30.12.10

Cheguei ao fim…

Cheguei ao fim da Correspondência (12.11.1971). À data, «as portas entreabriam-se (por quanto tempo?) e toda a gente se lançou a publicar cada vez mais ousadamente. A política e o sexo vão de vento em popa.» Carta 159 (José Saramago).

Ao mesmo tempo que a Censura parecia desmobilizar, Saramago via-se desfeiteado pelos novos patrões da Editorial Estúdios COR que decidiram admitir um novo director literário – Natália Correia – sem lhe dar qualquer satisfação. E por isso Saramago « cansado de carambolar entre a editora e os autores… (…) e do franciscanismo tolo e ingénuo que tem sido o meu» (…)  demitiu-se.

Por seu lado, Miguéis, à beira dos 70 anos, adoentado e cada vez mais esquecido, continua à procura de novos caminhos literários e editoriais, sem deixar de zurzir nos literatos portugueses em que inclui Mário Dionísio: «Segundo o pobre do Mário Dionísio – tão mau pintor como mau poeta – para quem também deixei de existir – o rótulo importa mais que o vinho da garrafa»

Miguéis não deixa, no entanto, de separar o trigo do joio, embora, curiosamente, nestes 12 anos de correspondência não haja uma única referência a Fernando Namora, ao declarar ao amigo Saramago:

« Não creio que nenhum outro cronista nosso escreva hoje de maneira tão toante, directa e moderna – e tão bem! -  sobre os pequenos e grandes quotidianos da nossa vida: humanidade, ironia, e um pessimismo sorridente, isento de amargura.» Carta 160.

Miguéis, ao comentar Deste Mundo e do Outro, antevia já o lugar primeiro a que Saramago se alçaria, ofuscando todos aqueles que, de algum modo,  se habituaram a vê-lo como o servo em vez do senhor.

PS: Um Bom Ano de 2011 para todos! e, em particular, para o discreto e fugidiço José Albino Pereira. 

28.12.10

O resto é opinião…

Continuo a ler sofregamente a Correspondência trocada entre José Rodrigues Miguéis e José Saramago. É deliciosa pela informação que nos dá sobre as angústias do “senhor” e do “escravo”, do rigor  e do pragmatismo anglo-saxónicos, do laxismo e do esbanjamento portugueses; da intelectualidade postiça e invejosa; da crítica presunçosa e maldosa que imperam na “pátria”… De facto, aos olhos dos correspondentes, pouco ou nada se salva naquele Portugal de 1959 a 1971… à beira-lágrima plantado.

(Das 166 cartas, já devorei 116, sem necessitar da caruma para lhes pegar fogo!)

E para não ser maçador, referindo-me à chatice da actualidade política e económica,  termino com as sábias palavras de J.R.Miguéis:

O homem é a obra e só vale por ela. O resto é opinião, isto é, paisagem: disso temos para dar e vender, sofremos de «opinião fácil»…

26.12.10

Parece um sonho…

Parece um sonho, mas é verdade! Saramago, durante anos “serviu” paciente e zelosamente o escritor “americano”, como seu »director literário» na Editorial Estúdios COR. A correspondência entre ambos confirma-me a visão do escritor exigente e, por vezes, exasperante que foi José Rodrigues Miguéis. Tinha a ideia que este seria tão perfeccionista e ávido do vil metal como o fora Eça de Queirós. Bem sei que ambos precisavam dos proventos da escrita para poderem sobreviver em climas e culturas bem diferentes!

Apesar da hipocondria e, por vezes, da incompreensão de Miguéis, José Saramago procura sempre servir o ilustre escritor, quase sem um queixume, revelando uma crescente simpatia que progressivamente se transforma em amizade, no sentido nobre, diria mesmo, platónico do termo. Pressinto que, para Saramago, o cultivo dessa relação foi fundamental para a sua maturação como escritor que, paradoxalmente, o ajuda a libertar-se do jugo dos editores e até do capricho da crítica e, sobretudo, do mau gosto dos leitores…

Das 166 cartas que compõem esta obra, organizada e anotada por José Albino Pereira, só li, ainda, 43…, mas a leitura é apaixonante, para quem sempre considerou Miguéis como um dos maiores escritores da lusofonia e, sobretudo, porque nos dá um retrato de Saramago, como um homem humilde, amigo de seu amigo, crítico parcimonioso e senhor de um saber fazer admirável…

(Quanto a José Albino Pereira tem aqui um trabalho que honra o zelo de José Saramago. Espero que se mantenha disponível para nos falar desta relação privilegiada entre Miguéis e o Nobel da Literatura. E, sobretudo, que não nos fuja, de vez, para os campos do Ribatejo!)  

