5.8.17

A dupla realidade de Manuel Laranjeira

«Compor a realidade como uma obra de arte - também cansa às vezes. Principalmente a gente começa a aborrecer-se da realidade!» Manuel Laranjeira, Diário Íntimo, 4 de fevereiro de 1909

Conceber um diário - registo de atos e de pensamentos, por vezes, inconfessáveis - como obra de arte é um projeto paradoxal, pois o autor revela-se marcado por uma ideia de posteridade, à partida, gratuita.
Do que o autor vai registando, o leitor nunca sabe se se trata da realidade vivida ou de uma outra realidade, desejada.
De tanto repetir o enjoo da vida, de tanto se desculpar com um eu interior, tenebroso, de tanto desprezar os seus semelhantes, de tanto desconsiderar e amesquinhar as mulheres, mesmo a sua amante da época, Manuel Laranjeira parece querer elevar-se acima da escumalha que o cerca, sem, no entanto, encontrar quem o acompanhe nessa ideia, à exceção, temporária, de Miguel Unamuno...
E com tal comportamento, Manuel Laranjeira acaba por engrossar as fileiras do Decadentismo que, não podendo pôr fim à desditosa Pátria, se aniquila a si próprio, em nome do Desespero, a que a doença não seria alheia, ou de uma visão do mundo incorrigível.

Que a realidade possa cansar, entendo, mas que a Arte a tenha de refletir já me parece absurdo.

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