1.12.06

A linearidade do orçamento...

O orçamento é (ou deve ser) linear.
Inicialmente, o orçamento não era mais do que um instrumento de execução de um projecto... No entanto, à medida que fomos ficando sem projecto, o orçamento tornou-se no grande acontecimento legitimador da governação e da oposição.
Governo e oposição sonham com o orçamento para poderem definir as respectivas estratégias de consolidação ou de luta pelo poder, pelo poder de gerir o orçamento de estado, como se o país se reduzisse à captura de receitas e à sua redistribuição pelas clientelas...
Se quisessemos construir um projecto nacional, ibérico, europeu, lusófono deveríamos tornar obrigatória, em todas as escolas, a leitura do(s) orçamento(s). Hoje, para o cidadão comum é tão importante interpretar o orçamento como falar inglês.
As aulas de substituição deveriam ter como único tema: o orçamento - pessoal, familiar, plurifamiliar, autárquico, regional, nacional, ibérico... global.
Afinal, o que é que pode haver de mais importante do que o orçamento? Só em Portugal, gastamos dois meses a debatê-lo, anaforicamente (contributo da TLEBS)...
Por causa do orçamento, em 1955, Max Ophuls (1902-1957) sofreu um enorme rombo: o filme Lola Montès naufragou nos baixios da crítica cinematográfica e de costumes. Nem a beleza de Martine Carol (1920-1967) seduziu os espectadores. A encenação luxuriante da ideia de que na vida tudo é movimento, mas que o carrossel pára quando menos se espera só mais tarde foi entendida por um mundo ávido de protagonismo, que, no entanto apenas valoriza o movimento.
Ora, em 1955, Max Ophuls cometera um pequeno crime: rompera com as narrativas lineares. E o orçamento ressentiu-se...
Hoje, nas nossas escolas, a linearidade poderá dar um corpo a um projecto de idiotia colectiva se apostarmos com mais convicção na leitura do orçamento..., (com a ajuda da TLEBS chegaremos lá...)
Sabe-se, embora ninguém o diga, que a TLEBS foi inventada, não pelo Max Ophuls, mas por um grupo de linguístas que descobriu como viver durante o resto da vida à mesa do orçamento.
PS: o orçamento perdeu a maiúscula que originalmente o anunciava.

1 comentário:

  1. De Max Ophuls, confesso que nada sei. A minha cinefilia, agora bastante descurada por mor da falta de tempo (ou de paciência quando aquele sobeja), não me permite tecer comentários à narrativa de Lola Montès, mas sempre dá para acreditar, sem grandes esforços, que o orçamento (mesmo minusculado) permitiria um bom argumento!
    Já há poucos dias, em publicação semanal, o Francisco José Viegas, passe o intimismo do determinante artigo definido masculino singular (estes - determinante e antropónimo, com pouca incidência da/na TLEBS), aconselhava entusiasticamente a leitura do orçamento em contexto escolar. Para além de óptimo exercício de retórica e de interessante reflexão sobre aspectos de cidadania, poderia igualmente satisfazer a análise prática de delírios insertos na TLEBS, porque esta, a TLEBS (anafórica, co-referencialmente e metalinguisticamente falando), assim o recomenda ou obriga. Concordo. Leiamos todos o orçamento, comentêmo-lo e analisêmo-lo. Aprendamos o rigor dos números, da língua, do texto e do co-texto. E porque não teremos modo de aliciar os alunos para estas úteis tarefas, obriguêmo-los pelo menos a assistir a, pelo menos, uma sessão plenária da câmara dos eleitos por ocasião da discussão do dito orçamento.
    Depois se verá a lógica da narrativa, melhor, do filme! À falta de melhor, e recorrendo à didáctica pela não-didáctica, teremos ao menos público para bater palmas (ou, com muita probabilidade, para bater com os pés)!...

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