25.5.07

Prosápia ou jactância?

Hoje, sinto-me incapaz de classificar a relação semântica entre prosápia e jactância. No entanto, o país está a ser invadido pelo amor-próprio: via sms, uma editora diz-nos «esperamos que goste dos novos projectos da Texto Editores que enviamos especialmente para si. Com a nossa estima...»; cartazes, na 1ª pessoa, ferem-nos a retina em todas as esquinas da capital; políticos e comentadores deixaram de ter dúvidas sobre o que quer que seja, desde a OTA ao POCEIRÃO; há mesmo quem assegure que, no próximo ano, o Benfica vai ser campeão; a força ilocutória da 1ª pessoa de certos verbos tem vindo a crescer: eu garanto, eu suspendo, eu homologo, eu demito, eu delato, eu nego, eu afirmo, eu juro, eu advirto, eu asseguro... uma perigosa litania verbal que também poderá ser expressa de outro modo:
Eu represento a divindade, por isso o que eu digo é indiscutível...
Eu sou a própria divindade e, portanto, eu só posso dizer a verdade...
Eu sei de fonte segura...
Eu nem preciso de fonte!
Eu sou a própria fonte! E por isso eu decido
quando devo falar
quando devo ficar calado
Eu giro na palavra e no silêncio a meu belo prazer
Só eu sei quando digo
sei
não sei
e por princípio nego que alguma vez tenha sabido
Quanto ao outro, só eu sei!

1 comentário:

  1. De Narciso reza o mito

    Também eu fui um feliz contemplado com uma mensagem telefónica. Também a mim ma dirigiram, especialmente a mim,uma mensagem especialmente para mim. Por instantes fui um feliz destinatário. Ainda há quem deseje a felicidade a outrem, em troco de nada, como será o caso. Um gesto bonito, como um projecto, e como tal se manterá. Com estima, igualmente, que se não deve desejar mal a ninguém, muito menos a um destinador que se não conhece. Agradecemos e retribuimos. Calados. Para o ano, havendo novidades, voltaremos a agredecer novas estimas e novos projectos.
    Fica-nos bem um gesto de gratidão, faz-nos bem ao ego. Faz-nos muito bem à primeira pessoa, qualquer que seja o acto, ilocutório ou outro, mesmo quando sabemos não existir qualquer acto perlocutório. É do ego que se trata. De narciso. De um qualquer narciso à solta, pululando. De muitos.
    EU.
    Amanhã, sendo caso disso, dar-me-ei posse. Para que conste.

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