.6.13

Crato na antena

«E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!» Álvaro de Campos

Oiço o ministro da educação e interrogo-me sobre a qualidade da sua argumentação e apetece-me desligar da antena. Porquê?
Porque um homem que está disposto a negociar com os sindicatos, um homem que acredita que muitos professores estão divididos, um homem para quem o mais importante é não defraudar os alunos e as famílias, esse homem deveria estar a esta hora a discutir uma proposta escrita, devidamente fundamentada, com os professores... Mas não, prefere a vacuidade, falar de tudo e de nada...
Qualquer estudo de conteúdo da entrevista que está a dar na tvi24 mostrará que, no estilo "toca e foge", este ministro se revela incapaz de desenvolver uma única ideia ... e lá vai insistindo na "divisão", na "angústia" dos professores...
 
Pelo menos, fica a garantia de que o ministério está a poupar na água, na luz, nos edifícios, nos transportes, nos professores, nos auxiliares, nos administrativos, na escola pública..
Desisto
 
do mais e do menos, do olhe-se, do estamos a trabalhar, do olhe como a escola está decorrer, da outra ordem de problemas, dos dramas - tudo foram dramas!, da média, de 28 para 30 foi 2... do não quero falar sobre isso, da correlação... dos professores que tiveram que se fazer... às vezes, falo muito mas gostaria de terminar uma ideia... se há um problema, lá vem o telejornal...
 
E como o senhor ministro detesta tomar decisões para a vida, amanhã tudo poderá ser diferente! Até porque o senhor ministro já não quer implodir o ministério...
 
 

3.6.13

Na quinta democrática

De repente, a notícia dá conta da proliferação de vacas: umas, sagradas, outras, gordas e outras, ainda, magras. Os bezerros desataram à marrada na esperança de desalojar os velhos sacerdotes do templo democrático.

Compreende-se! Com a chegada do verão, o pasto vai secando e minguando.

Ainda pensei que seria mais adequado intitular este post “No estábulo democrático”, mas lembrei-me que deixaria de fora os coelhos, as doninhas e os ratos de cidade…

2.6.13

Um sorriso desdentado

Rari quippe boni... Juvenal, Sátira III

Só posso concordar com Juvenal:As gentes de bem são raras!
 
(Estação do Oriente, Autocarro 728. Destino: Portela)
 
O autocarro, vazio, entra ao serviço. 7 passageiros dispersam-se. No fundo do articulado, 20 lugares vazios. Só um lugar, junto à porta, é ocupado por uma rapariga entretida com o smartphone... 
Entretanto, um sujeito, atarracado, cabelo cortado à escovinha, aproxima-se da jovem e senta-se ao seu lado. Procura o contacto e simula uma desculpa. A perna esquerda balança sempre na mesma direção, os olhos sorridentes perscrutam o ecrã e, subitamente, os olhos dela interrogam-se, e ele desfaz-se num largo sorriso desdentado - faltam-lhe dois dentes!
A jovem refugia-se mais uma vez no smartphone, a perna esquerda procura o encosto, o braço esquerdo passa repetidamente a mão pelo que sobra do cabelo, os olhos gulosos somem-se na passageira. 
Percurso terminado, o passageiro contrariado sai, não sem antes se voltar num gesto obsceno. 

1.6.13

Se olharmos bem…


Se olharmos bem, veremos que a Igreja se preocupa com a solidez da Cruz, não vá ela desabar sobre os fiéis!Sem a cruz o que seria de nós!

Se olharmos bem a toponímia deste país, veremos que a visão bipolar é antiga. Tem, no entanto, um mérito: diz-nos que o sacrifício é rapidamente esquecido.