28.8.06

A "morte" do professor?

«O que parece certo é que a deslegitimação e o predomínio da performatividade são o dobre de finados da era do professor: ele não é mais competente que as redes de memórias para transmitir o saber estabelecido nem que as equipas interdisciplinares para imaginar novos lances ou novos jogosJean-François Lyotard, A Condição Pós-Moderna,3ª edição, Gradiva, 2003.
A minha insistência em em algumas das questões abordadas por Jean-François Lyotard pode parecer excessiva, no entanto, ela resulta da tentativa de procurar saber qual é, hoje, o papel do professor. Para Lyotard, o professor detentor e transmissor do saber está condenado a desaparecer. A didáctica pode ser confiada a máquinas que liguem as bibliotecas e as bases dados a terminais inteligentes postos à disposição dos estudantes. E essa tem sido a opção dos países ricos.
Neste contexto, a aposta no professor é um sinal de pobreza. Apesar disso, ainda sobram algumas tarefas que o professor poderá executar, se for capaz de se adaptar à nova realidade, isto é à interdisciplinaridade e ao trabalho em equipa.
Ensinar aos estudantes:
  • o uso dos terminais ou seja as novas linguagens;
  • o manuseamento mais refinado desse jogo de linguagem que é a interrogação - Qual é a memória pertinente para o que quer saber? Como formular a questão para evitar equívocos?
  • os critérios de validação da aprendizagem: Para que serve? É vendável? É eficaz?
  • a aperfeiçoar e a acelerar a imaginação, enquanto capacidade de articular séries de dados tidos como independentes;
  • a conectar campos de conhecimento que a organização tradicional do saber isola.

Portugal, em vez de imitar os países ricos, deve apostar na formação permanente dos seus professores de modo a ajudá-los na mudança a que necessariamente não podem escapar.

26.8.06

O vínculo social e o princípio da performatividade

«O estado e/ou a empresa abandonam a narrativa de legitimação idealista ou humanista para justificar a nova situação: no discurso dos capitalistas de hoje, a única situação merecedora de crédito é o aumento do poderio. Não se pagam sábios, técnicos e aparelhos para saber a verdade, mas para aumentar o poderio Jean-François Lyotard, A Condição Pós-Moderna
Afinal, a decisão de eliminar a abordagem da literatura, em si e numa perspectiva diacrónica, resulta da necessidade de legitimar a decisão do estado e das empresas de apenas apostarem na expansão do poder, deixando cair por terra tudo o que, desde o Renascimento, suportava o vínculo social.
Assim se compreende que o professor tenha cada menos poder de decisão, pois deixou de ser pago para ajudar a criar uma sociedade mais justa, mais verdadeira, mais bela. Hoje é pago segundo o critério da «eficiência»: «um acto «técnico» é bom quando realiza melhor e/ou gasta menos que outro»
A formação do professor obedece cada vez mais a uma lógica em que o princípio da performatividade justifica todas as decisões por mais que elas atentem contra o vínculo social.

24.8.06

Em vez da dúvida e da descrença...

«O saber em geral não se reduz à ciência, nem mesmo ao conhecimento. (...) O saber é aquilo que torna qualquer pessoa capaz de proferir "bons" enunciados denotativos, mas também "bons" enunciados prescritivos, "bons" enunciados avaliativos...»Jean-François Lyotard, A Condição Pós-Moderna
Sempre que o regresso à escola se aproxima, desponta a dúvida: Que sei eu que valha a pena partilhar? À medida que os anos passam, essa dúvida é cada vez mais forte: De que lhes poderá servir o meu saber?
Por outro lado, quando os conteúdos culturais são banidos dos programas e substituídos por meras rotinas, a descrença avoluma-se, porque, ao pôr-se em causa o conhecimento, abre-se a porta ao declíneo do ser, à morte do saber...
Ora, ao regressar à escola, em vez da dúvida e da descrença, seria bom que o fizesse com a convicção necessária a tornar qualquer pessoa capaz de proferir "bons" enunciados...
O que me vai obrigar a falar menos e a ouvir mais...

23.8.06

Os diferentes rumos do cinema

Miami Vice, de Michael Mann, EUA, 2006 Sonhar com Xangai, de Wang Xiaoshuai, China, 2006
(Salas Monumental e King. Na primeira, a aposta é na publicidade e na intoxicação sonora. Na segunda, a publicidade é discreta e o registo sonoro moderado.)
Miami Vice parece não ser mais do que a expressão sofisticada de um mundo onde o único valor é o dinheiro. No entanto, Michael Mann deixa no espectador uma certa simpatia pelos traficantes, deslocando o mal dos cartéis de droga regionais para um inimigo global de rosto árabe. No essencial, é esse o objectivo: mostrar que o novo inimigo dos EUA é filho de Bin Laden.
Por sua vez, Sonhar com Xangai retrata-nos a China interior dos anos 80, onde o Partido Comunista determina a vida dos miltantes, tal como o marido determina a vida da mulher ou o pai determina a vida da filha.
Porém, o filme não é tão linear como se poderia pensar: alguns militantes revelam desejos capitalistas ( querem regressar a Xangai, contrariando a política oficial); a relação entre marido e mulher pode ser autoritária ou tolerante ( dois casais, dois modelos comportamentais); o modelo educativo também pode ser fechado ou aberto...
No essencial, Wang Xiaoshuai não se deixa seduzir pelos estereótipos, porque as filhas dos dois casais que protagonizam a "estória" acabam por sucumbir a uma "força" que reduz a nada os padrões educativos.
De qualquer modo, um dos prevericadores acaba por ser executado, pois o Partido determina que esse é o castigo para os violadores.
Estes dois filmes acabam por mostrar que, na China, o cinema procura libertar-se da ideologia dominante e que, pelo contrário, nos EUA, o cinema está cada vez mais comprometido com a política republicana.

20.8.06

O que o Meco pode ocultar...

Enquanto a natureza se expõe, imperturbável, tu viajas, com os amigos, lentamente, de Zagreb a Paris, na expectativa de lá chegares a tempo de celebrares os teus 23 anos. E, nós, na expectativa de que assim seja. Embora a paragem em Grenoble tenha retardado esse propósito, acabaste, felizmente, por chegar a Paris ao fim da tarde deste domingo, para ti, inesquecível e, para nós, de ansiedade... E para trás, vão ficando o Rio da Prata, o Cabo Espichel, Vila Nogueira de Azeitão ..., involuntariamente visitados pelo Kafka que adorava Berlim e detestava Viena e, para quem, ironicamente, bastava um quarto e uma dieta vegetariana...
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As dissonâncias no MECO

Rio da Prata. Vá lá saber-se porquê? Praia célebre, de difícil acesso. Reserva naturista. O Nú masculino predomina, mesmo que a beleza dos efebos esteja arredia. Esses passam, vestidos, curiosos, provavelmente a identificar as presas... Há, por ali, cachos de uvas ritualmente lavados nas águas oceânicas ..., a lembrar cenas da Grécia antiga ou da Roma dissoluta. (Estive 2 horas nesta reserva, a observar de soslaio a natureza humana e a ler os Diários de Kafka e fiquei com pena de não ser Kafka para descrever as dissonâncias que se colavam ao areal e, a espaços, invadiam o mar...)

Cabo Espichel

Longe da terra, perto do mar, à semelhança do Cabo S. Vicente ou do Cabo Raso. Se no passado os conseguimos dobrar, hoje, não sabemos o que fazer com eles. Triste sina! Posted by Picasa