6.8.10

Acerto de contas…

(Para quem quer caminhar de Valverde até à Praia da Luz, onde é que fica o passeio? Não vale a pena afirmar que o turismo é uma riqueza para a economia nacional quando as acessibilidades são descuradas!)

Hoje, porém, abandono o meu lado negro para me referir a Teixeira de Pascoaes. Mário Cesariny publicou, em 1998, um pequeno livro, intitulado AFORISMOS, recolhidos em parte da obra de Teixeira de Pascoaes.

Da leitura que venho repetindo, gostaria de referir alguns tópicos que me parece merecerem aprofundamento: a) um certo desprezo pela ‘literatura’ – «a literatura (…) um produto industrial»; b) o elogio da raça dos poetas, em contraste com a condenação dos políticos – «cá em baixo, a acção criminosa dos políticos»; c) a superioridade dos valores populares –«Devemos substituir Os Lusíadas, esse Livro de Linhagens, pelos Autos populares de Gil Vicente»; d) o retrato de Camões, homem triste, sofredor e intérprete da morte – «Camões é um abismo de tristeza»; e) o fascínio pela transgressão – «A corrupção forma as novas ideias» / «O bom senso tem quatro patas» / «O pecado é mais fecundo do que a virtude»; a dúvida sobre a essência Deus – «A morte é a pessoa feminina de Deus».

Desta leitura, forçada pelo espírito rebelde de Mário Cesariny, fica-me a ideia de um Teixeira de Pascoaes crítico da Geração de 70 e defensor de uma nova ideia de educação. Uma ideia que acabou por morrer na sarça ardente da primeira república.

PS: A partir desta data, vou escrever mais sobre livros, pois, tendo decidido abandonar o ensino esporádico da Literatura, necessito de comigo acertar umas contas…

5.8.10

A pretexto…

O Algarve é pequeno e diverso. Cheguei a Valverde, parque da Orbitur, que, depois de eu ter entrado, me enviou um e-mail a dizer que, nesta época do ano, não fazem reservas. Simpáticos! O parque está cheio de franceses, de italianos e de espanhóis, isto sem falar nos ingleses que, na zona, são senhores.
Ao fim da tarde, viajei até à Praia da luz, tendo tido a oportunidade de descobrir que os condutores dos autocarros lidam melhor com as libras do que com os euros. Praia a esvaziar e um vento frio a fazer-se sentir. Inesperadamente, acabei a visitar as ruínas romanas que, oficialmente, encerram às 17 horas.
Afinal, os árabes e os romanos chegaram a este lugar muito antes dos portugueses e dos ingleses!

A vila de Alvor

Saio da vila de Alvor, do camping da Dourada, com uma frase na cabeça. De manhã cedo, uma agente da autoridade comentava com um almeida: «Quando chego à zona ribeirinha, e olho à direita e à esquerda (registo no relatório de ocorrências de ontem), vejo duas realidades bem contrastivas.» No essencial, esta agente relatou tudo o que eu penso sobre a vila de Alvor.

Entretanto, percebi que a agente faz acompanhar o seu relatório das devidas fotos para que o seu chefe possa, de forma documentada, interpelar quem de direito. E, também, senti uma certa ironia naquela afirmação devidamente corroborada pelo almeida que continuava a varrer o lixo que os ébrios turistas tinham abandonado na via pública…

Finalmente, continuo sem saber quem é que lê os relatórios diários dos milhares de agentes de autoridade e quais os efeitos na melhoria da qualidade de vida das populações…

(Nem só de literatura se faz o discurso!) 

4.8.10

O casulo…

Lá dentro, não mora ninguém! A cigarra, com a canícula, libertou-se para nos dar cabo dos ouvidos. Arreliado com o canto, apetece-me exclamar como o Teixeira de Pascoaes: o ruido estridente e monótono da cigarra é literatura. Com as devidas distâncias, pois Pascoaes, no momento em que redigiu o aforismo, pensava num cão: o ladrar é literatura.

3.8.10

Na praia de Alvor… com procurador

Hoje, desci à praia de Alvor. Um areal imenso prenhe de corpos. Lá arranjei um buraco para me esconder de mim mesmo, enquanto lia 4 ou 5 páginas do DN sobre a morte do antigo director, Mário Bettencourt Resendes. Claro está que quando um homem morre só tem qualidades (de facto, eu até gostava da serenidade do comentador!) Percebi que quando o Mário se zangava mudava o registo de língua para Os Açores, o que, a mim, me faz falta – talvez haja por aí um registo ribatejano falho de vogais que simplifica de tal modo a fala que nenhum interlocutor chega a saber o que queremos dizer, os ribatejanos.

Enquanto o calor me obrigava a pensar em atirar-me à água, ia percebendo que, mesmo ao lado, no jornal, morava o meu vizinho, da Portela, procurador da república, que se imagina rainha da Inglaterra. Nunca percebi esta falta de consideração pela (velha) rainha e, consequentemente, pelos seus súbditos que nos cultivam o Algarve! E já é tempo, de 100 anos depois de instaurada a república, deixar de estabelecer analogias com a monarquia, a não ser que o procurador queira ser um monarca…, o que, repentinamente, me faz pensar que o melhor é pôr-me a averiguar por que motivo veio D. João II falecer em Alvor.

De qualquer modo, não consigo compreender porque é que o procurador não bate com a porta, e põe cá fora tudo o que sabe. No meio de tudo isto, parece que a investigação só existe para afastar, de qualquer modo, as acusações feitas a alguém,  ou, pelo contrário, para incriminar, custe o que custar, quem lhe sai ao caminho…

( E o maldito calor sufoca-me e atrofia-me a mente!)   

/MCG

2.8.10

Lição de uma rola…



Nem todas as obras cumprem com a mesma eficácia o objectivo para que foram criadas.  Umas deviam tratar-nos do corpo; outras da alma. As primeiras, rasteiras, passam despercebidas; as segundas, altivas, elevam-se aos céus. Descrente das primeiras, quiseram-me purificar a alma. Resisti por palavras e omissões até ao dia em que fui convidado a repensar a minha vocação. Ainda, hoje, não sei onde é que perdi o apelo do céu (ou seria da terra?); continuo a cumprir algumas tarefas, umas mais nobres outras mais mesquinhas. Nem mesmo, em férias, me liberto de quem esperam que eu seja. Corro o risco de não conseguir ser eu próprio e, principalmente, de não perceber que o único objectivo deve ser, em vez do tronco firme e resistente, procurar o ramo instável e quebradiço…
/MCG     

1.8.10

Os meus hypomnemata…





Ontem, referi-me aos termos askesis e hypomnemata sem lhes explicar o sentido. Hoje, passada a neblina matinal, aproveito para elucidar que a askesis é um velho termo para designar o adestramento de si por si mesmo. Em regra, este procedimento, na convicção de Epicteto, exige que nos submetamos a três tarefas diárias: meditação, escrita e exercício físico.

Quanto aos hypomnemata, estes são uma memória material das coisas, lidas, ouvidas ou pensadas, e podem servir a via da ascese. Sem qualquer tipo de pretensão, quero crer que estes meus “posts” são, afinal, os hypomnemata dos antigos, se eu persistir na askesis de mim mesmo.

Tudo isto pode parecer inútil se a desorientação se tiver apoderado de nós. Todavia, se fixarmos o olhar, o cavalo sabe qual é o caminho…