6.1.14

A alma constrange-me...

Sempre que numa sala de aula me refiro à "alma", sinto-me constrangido. O rosto fechado dos meus interlocutores interroga-me sobre aquele conceito, como se ele nada lhes dissesse. De imediato, lastimo os poetas que, durante séculos, investiram na alma, chegando ao ponto da dissociar do corpo.

Nos últimos duzentos anos, o corpo ganhou tal relevo que a "alma" se ideologizou. As nações ganharam vida e a "alma" justificava as batalhas, os triunfos e a morte ao serviço da entidade coletiva. A alma lusa alimentava-se da necessidade de um povo triste e miserável recuperar a esfumada grandeza passada.
Os políticos habituaram-se a evocar essa alma coletiva para justificar as suas ambições pessoais, para legitimar visões do mundo desfasadas da realidade, e até fingiram que homens de raiz africana, como Eusébio, homens que no íntimo e no círculo dos amigos desprezavam, eram a expressão genuína da multirracialidade que suportava o império...
Passos Coelho não resistiu à tentação de apresentar Eusébio como "a alma portuguesa". O político, que não serve e ignora o povo, mostrou-se como genuíno herdeiro da austeridade e da cegueira do estado novo. Por seu turno, a presidente da Assembleia da República, ao questionar o custo da eventual trasladação dos restos mortais de Eusébio para o Panteão, mostrou não ser uma digna  representante do povo português.
Estes políticos de rosto fechado nunca compreenderam que há homens que são a luz da humanidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário