30.4.13

A sociedade de informação

A sociedade de informação, que se revela incapaz de investigar a extensão e a constituição da dívida pública, como se esta fosse segredo de estado, não tem qualquer pejo em desvirtuar «os limites externos à liberdade de informação».
No dia a dia, em nome da democracia, a sociedade de informação despreza a vida privada e familiar, os dados pessoais informatizados, a confidencialidade da situação tributária dos contribuintes, o segredo de justiça. E fá-lo com a conivência ou, mesmo, instigada pelo Estado.
Na verdade, a comunicação social sente-se autorizada a, por todos os meios, inquirir o cidadão, expondo-o na praça pública, linchando-o sem apelo nem agravo.
Por outro lado, esta prática alastrou ao mundo empresarial. Qualquer empresa dispõe, hoje, de uma base de dados e de um call center prontos a manipular o cidadão-consumidor.
E curiosamente, a sociedade de informação, apesar dos seus múltiplos tentáculos, não avança um passo no sentido de esclarecer o contribuinte sobre a dívida pública. Sobre a sua história, sobre a história dos empréstimos pedidos pelo estado português e pela banca portuguesa ao longo do século XX e nestes últimos trezes anos.
Valeria a pena saber se, na verdade, o empréstimo a 99 anos para amortizar a dívida acumulada em 1902, na sequência da bancarrota de  1892-93, foi saldado em 2001. Ou se antes, quando e como?
Por enquanto parece ser mais simples reduzir tudo a uma mesquinha luta político-partidária... e mais tarde não me venham dizer que eu não avisei! (A.C.S. - o homem que melhor conhece os segredos do estado português, depois do inamovível Dr. Oliveira Salazar!)
 
 

29.4.13

O Gebo e a Sombra (revisitado)

«Primeiro a nossa casa hipotecada e vendida naquele ano em que estive desempregado, 1893 - data negra. Depois a desgraça do filho...» Raul Brandão, O Gebo e a Sombra, Primeiro Ato.
 
A minha interpretação de 27.04.2010 ignorou uma data que, hoje, considero fulcral: 1893. (Esta data é negra porque corresponde à bancarrota parcial de 1892-93. Neste último ano, a dívida pública atingiu 124,3% do PIB. E só em 1902, foi possível renegociar e contrair novo empréstimo amortizável a 99 anos - 1902-2001.)
 
Deste modo, a situação de miséria vivida pela maioria da população acentuou-se enquanto uma minoria, onzeneira, enriquecia a cada dia que passava - enriquecia com a miséria dos outros. Esta circunstância é, assim, fundamental para compreender "o teatro de ideias" de Raul Brandão.
De um lado, vemos o Gebo, honrado e cumpridor do dever, mas pobre e desprezado; do outro lado, o filho, o João ladrão, mas revoltado, para quem é preferível «antes morrer do que viver sepultado». A viver na rua (ou na prisão) durante 8 anos (1893-1901), João vai descobrindo que « há criminosos que têm alma e homens honrados que a não têm.» E acaba por ser ele que enuncia uma ideia, mais do que nunca, adequada aos anos que vivemos: UNS SÃO UNS TRAPOS, OUTROS REVOLTAM-SE.
No essencial, a família representa os "trapos" e João, "o revoltado". Mais do que um delinquente, João desestabiliza as consciências, a começar pela do pai, que resolve, depois de roubado e desonrado pelo filho, aliar-se-lhe, respondendo à pergunta de Sofia: «Neste mundo atroz, neste mundo onde não há a esperar piedade nem justiça, só os desgraçados é que têm de cumprir o seu dever?»
Em conclusão, nesta peça, o autor aplica o seu conceito de teatro: este «deveria debater um grande problema social ou psicológico, e interessar o público com "peças sintéticas" que fossem "populares e humanas".»
 
PS. Qualquer semelhança com a atualidade...!
 

28.4.13

Escrever sobre...

Podia tentar escrever sobre o congresso do PS, mas não entendo nada do que lá se passa! Parece que o José Seguro se imagina o novo homem providencial, capaz de solucionar o que o próprio partido construiu e destruiu, sem nunca  assumir a responsabilidade da falência em que o país se encontra. O PS continua a viver no oásis!
Podia escrever sobre um Governo que passa os dias em conselho extraordinário, mas não entendo o que lá se passa! Parece que o Portas insiste em contrariar o Gaspar, incapaz de impor aos restantes ministros um programa que combata o despesismo do Estado...
Podia escrever sobre os portugueses que, supostamente, viveram acima das suas possibilidades, mas, a cada dia que passa, todos os indicadores apontam para erros graves de um conjunto de decisores que, na maioria, continuam em lugares de relevo, em vez de estarem presos.
Chegado aqui, não apetece escrever, pois os únicos que acabarão por cair são todos aqueles que insistiram (e insistem) em eleger quem os não representa e se aproveita para delapidar o país e, simultaneamente, encher os bolsos...
 