23.12.10

Festas Fartas!

Independentemente da confissão ou da convicção, a grande maioria corre frenética para a noite de Natal, como se não houvesse mais noite. A vertigem arrasta para a despesa fácil e para a mesa farta, como se a riqueza nos fugisse definitivamente.

E de verdade, o ano de 2010 parece assinalar para muitos portugueses uma viragem profunda no estilo de vida... Por enquanto, ainda mantemos rotinas... e por isso Boas Festas a todos os que me têm acompanhado.

(E quanto a 2011, esperemos que, para fazer prova de honestidade, não seja necessário renascer duas vezes!)

19.12.10

Por demonstrar…

O dia de hoje foi um pouco diferente do de ontem. Com menos frio. Continuei, no entanto, a corrigir trabalhos de última hora, alguns reflexo de enorme preocupação  dos autores em melhorar os seus desempenhos. Já há quem seja tão perfeccionista que corrige e reformula as vezes que eu quiser!

Estou a referir-me a um conjunto de jovens que, provavelmente, se submetidos ao Programme for International Student Assessment (PISA), obteriam resultados que permitiriam, por extrapolação, colocar Portugal nos píncaros da Lua.

De qualquer modo, mesmo que esta amostra possa compensar as inúmeras horas despendidas, fica sempre a frustração de que muitos estudantes não valorizam nem a leitura nem a escrita e, sobretudo, o desespero de que estas ferramentas são cada vez mais utilizadas de forma desonesta.

Ao contrário de Daniel Sampaio que pede que «não nos esqueçamos de que os dados do PISA são uma boa notícia que os nossos jovens nos trouxeram» (Pública, 19.12.2010), eu creio que se trata apenas de resultados que procuram tapar o sol com uma peneira.

(Continua por demonstrar como é que Portugal passou a estar na média da OCDE – entre a excelência e a desonestidade a fronteira é ténue.)   

18.12.10

Entretanto…

Quando acreditamos que ESCREVER ajuda a organizar a leitura da realidade (exterior e interior) e apostamos em recorrer a essa estratégia como ferramenta de ensino e de aprendizagem, estamos a correr riscos… pois necessitaremos de dezenas e dezenas de horas para rever os textos que nos são submetidos, quase sempre fora de horas…

Não há componente não lectiva que abarque o tempo despendido nesta tarefa! E, frequentemente, somos enganados! Quantas vezes, recebemos “cópias” de outras “cópias” mal engendradas! Infelizmente, não são apenas os alunos que recorrem ao plágio!

Ainda há poucos dias um dos maiores plagiadores que conheci foi promovido a cardeal! Quando o conheci ainda era presbítero, mal sabia escrever e tudo o que escrevia era plagiado, graças às novas tecnologias da informação…

O plágio é tão bem visto que, amanhã, o Governo não deixará de nos impor a reforma aos 67 anos de idade. Basta olhar para o vizinho do lado!

(Tudo isto pode parecer descabido, mas há vários dias que venho revendo textos que eu próprio motivei e que, na maior parte dos casos, são vistos como um capricho de professor obsoleto e que, concluídos os 36 anos de serviço, se vê ameaçado com mais onze…)

Entretanto, vou ter de mudar de estratégia para que a morte não me surpreenda a escarafunchar, nem vale a pena, dizer no quê…

15.12.10

De que serve encanar a água?

É tanto o ruído, tantas são as frases sobrepostas que as meninges latejam. Pouco interessa se a palavra encontra interlocutor. Fontes donde a água jorra indiferente à necessidade!

De que serve encanar a água se qualquer riacho a pode encaminhar para o mar? Esse lugar em que, definitivamente, a gota morre.

Inebriados, transformamos o sério em risível, alheios à vida que paulatinamente estiola…

(O sentido atravessa sem cor as fendas destas surdas paredes e eu sigo pelos interstícios para longe do rumor que me esmaga o cérebro. Só não sei porque regresso todos os dias!)