30.6.12

Cisterna escura

(José Rodrigues Miguéis, O Amanhecer da Incerteza, Diário Popular, 8/11/ 1979)

De regresso ao Alto de Santa Catarina, Baltasar sente vontade de fugir, pois «a vida era este cárcere estreito e circular, uma cisterna escura onde nos debatemos, correndo em volta a tactear as paredes da nossa pobre experiência, prisioneiros teimosos e repetidos…»,  e relembra os amigos d’A Sementeira: «que sabia deles? quem eram, que sentiam, que pensavam na realidade como indivíduos atrás dos pórticos das Ideias e das Boas Intenções?»

A leitura abre-se para o Real: o que é A Sementeira? Já conhecia a Seara Nova? Mas, até este momento, nunca pensara que não há seara sem sementeira! Talvez tivesse pensado… Sabia que o republicano José Rodrigues Miguéis fora acusado de ser muita coisa: bolchevista, anarquista, burguês, reacionário… ao sabor dos ventos que iam soprando… mas, de repente, a minha ideia de que a ficção de Miguéis se alicerça no conhecimento do real  solidifica.

Em 1979, Miguéis para melhor conhecer o rumo do 25 de Abril mergulha nas páginas da revista anarquista A Sementeira (Setembro 1908 a Agosto de 1919) – a obra-prima de Hilário Marques, nas palavras de João Freire, Análise Social, vol. XVII (67-68), 1981-3.°-4.º, 767-826.

Aqui chegado, também eu me debato nessa cisterna escura em que somos formatados, apesar de, perceber que, ainda, há alguns pontos de fuga possíveis.  

1 comentário:

  1. Citação:
    Entre 1900 e 1910 são criados 166 novos grupos anarquistas e apenas extintos 12. São grupos pequenos, de composição restrita, fundados em relações de proximidade muito fortes, cuja capacidade de consolidação depende fundamentalmente desse carácter, que os torna fechados, assentes numa organização simples, funcionando em assembleia, reunindo em regra semanalmente na casa de um dos seus membros ou em salas cedidas pelas associações de classe.

    São fundamentalmente grupos de propaganda, culturais em menor número e menos ainda os ligados a temas ou objectivos específicos. Só em poucos casos evoluem para formas de organização mais complexa, promovendo por exemplo a edição de um jornal ou uma revista.

    É o caso dos grupos Conquista do Pão e Juventude Consciente que se fundem em 1906, constituindo o grupo Acção Directa para, dois anos depois, darem origem ao Grupo Editor da revista anarquista A Sementeira, uma revista notável, dirigida pelo operário arsenalista Hilário Marques, com 36 números publicados na sua primeira série, entre Setembro de 1908 e Agosto de 1911, onde colabora a elite da intelectualidade anarquista da época – Campos Lima, Emílio Costa, Neno Vasco, José Carlos de Sousa, Severino de Carvalho, Adolfo Lima, Sobral de Campos e que publica dezenas de textos de Malatesta, Réclus ou Kropotkine.

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