2.2.15

Eu místico à força...

Tu, místico, vês uma significação em todas as coisas
Para ti tudo tem um sentido velado.
Há uma coisa oculta em cada coisa que vês.
O que vês, vê-lo sempre para veres outra coisa.
Para mim, graças a ter olhos só para ver,
Eu vejo ausência de significação em todas as coisas;
Vejo-o e amo-me, porque ser uma coisa é não significar nada.
Ser uma coisa é não ser suscetível de interpretação.
Alberto Caeiro

Que bom se eu conseguisse ser apenas uma coisa!
Eu que fui educado como místico, apesar de contrariado, passos os dias a interpretar textos, comportamentos, pessoas... e quase que não dou atenção às coisas...
Melhor seria se ocupasse os dias só a ver, até porque, ao ouvir, não resisto a discernir o Bem do Mal, como se eu pudesse contribuir para melhorar o imundo mundo em que habito...

Doravante, prometo (promessa mística!) que vou apenas descrever... e já é bastante!
(...)
Hoje, estava o papagaio verde e amarelo no seu poleiro e o pardal comia-lhe a ração. Para mim, a ração era do papagaio, mas para o pardal, o cereal era seu...
Para mim, o pardal afrontava o papagaio, mas o papagaio só parecia interessado nas duas garinas que se insultavam diante dele. E como é que eu sei que o papagaio estava interessado?
Vou ter que voltar ao início da descrição: hoje, no meu caminho vi uma pedra e fui obrigado a desviar-me... O que é que aquela pedra fazia no meu caminho? Quem é que a lá pôs?...
Em princípio, a pedra é uma coisa que existe para que eu a veja e para que eu possa desviar-me dela. Mas será só isso? 


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