14.7.15

Alquimia verbal

Pensei deixar em branco o dia, mas temo que se o fizer isso seja entendido como uma prova de cobardia. Afinal, há sempre alguma coisa que acontece. Lembro-me agora que na adolescência me era exigido um exame de consciência interior, antes de adormecer. Era um exame infantil, em que aprendia a separar o bem do mal...
Mesmo nesse tempo, aquele ritual surgia-me, com alguma frequência, como artificioso, imposto por uma doutrina castradora. E é neste ponto que surge a correspondência baudelairiana com a "alchimie verbal" de Rimbaud, leitura de início de tarde...
No exame de consciência, o examinador era também um pouco batoteiro: atos havia que não enunciava, embora não se livrasse do pecado da omissão aos olhos do Senhor. Ele via tudo, por fora e por dentro. Chegava mesmo a suspeitar que, aos olhos do Senhor, não haveria nenhuma fronteira que separasse o interior do exterior, que estes conceitos o ofenderiam...
Filho de mim próprio, continuo a fazer batota. Hoje, por exemplo, prefiro registar que no Liceu Camões, em cada um dos pátios há 10 plátanos, simetricamente dispostos... Das raízes não há notícia, mas pode supor-se que estas perfuram os arroios invisíveis que correm para o Tejo... e que, no próximo ano, das suas copas poderemos fazer as pontes da decadência em que subsistimos.  

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