Ler pode ser aliciante. E para alguns de nós, é-o certamente. Mas para outros, a resistência é cada vez maior. Procurar uma explicação para esta dificuldade não é original, muitas causas de natureza socio-cultural e, mesmo, psicológica têm sido apontadas. No entanto, o conhecimento deste tipo de causas não resolve o problema, porque este se encontra num plano bem distinto.
Há alguns dias, confrontado com a resistência à leitura de OS Maias, de Eça de Queirós, levei cerca de 80 alunos a Sintra, para que pudessem, in loco, refazer o itinerário de Carlos da Maia e de Cruges. Ora, se o itinerário, na versão de João Rodil, não é muito difícil de percorrer, a leitura do espaço e da memória de Sintra, apesar de palpáveis, é um verdadeiro bico-de-obra. E porquê?
Porque não aprendêmos a ler o espaço físico e o espaço simbólico.
Sintra é uma construção do homem e não uma criatura divina, como é habitual afirmar. Os seus jardins e os seus monumentos são expressão da vontade humana. Ora genuinamente construídos ao gosto medievo, manuelino, neoclássico ou ao gosto romântico. Se o Paço Real foi construído e alargado ao longo de vários séculos e nele podemos aprender a ler a História das perdidas (e não assinaladas) Casas dos Templários, situadas no casco do século XII à intervenção joanina ou manuelina, já o Palácio da Pena, as Quintas do Relógio e da Regaleira são obra revivalista do século XIX e mesmo do início do século XX.
Foram reis, diplomatas (por vezes, estrangeiros) artistas e capitalistas (pouco escrupulosos), seduzidos pelo microclima, pela natureza e pela situação geográfica que desenharam a parte vegetal e monumental mais opulenta de Sintra. E fizeram-no em tempo de romântismo serôdio, marcado pela exarcebação competitiva do EU, do pitoresco, do ecletismo, do sincretismo, em suma de um revivalismo que admite todos os neos-(árabe, mudéjar, gótico, manuelino, barroco, oriental...)
Quando se chega a Sintra, vê-se o todo - a serra, o castelo, os monumentos, o verde, o azul -, mas dificilmente se ouvem as águas, as aves e se respiram os perfumes... É mais fácil saborear as queijadas, os travesseiros!
É como se nos limitássemos a fazer uma leitura global, apressada, definitiva. Ao não olharmos o relevo, deixamos de ver as fontes, as cascatas, as grutas, os fios de água que gota-a-gota escorrem pelas paredes vegetais. Ao não olharmos as árvores, deixamos de lhes saber o nome, a origem, como se o Criador as tivesse plantado ali definitivamente.
É esta ignorância cómoda, que nos impede de ler, de gostar de ler, de que, paradoxalmente, os românticos são os grandes responsáveis ao decidirem abandonar o Émile à sua perspicácia ...
Sintra pode e deve ser mais do que um "episódio romântico". Em Sintra, podemos aprender a ler, rumando contra a corrente.