27.4.16

Porquê eu?

Explicar a técnica narrativa de um autor como Saramago não é fácil, sobretudo explicar o modo como o narrador se posiciona em relação à história e procura coagir o narratário a acompanhá-lo na construção de um ponto de vista demolidor da História oficial e da verosimilhança tradicional. O discurso do narrador, nas suas diversas faces, desconstrói a expectativa do leitor tradicional e dá um abanão nas convicções académicas e populares.
Em abstrato, nada disto é inteligível, o que determina uma estratégia de leitura minuciosa, lenta, capaz de pausas mais ou menos prolongadas para clarificar as múltiplas referências de que o texto se alimenta. Só quem acompanhe este processo didático poderá fazer uma pequena ideia de como a atitude dentro da sala de aula pode conduzir ao sucesso ou ao sucesso interpretativo, e consequentemente à formação do "leitor". Sim, porque o leitor não nasce feito nem deve ser objeto de formatação.
Há muito que acredito que aprender a ler é uma atividade que deve ser cultivada diariamente, embora os meus atuais interlocutores andem muito distantes deste ponto de vista. Não todos, felizmente! Mas há uns tantos que se estão marimbando, e que perturbam permanentemente o processo de aprendizagem...
Por princípio, resisto até um limite que, no meu caso, é o da minha própria dispersão. No entanto, em cada aula, selecciono um "alvo" e pergunto-lhe o "que é que o traz à sala de aula". Em regra, a minha pergunta fica sem resposta ou, melhor, acabo por ser confrontado com uma argumento definitivo: - Porquê eu?
Um bom exemplo de pressuposição, porque, afinal, há tantos outros desatentos, marimbando-se. O implícito fica comigo: Deixe-me em paz, vá chatear outro... Eu sei muito bem ler! Não preciso disto para nada...    

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