25.9.08

Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. (António Vieira)

Um familiar parte, sem deixar nem aviso nem rasto; outro, passados 10 anos, oferece-me a crua imagem do que resta da transitoriedade; um terceiro dá corpo à criancice que há muito deveria ter ultrapassado...; no intervalo, o expediente, a ocultação e a mentira...

Na finança, o jogo e a fraude que corrompem e deprimem os povos...

A Assembleia de Escola foi extinta, mas qual fénix, renasce no dia seguinte sob a forma de Conselho (transitório ou geral)... A Assembleia da República discute a mudança do paradigma do casamento... De futuro, quem é que me poderá impedir de registar definitivamente, no notário, a união das minhas agulhas com o afã do bicho da madeira? De tornar pública esta minha secreta relação?

Entretanto, vou navegando entre A Poesia Trovadoresca, O Sermão da Sexagésima e O Domingo de Lázaro, mas a navegação é lenta; os escolhos surgem a cada braçada sob a forma de signos catacréticos. E de repente, sou interrompido por uma aluna que me interpela, pedindo autorização para trazer um dicionário de casa. Sim, de casa... Quem diria? As palavras atrapalham-lhe a compreensão, ferem-lhe a visão. Ainda não desistiu de ler, ao tropeçar em significantes como "sexagésima", "lázaro", "lazareto", "arrabalde", "mansarda", "águas-furtadas", "coita"...

Espantado, eu que vivo em pleno tempo de preparação penitencial, quase que exclamo: ALELUIA! Mas tenho vergonha. Há muito tempo que o bicho da madeira se esconde por entre a caruma...

20.9.08

Promiscuidade...

As bolsas sobem e descem artificialmente. A riqueza financeira não corresponde a qualquer matéria-prima ou se esta, ainda, existe, é de tal forma manipulada que as populações pagam diariamente os caprichos de jogadores individuais e institucionais sem qualquer tipo de escrúpulo. Assistimos ao esplendor do liberalismo despudorado que, paradoxalmente, continua a ser "almofadado" pelos governos centrais.Só a promiscuidade justifica este modo de agir, numa sociedade que "engavetou a consciência".
A promiscuidade é a causa primeira da morte da alma. E o liberalismo nunca soube o que era a consciência!

14.9.08

Uma leitura diferente...

Estou a ler EL gaucho insufrible, de Roberto Bolaño (1953-2003), da Editorial Anagrama, Barcelona, 2003. Não sei se há alguma tradução em português ou se há por aí quem conheça este escritor, nascido no Chile, mas que retrata de forma extraordinária as vicissitudes recentes do povo argentino e, paralelamente, se revela um singular analista do estado a que a literatura chegou.

JUNO: um filme divertido e que faz pensar...

Fui ver, no Cinema NIMAS, JUNO. O argumento é simples e realista. Muitos adolescentes vivem, cedo, o mesmo drama, embora a carga dramática seja atenuada, pois ressalta a ideia da infantilidade e do desprendimento da jovem grávida ou, a perspectiva de que o erro não deve gerar sentimento de culpa... Talvez seja esta a mensagem para uma sociedade em que os fundamentalismos vão ganhando cada vez mais adeptos que arremessam pedras com a maior das facilidades...

No caso português, creio que este filme bem poderia ser ponto de partida para reflexão de adolescentes e educadores, embora os primeiros provavelmente o considerem demasiado "lento" e até lamechas.

JUNO

13.9.08

A recompensa...

"Aquilo que todos temos,

Partilhamos e preservamos

Poucos sabem o que é…

Mas aqueles que o sabem

Comportam-se como se nunca o tivessem sabido.

Apenas se deixam levar,

Como folhas arrastadas pelo vento."

(M.P.F.)