Em alternativa, posso escrever sobre o vento frio de abril, sobre as flores de abril, sobre as colmeias de abril, sobre os formigueiros de abril, sobre os velhos de abril, sobre os jovens de abril... sobre a miséria de abril! 
 

27.4.13

O vento frio





O vento frio pôs cobro à aventura em  Escaroupim. Dias antes, explicara que a relação sinestésica despertada pelo vento era, primeiramente, táctil, e só depois, por exemplo, auditiva: «eu escutava (…) os relinchos vítreos do vento…» V.F., Manhã Submersa

Desta vez, não foi necessário soltar os cavalos; o balanço dos pinheiros foi um indicador suficiente para afugentar os mais friorentos.

De qualquer modo, ainda fui a tempo de revisitar a aldeia e, sobretudo, de espreitar a Ilha das Garças. Aos milhares, esvoaçavam para quem as quisesse ver. Infelizmente, as fotos não dão conta da realidade!

(O fotógrafo não chega a ser amador, e o equipamento deixa muito a desejar!)

26.4.13

Ali perto, os jornaleiros



Ali perto do Tejo, uma dezena de cortiços! As abelhas pressurosas contrastam com 4 trabalhadores florestais que, encostados à furgoneta, esperam pela hora de almoço.
Não esperem que eu coloque aqui uma foto desses jornaleiros, pois não quero denunciá-los à entidade patronal. Pareceu-me até que a imobilidade das 11h30  resultava de se terem de tal modo aplicado que o combustível que lhes alimentava as ferramentas de trabalho se esgotara.
 
 

25.4.13

Numa hora…





Uma hora de caminhada. Duas furgonetas em sentido contrário. Numa delas, um casal e, certamente, uma história. Uma história deles que fica por contar por ser só deles. Um motociclista lento dos atalhos e um ciclista que saúda, apressado…

Eu, a pé, desperto para a novidade que, afinal, é apenas mudança cíclica ou sinal de morte prematura. As flores de abril cumprem a função de nutrir as abelhas… e as formigas de abril, indiferentes aos pés que as podem calcar, transportam o pão para galerias que só a elas dizem respeito…

E  eu que sei que abril divide, caminho para o rio oculto até que o caudal barrento começa a espreitar por entre um arvoredo sequioso e impenitente…

Na outra margem, um trator cumpre a função de preparar o terreno para nova colheita, e as aves, intermitentemente, transportam-me para a foz…

24.4.13

Hoje, na Biblioteca central

Em 24 de fevereiro de 2010, no Auditório Camões, Vasco Graça Moura convidou-nos a  ouvir, memorizar e recitar os versos do poeta David Mourão-Ferreira,  porque em cada verso escorre o agora, nas suas dimensões de passado, presente e futuro… E esse é o território da poesia, do ser… e sempre que ela acontece, o paraíso ganha corpo.
Hoje, 24 de abril de 2013, na Biblioteca central, Vasco Graça Moura, num esforço admirável, surge para entregar a cada um dos alunos o livrinho que reúne "O olhar dos Jovens sobre o Amor de Perdição - As Cartas de Perdição". E mais uma vez, o homem de cultura deu conta da necessidade de envolver os jovens na criação a partir da leitura dos «clássicos», incentivando-os a efabular sem constrangimentos, pois só o tempo dirá se também eles, um dia, poderão engrossar a galeria dos clássicos.
Para mim, no entanto, mais importante do que disponibilizar o Centro Cultural de Belém para apoiar e editar novos projetos de leitura e de escrita, foi a oferta à BECRE da Obra Completa de Ruy Belo, foi o apontar do caminho...
Em tempo de parcos recursos, a leitura individual e partilhada pode muito bem ser o caminho!
Nesse sentido, só posso aplaudir as iniciativas do CLUBE LER PARA VIVER.
 
( Os meus agradecimentos aos 22 alunos, aos professores e a todos aqueles que, de algum modo, contribuíram para que a exposição CARTAS DE PERDIÇÃO fosse possível.)
 
E já agora um outro caminho possível:
 
«dizem que vais nascer; que há métodos de
determinar-te o sexo. que a tua mãe deseja
respirar o teu sopro, tua mobilidade,
teu mamar; tirar o teu retrato.
 
para quê prever-te o nome ou preparar
roupas rendadas? ninguém há-de cumprir-te
que te cumpras. e tentarão salvar-te a alma
com água e óleo e sal.»
(...)
Vasco Graça Moura, da vida humana 1
PS. O destaque é meu.