2.2.16

Meias de vidro

Ainda não acordara, e já, de forma repetida, tinha a sensação de que o carro fora roubado da garagem. Interdito, nem punha a hipótese de que não o parqueara na garagem. Apenas uma sensação de estranheza: Quem é que se ia dar ao trabalho de arrombar dois portões? 
A obsessão onírica só cessou quando a antena dois irrompeu no quarto com uma daquelas melodias que costumam deliciar quem se arrasta no tempo... 
Não se sabe se Freud teria alguma coisa a dizer sobre o sentido do roubo e do derrube dos portões. Provavelmente, falaria de uma pulsão sexual recalcada, ou, então, de um aviso: - se te roubarem o carro, não te queixes, pois preferes deixá-lo estacionado na rua a guardá-lo na garagem...
(...) 
As meias de vidro enrolaram-se de tal modo nos suportes do estendal da roupa que ele viu-se obrigado a subir ao parapeito da janela para as salvar. A acção foi demorada e não sem riscos: a janela de vidros duplos não abria completamente, o banco de plástico deu de si, desequilibrando o serviçal, a vassoura perdera a magia dos contos de antanho...
(...)
Pelo meio, uma atrapalhada e tímida aluna, proveniente do Brasil, que colocava a hipótese de trocar a Literatura Portuguesa pela Filosofia, na esperança de que esta última fosse mais acessível. Talvez, tenha confundido a parte com o todo, isto é, que a Literatura Portuguesa continue a ser escrita no português medievo, anterior a Pedro Álvares Cabral...
(...)
Finalmente, os meteorologistas do ar condicionado insistem em anunciar a chegada da Primavera, porque não necessitaram de salvar umas meias de vidro enfunadas pela nortada que ensandece os estendais...

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