27.2.10

Moinhos

 (Se eu bem compreendi o Professor Jorge Ramos do Ó, os primeiros moinhos são coevos da minha infância, e os segundos contemporâneos da minha adolescência – construção da Escola, em particular dos Liceus. Perante o adiamento da idade da reforma, pareço condenado a nunca sair da adolescência!)

Outrora, aos 10 anos, a criança ao entrar no mundo do trabalho tornava-se de imediato adulta. Uma criança adulta, incapaz de se adaptar à mudança tecnológica, ao ritmo exigido pela produtividade…A Escola pública do início do século XX resulta da necessidade de produzir um proletário mecânica e moralmente adaptado às novas necessidades de produção. Deste modo, foi criado um longo período de aprendizagem cujo termo significava, para quem o superasse, a entrada no mundo do trabalho, devidamente formatado e moralmente adequado.

Esta engrenagem mecânica e moral  apostou na adolescência para dar corpo às juventudes fascistas e comunistas que nos campos de batalha cometeram as maiores atrocidades em nome da superioridade da raça ou da classe. Durante muito tempo saiu-se da adolescência para o campo de batalha,  criando a ilusão que o trabalho nunca faltaria a quem a Escola acomodasse para a vida activa.

Se houver coerência neste meu raciocínio, Jorge Ramos do Ó terá razão ao afirmar que na Escola nada mudou nos últimos 100 anos. Não mudou a Escola mas mudou o Mundo. A organização, disciplina e conteúdos propostos pela Escola já não são necessários, sobretudo desde que a escolaridade se tornou obrigatória (4, 6, 9, 12 anos).

Chegámos a uma encruzilhada, em que ou alargamos a escolaridade até aos 35 anos e, consequentemente, a adolescência, ou encerramos as Escolas e o respectivo paradigma. Às portas do caos, acabaremos por medir forças mais uma vez, a não ser que o planeta ponha fim à aventura humana.

24.2.10

…a existir só agora pode ser

(…) “Podes partir. De nada mais preciso / para a minha ilusão do Paraíso.” David Mourão-Ferreira


Se o Paraíso não está nem antes nem depois, a existir só agora pode ser, o que pressupõe que as categorias de passado, presente e futuro não passem de dimensões do agora. E creio ser essa a procura do existencialismo que para se afirmar, rejeitando o passado e o futuro, inaugura o parque da memória, escalando os prazeres em sedução, conquista e história dita /escrita.

Olhando um pouco mais de perto, embora não o tenha dito, foi essa a lição do poeta Vasco Graça Moura, ao convidar-nos a dizer, ouvir, memorizar os versos do David Mourão-Ferreira. Em cada verso escorre o agora, nas suas dimensões de passado, presente e futuro… E esse é o território da poesia, do ser… e sempre que ela acontece, o paraíso ganha corpo.

22.2.10

A ribeira do Funchal…

 Dia 29 de Outubro de 2004. Naquela data, pensei que havia alguma coisa de errado. Quase seca e suja, a ribeira destoava naquele jardim… como se tivesse sido esquecida. De súbito, acordou e afogou a cidade num mar de lama e de morte.

/MCG

21.2.10

Esc(re)ver…

Escrever, quando as forças da natureza reivindicam o espaço que lhes foi sonegado, ontem, na Madeira, hoje, sabe-se lá, no Continente, pode parecer um acto de alheamento. No entanto, escrever tanto pode ser sobre  leitos de rios, ribeiras e arroios que foram ocupados pela ignorância ou pela cobiça dos homens, sobre as encostas e as falésias a quem inadvertidamente matamos os socalcos ou sobre o alfaiate, que, sozinho, insiste em varrer o lodo Tejo e engolir todas as  minhocas que lhe surgem.
E também se pode escrever sobre o Poeta (D. M-F.) que anunciava ao mundo (ou seria às mulheres?): «Prazeres que prefere: os que o papel e a pele lhe proporcionam». Os prazeres tácteis, diria eu, de quem não resiste à tentação de sentir o mundo na ponta dos dedos!
Escrever é, assim, dar luz ora à pele ora ao osso, sem esquecer uma certa adiposidade que os  pode enredar. E a propósito, não posso deixar de me interrogar sobre a tradução do título de um filme de François Truffaut LA PEAU DOUCE, em português, ANGÚSTIA, estreado em Portugal a 8 de Outubro de 1965. A doce pele da jovem Nicole que incendeia e arruína Pierre Lachenay, traduzida em português, perde a força perturbadora que o corpo irradia para se transformar num sentimento decadente e irreversível – angústia. Malhas que o império tecia!

19.2.10

Uma boa notícia…

Fernando Nobre não tem qualquer hipótese de chegar à presidência! No entanto, vai obrigar os políticos a repensar as dimensões da acção política. No essencial, Fernando Nobre é herdeiro de Lurdes Pintassilgo cujo tempo político foi efémero… Será Fernando Nobre capaz retomar os valores da antiga primeira ministra?

16.2.10

O Tejo

 Nas estradas do passado, há uma que, a espaços, reaparece. O Tejo. Ultimamente, vem ocupando cada vez mais espaço. Aqui, em Alhandra, em dia chuvoso de Carnaval, o Tejo corre cinzento, cor de cimento… pronto a mudar de mãos com o consequente empobrecimento das populações ribeirinhas, já de si tão abandonadas. Os sinais de decadência estão à vista. Basta olhar as casas em ruína, a sinuosidade das vielas. Nem Deus se mostra disponível, tão íngreme é a escadaria! 
O Tejo devia ser uma via nobre e estruturante do nosso crescimento; pelo contrário, arrasta-se ora tímido ora revoltado sob o olhar indiferente dos governantes que só se lembram dele para construir mais uma via rápida, como se ele não passasse de um escolho... 

14.2.10

Caminhos II

De cima, não avisto o lugar onde outrora subia a estrada que se perdia na curva dos moinhos. Olhava a serra próxima que matava o horizonte; uma encosta, em labareda, cegava-me a vida. Se virava à esquerda, percorria dois, três kilómetros, e regressava à origem. Durante anos, a estrada orientou-me para a direita, levando-me a outro castelo, cujas muralhas se tornaram confidentes, muralhas fernandinas, outrora testemunhas da barbárie de D. Pedro I, ali, na janela do Condestável, em nome de amores proibidos ou imaginados…, também eu fui atirado à vida por insuficiente fé.
De regresso à origem, sem consciência da minha vizinhança com Pedro Álvares Cabral, jazente na Graça, deixei de virar à esquerda ou à direita, e passei a caminhar em frente, desembocando nas margens do Nabão, donde, na encosta, observava o Convento de Cristo, como se este ali estivesse para me obrigar a reflectir sobre a fé que nunca compreendera…
À esquerda, à direita, ao centro… sempre o castelo e a encosta que me cegavam a vida. E lá longe, lá em cima, ficam África e o Brasil… e eu continuo aqui em baixo. Sem fé em Deus e nos homens. Até quando? Só os caminhos continuam a levar-me…