26.8.07

As estantes brancas e vazias

Ocupavam quase todas as divisões do duplex da Ferreira Lapa.

Uma mesa branca recusava abandonar o centro de um gabinete de leitura. Não se sabe como entrou, se foi construída ali. Era impossível fazê-la passar pela porta. Mesmo desmontá-la revelou-se uma tarefa insuportável.

Nas estantes jaziam ainda alguns pacotes de livros enviados pelas editoras, sobretudo, francesas.

Aquele espaço, um pouco kafkiano, exigia ao ocupante algumas capacidades circenses.

EPC, vítima de doença extremamente debilitante, mudara-se. Mas "o personagem" ficara. Sei que ainda voltou para recuperar o correio. Subiu lenta e teimosamente até ao 3º andar. E quando lhe abriram a porta, só pediu uma cadeira para descansar daquela ousadia. E lá esteve a explicar, entusiasmado, a sua vida, os seus livros, como se aquela fosse a última vez…

E era. As estantes, essas, vão ficar brancas e vazias…

 

 

1 comentário:

  1. De volta, quase, de andar às voltas. Também é para isto que servem as férias, havendo-as.
    Recuperei algumas forças, muitas vontades, como sempre, e praticamente um mês de blogs, Agosto inteiro. Gostei do que li e de quanto depreendi.
    Agora, que tudo parecia retomar uma certa ordem, vem a fatídica notícia da morte de EPC (com o Lacerda por companhia, numa composição breve).
    Comecei por lê-lo, em 83, com os ensaios A Letra Litoral. Viria a encontrá-lo mais tarde, em França, quando aceitou o lugar de Conselheiro Cultural em Paris, e a convidá-lo para uma fugaz intervenção numa mesa-redonda em Estrasburgo.
    Acabou por ser «amigo» regular no Público (no Mil Folhas como no P2). Uma leitura agradável e marcante.
    Agora, ponto final. Como um fim de férias...
    E o abandono de um reencontro conversado, com expectativa, na nossa Secundária de Camões...

    ResponderEliminar