20.8.14

Abílio Jorge Cosme (iii)

XII

Minhas garras sôfregas e possessivas
Libertam meu desespero e inquietude;
Um pássaro veio morrer nas mãos passivas
De um novo homem, mais pleno da sua atitude.

O Inverno alojou-se pleno de frio intenso
Gelando um mar de ilusões sem esperança;
Em tudo se manifesta o que eu penso
Mas nada herdo do que o sentimento alcança.

Visto de vazio o eco das minhas pretensões,
Nada do que ambicionei se manifestou real;
Na verdade ilustrei fugazes emoções
Na incerteza de promover meu ideal.

Uma ideia transtorna meu dúbio caminho:
Até que ponto se revela minha fantasia?
É que mesmo hoje ainda faço sozinho
O que de errado, outrora, eu tanto fazia.

Não posso corrigir defeitos dos quais não estou certo,
Nem posso continuar a mentir-me com falsas qualidades;
Mas ingenuamente sincero entrego-me mais aberto,
Só que tão de perto que sou eu só nessas verdades.

Assim eu me vejo pássaro morto em tortura
Naquilo que tentei agradar para ser sem rejeição:
Foi o desespero que resgatou na íntima procura
A cobardia derrotista dos meus gestos de afeição.

XIII

A verdade é um pilar inconstante
Da cegueira da nossa firmeza;
Quem dela está perto é mais adiante
Sendo o último a ter a certeza.

XIV

Na minha  vida, um dilúvio de dúvidas
Inundou a parca esperança de saber responder
Às necessidades emocionais mais escondidas
Pela desvalorização da intimidade a se dissolver.

Mas um dia acordei já muito diferente,
Minha vontade foi começar tudo de novo:
A casa, a obra, novo espírito, nova mente;
Hoje a vida é bem mais aquela que aprovo.

É nas pausas que repouso pensativamente:
"Como seria se tivesse decidido outro rumo?"
Mas a alegria de estar como estou é proeminente.

Agora peço por amor, coragem e estabilidade,
Pois minha vida renova o que assumo:
Nada me retém! Nem a ânsia da saudade!

XV

A opinião ilude quem a defende
E a usa como razão que protege.
Minh'alma egotista só compreende
A dignidade do caminho que ela elege.

Assim, não recebo a harmonia do engodo
Das tuas versões sóbrias e inteligentes.
Com desconfiança, analiso esse todo,
Mas o que sinto é meu, pois somos diferentes.

Se de repente teu olhar desaprovasse
Um mero raciocínio de carisma ilógico,
Creio que pudesse aceitar a ironia e a calasse
Pois, face a face, meu delírio é trágico.

Meu coração trava uma luta simbólica,
E não é por vencer que se torna feliz.
Sua natureza é de resistência melancólica,
Pois nem eu compreendo o que ele quis.

Meu mundo interior manifesta-se incompleto,
Incoerente com o ímpeto da minha conduta:
Ambiciono revolucionar meu discurso directo,
Ser mais concreto com o que a alma escuta.

Não há noite sem dia que a complemente;
E o que hoje é um entrave à minha evolução
Não é senão o que germinará da semente
Do que sinto urgente, inconsciente e sem solução.

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