1.11.12

Dia XXVII

O Dia chega atrasado. A escrita procura recuperar um tempo irremediavelmente perdido, tal como o comprova aquele aluno que tem dúvidas sobre a matéria do teste, pois, desesperadamente, foge da leitura de Um Auto de Gil Vicente e de Amor de Perdição, como o diabo da Cruz, o que me dá o mote para, aqui, relembrar a composição da personagem João da Cruz.
Apesar do manual (Projectos de leitura I, páginas 221-222) convidar a um exercício de caraterização do herói romântico, ontem armei-me de um Dicionário de Língua Portuguesa, e todo o trabalho se centrou na leitura do excerto do capítulo VI. Após leitura acompanhada da simples tarefa de identificar as palavras que oferecessem resistência à compreensão (três!), o retorno à leitura dirigiu a atenção para o significado literal e figurado das palavras, para o recurso a processos de equivalência semântica (sinonímia), para a origem do léxico de João da Cruz, para os registos de língua do narrador, de João da Cruz e de Simão Botelho, como expressões da multiplicidade de recursos presentes na escrita camiliana.
Vale a pena atentar na quantidade de nomes comuns e de verbos transitivos ativos no diálogo (e consequente significado literal e figurado):  Este desalmado deixou fugir o melro (...) mas o meu lá está a pernear (...) Sempre lhe quero ver as trombas ( ...) o ferrador desceu três socalcos da vinha (...) Alma de cântaro (...) ou no discurso do narrador: João da Cruz, como galgo de fino olfacto, fitou a orelha e resmungou. A comparação como processo de caraterização, em que a bestialiazação, agora positiva, é posta em evidência.
A bestialização com recurso a nomes comuns: melro, trombas, galgo, porco do monte, javali, furão. Fácil é perceber a simpatia do autor por esse universo campestre e efetivo conhecimento do léxico adequado, chegando ao ponto de, para construir o espaço que se torna de caça (ao homem), usar uma rica sinonímia que acaba por confundir o leitor urbano: matagal, mato, rostilhada, moita, bouça...
 
De pouco servirá este registo, mas este foi o caminho seguido na aula de ontem! Pobre herói romântico! A atenção de Camilo estava toda centrada na força e na inteligência do caçador e não na irrefletida mansidão de Simâo... ( Ao fim da tarde, recebi um e-mail de quem esteve na sala de aula a perguntar qual era a matéria...)
 

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