Hoje, os momentos de desânimo e de cepticismo - foram compensados pela notícia tardia de que a Marisa Peralta Ferreira viu premiados o seu afã, a sua vontade de fazer sempre melhor, a sua disponibilidade para as ciências, mas, também, para as humanidades, sem esquecer a sua jovialidade e a sua humildade. Não sei o que terá sentido ao receber o diploma de conclusão do ensino secundário, acrescido do prémio de 500 euros atribuído pelo M.E., mas tenho uma certeza: por um momento, o seu olhar ter-se-á iluminado e, certamente, terá pensado - "afinal, sempre vale a pena..."

(Infelizmente, como a Marisa bem escreveu no Poema "A Travessia", nem todos sabem aproveitar e partilhar aquilo que todos temos. E quanto a esses, nada posso fazer, mas sobra-me ainda algum tempo para acompanhar os que procuram o caminho da superação...)

6.9.08

Abandonados...

Lisboa, Rossio, 23 h...

Sob as arcadas do Teatro D. Maria II, atordoado pelo som de uma coluna, colocada mesmo ao lado da mesa da improvisada esplanada, observo o movimento de carros apressados e de pessoas que fogem das poças de água que rapidamente surgiram, nesta noite outonal...

Ali, ao lado, uma dúzia de táxis, sobre a calçada saída das Portas de Santão, espera, sem alma, os raros fregueses que se atrevem a circular na Baixa, dita pombalina, mas, agora, já ocupada pelos sem-abrigo que se escondem sob caixotes de cartão... Os que se mantêm de pé, fazem-no de copo na mão, uma derradeira imperial, antes de procurarem outras tascas mais noctívagas... A luz, fraca, por entre a chuva, cria um ambiente fantasmagórico de dúvida e de hesitação...

Na Praça ao lado, dita da Figueira, vá lá saber-se o motivo, os protagonistas não são diferentes, apesar da luz ser ainda mais fraca e do número de sem-abrigo ser superior. Apenas, o acesso ao parque de estacionamento anima um pouco mais o sítio. Estacionado o carro, procura-se a saída, encerrada desde as 22 h.... Por isso, entre as 22 e as 8 horas, promovidos a veículos de duas rodas, seguimos o o caminho dos automóveis, embora o construtor do parque não tenha previsto esta situação... Tudo em nome da segurança!

Perante tudo isto, o que sentimos é uma enorme intranquilidade que, de algum modo, nos faz suspirar pelo Pina Manique ou, então, por uma enorme derrocada que aniquile o cancro que mata o coração de Lisboa. Tal como está, só podemos sentir vergonha... e afligem-me aqueles espanhóis que queriam guardar o carro, em segurança(!?), durante a noite, e perguntavam o preço do parqueamento nocturno. Mas quem quiser saber o preço tem que entrar e, perante a tabela indecifrável, abandonar-se ao acaso...

1.9.08

O que nos resta?

A cada hora se muda não só a hora / Mas o que se crê nela, e a vida passa / Entre viver e ser. Ricardo Reis

Apesar do homem ter inventado a roda e do seu fascínio pelas formas ovais e arredondadas, o círculo é-nos proibido. Inventámos o eterno retorno, a ressurreição, a transmigração, a imortalidade para, depois, nos deixarmos cair no desespero da recta infinita ou que, pelo menos, se perde no fio do nosso horizonte, porque mesmo esse se revela intangível...

Perante o absurdo da morte, que mais nos poderia Ricardo Reis aconselhar? E nessa linha invisível se situou António Lobo Antunes, ao escrever o romance "Que Farei Quando Tudo Arder?"  Nele, o autor estica o fio da vida, regista o quotidiano das vozes inúmeras que habitam a cidade e arredores, e transcreve minuciosamente essa sinfonia que só os ouvidos de um desesperado podem captar... a linha contínua das vozes travestidas obriga-nos a ocupar esse espaço que se situa entre o viver e o ser, de tal modo que ou não sobra tempo para mais nada ou desistimos de o ler..., desistindo um pouco mais vida...

E se continuar por esta linha, pouco falta para mergulhar no velho Sá de Miranda. Quem diria?