7.5.13

A gaivota e a sereia

Era uma vez um menino que nunca saíra da Aldeia do Bispo, a sete quilómetros de Penamacor. Conhecedor deste triste isolamento, o ministro Crato não descansou enquanto não acabou com a discriminação que condenava a pobre criança à boçalidade da parvónia.
Às oito horas em ponto, um autocarro recolheu o menino ensonado, levando-o à sede do agrupamento escolar "Ribeiro Sanches" - distinto enciclopedista do século XVIII...
E qual Ribeiro Sanches, em 90 palavras, o menino dissertou sobre as proezas de uma gaivota que, do rio Pônsul,  raptou uma sereia, levando-a em visita ao Palácio das Laranjeiras do ministro Crato.
 
A esta hora, o menino da Aldeia do Bispo, atormentado, não consegue adormecer: nunca ninguém lhe falara da sereia do rio Pônsul e sobretudo, de gaivotas. E ele bem queria estar à altura do desafio! Ainda se a sereia tivesse sido raptada por uma pega rabuda!
 
 

6.5.13

Um dia sombrio

Acordei ainda o sol não despontara, e logo me veio à cabeça que o dia iria ser longo e sombrio.
Paulo Portas assombrara-me o sono, pois na véspera dera a entender que combinara com Passos Coelho uma estratégia para aterrorizar a população, surgindo, depois, como o redentor da franja grisalha... Esta parelha, sem vergonha, brinca com o povo como o D. João V saramaguiano se divertia a armar semanalmente a miniatura da basílica de S. Pedro.
 
Funcionário público zeloso lá apanhei o 783 para o Saldanha e, de imediato, percebi que a luz solar brincava comigo ao desconsiderar a minha degenerescência macular da idade (DMI): as letras e os rostos insistiam em surgir distorcidos, e os neurónios, cansados de tantas desconexões, arrastavam-me para um refúgio que deveria situar-se longe da luz e do ruído...
 
Mas o que me esperava era bem diferente! Corrigir e classificar dezenas de testes e, sobretudo, viajar até ao Bairro azul para cumprir a missão de avaliador externo.
 
Claro que a parelha desenvergonhada me perseguiu todo o dia, o silêncio deu lugar a gritos frenéticos; só o sol acabou por me fazer o favor de, aos poucos, se esconder, talvez, envergonhado do que ia iluminando cá em baixo.

5.5.13

O retorno à miséria

Fica a sugestão de saída, mas a realidade é bem distinta. Ao invés de antanho, escasseiam os meios. Nenhuma Ordem de Cristo dispõe da verba necessária para que este povo se mude para novo continente, nova ilha afortunada.
Na água boiam os anseios de um povo prestes a submergir às mãos de corsários e de piratas. Os anseios de um povo esmagado pela propaganda de um diretório prestamista sem rosto.
(Ontem, a propósito do significado do exame da 4ª classe referi que a aprovação significava a abertura do caminho que permitia a mobilidade social; hoje, acrescento que um diploma de estudos superiores abre o caminho de retorno à miséria… tudo isto, num tempo, em que o ministro da educação não passa de um ajudante do ministro das finanças ao serviço do diretório prestamista sem rosto.)
/MCG

4.5.13

Do rigor do exame do 4º ano...

Em 1965, fui à sede do concelho prestar provas do exame da 4ª classe. Provas escritas e orais. Ato solene perante júri desconhecido. Nunca soube o custo, mas lembro que o meu pai fora obrigado a emigrar e que a minha deslocação implicou pagar a carreira, sapatos novos, roupa nova... As provas tinham um peso de 100% e distinguiam o sucesso do insucesso escolar. Reprovar era uma vergonha para o candidato, para a família e para a comunidade.
Ser aprovado era o 1º passo da mobilidade social para muitos portugueses dessa época.
 
Dentro de dias, regressa o exame do 4º ano. Ato administrativo perante funcionários anónimos. De acordo com um secretário de estado da educação, o custo do exame nacional acrescenta 600.000 € ao custo das desprezíveis provas de aferição, não esclarecendo qual era o custo destas últimas. Para ele trata-se de uma insignificância. Acontece, no entanto, que muitos dos pais e dos irmãos dos jovens examinandos estão desempregados ou já partiram à procura de trabalho fora desta bendita terra.
Agora, o peso do exame é de 25% e, caso, o aluno não fique, de imediato, aprovado, os desprezíveis professores vão ser obrigados a recuperá-lo para novo exame, cujo o custo o senhor secretário de estado ignora. Reprovar será uma exceção e nada dirá sobre a qualidade das aprendizagens... e quanto à mobilidade social, o que pensar de um regime que promove a mediocridade na educação, desprezando os agentes que a deveriam promover?
O anunciado rigor dos estadistas do passado e do presente em pouco diverge: no passado, abria as portas do escol que haveria de guiar a nação nos seus messiânicos objetivos; no presente, nivela por baixo, abrindo as portas à escumalha que, inevitavelmente, conduzirá ao fim da nação.  

3.5.13

O Tejo assoreado




Desta vez, fiz o percurso a pé. Quis comprovar se, depois das cheias, o Tejo continuava transbordante. Afinal, está assoreado! Tal como no último Verão!

Triste indicador! A ponte cumpre a sua função, ao contrário da ministra Cristas que, ainda, não percebeu que o desperdício de água se paga caro… e, em maio, o Tejo vai morrendo aos poucos..

/MCG

2.5.13

Para me contrariar

Ciente de que a burrice me consome o tempo que me resta, insisto, todavia, em explicar que não há conteúdo sem continente, que não há compreensão sem expressão, que a imaginação verbal pode ajudar a diminuir a cerração...
De momento esta explicação, devidamente exemplificada - a bolsa, o baú, o copo, a ânfora, a mochila, o contentor, a jarra, a mala, o táxi, o avião,  o país, a urna,  a europa, a ásia... - interessa a muito pouca gente.
Talvez porque, para me contrariar, uma boa parte da humanidade também insista em explicar-me que não tem conteúdo, e assim, vai ocupando o tempo que lhe sobra a bater com a cabeça na parede em frente até que o coma advenha ou, em alternativa, a pisar a cabeça de todos os que se vão pondo a jeito. 

1.5.13

No 1º de Maio

(A cabeça já circunda os Restauradores enquanto que a cauda se arrasta 500 metros atrás; o tronco, esse, serpenteia ao longo da Avenida; os "língua" apelam à revolta no eco das lagartas das chaimites... É ainda a ideia de que o futuro pode ser mobilizado pelo passado!)
 
Eu não estou lá mas é como se estivesse! Bastou-me estar lá na alvorada para perceber que a repetição me incomoda, me atrasa e me surripia a matéria de que sou feito. Eles ainda têm alma! Eu nunca a tive, pelo menos, nunca tive uma alma encenada que, em certos dias, salta dos bastidores e ocupa o proscénio...
 
Por isso, hoje, trabalho todo o dia em múltiplas tarefas, ciente de que me estou a atrasar e de que a matéria de que sou feito se está a esgotar! Ciente de que todo este trabalho em nada diminui a dívida! Ciente de que tudo isto (e aquilo) é triste e reconhecendo, finalmente, que escrever só pode ser triste.
 
Por isso vou agora sair para apenas caminhar durante uma hora, não na Avenida, mas nas ruelas desta freguesia (e talvez da vizinha). Vou sozinho..., mas regresso (espero!) menos só!