7.2.18

Novas vítimas

Por este andar vai ser necessário criar um novo termo para os
que são bombardeados 
que são torturados
que são escravizados
que são expulsos do lugar onde nasceram
que nunca foram à escola,
que vivem no desemprego
que morrem à fome
que simplesmente são escorraçados...
e vivem no silêncio até que...

Todos os dias surgem novas vítimas
cruzados de uma nova guerra em que basta a magia da palavra

e logo desaparecem
os refugiados
os torturados
os escravizados
os alienados
os famintos

os silenciados

6.2.18

Uma prova de insanidade mental

Quando soou a campainha
Que pôs termo ao recreio,
Só um dos cem meninos
Que brincavam no pátio,
Intuiu - através 
De súbito lampejo -
Que a nossa vida é um equívoco
Insanável.
Poema 20, Carlos Queiroz

Ao ler sempre as mesmas respostas a perguntas impossíveis, ao tentar ver um ponto final no lugar da vírgula e até mesmo do ponto e vírgula, ao imaginar, à entrada, um parágrafo e a cair do parapeito sem qualquer aviso, relembro o atraso por falta de campainha e, sobretudo, interrogo-me por que motivo o José-Augusto França se me tornou tema e logo com a revista "Bandarra" (1934-36) de António Ferro, o da Filosofia do Espírito, roubada ao Valéry... ou seria ao Quinto Império do profeta Pessoa?
(Não interessa! Afinal, os blogues já são matéria defunta. Tornou-se impossível apresentá-los como exemplo do registo diarístico. Ao que me disseram, o twitter ocupa esse lugar.) 
De qualquer modo, anoto que, sob a resma de testes, tenho há dias, sem o vislumbrar (cuidado com a catáfora!) um artigo E. M. de Melo e Castro, intitulado, "Carlos Queiroz - releitura e homenagem, publicado no nº 26 do Letras & Letras, de fevereiro de 1990... Fevereiro de 1990, anote-se...
Relembro que, por tradicional bisbilhotice, me vira recentemente obrigado a falar dos desamores de Ofélia Queiroz, sem fazer qualquer alusão a Carlos Queiroz, o poeta existencialista, « tão distante da superficialidade da poesia da Presença" (...) tão distante da poesia Neo-Realista»,
        o que, de todo, me aborrece... deixar de fora Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, José Rodrigues Miguéis, Ferreira de Castro,  é, para mim, uma prova de insanidade mental, já sem falar no Mário Sá-Carneiro, no Almada...
Aceito, entretanto, que seja eu o insano...

5.2.18

Na hora em que seguiu

Nunca aqui mencionei o seu nome... e também não será hoje... No entanto, várias foram as vezes  que aqui escrevi sobre as dificuldades por que passava, em termos de exercício da profissão...
A alusão, na hora em que seguiu, como diria Bernardo Soares, mais não é do que o reconhecimento de que, quando a idade avança e a saúde falha, se pode ser incompreendido...
Não raras as vezes me vi obrigado a explicar a certos jovens voluntaristas que os comportamentos humanos não são gratuitos - para eles há sempre uma explicação - e que a sua primeira missão é procurar-lhes a causa em vez da varredela fácil...
Para além da sacrossanta matéria existe o Outro... e que se não soubermos acompanhá-lo nas suas dificuldades, nos seus excessos, então nunca perceberemos quem somos...

4.2.18

O que me preocupa

Dentro de dois meses, a cidade do Cabo (4 milhões de habitantes) pode ficar sem água devido à seca ... De acordo com os responsáveis, vai ser necessário colocar o exército na rua para combater os motins...
Aqui, em Lisboa, o IPO vê dificultada a contratação de pessoal de enfermagem e médico, mas gasta meio milhão de euros num medicamento para um só doente durante um ano. O mesmo ministério, que impede a contratação, manda pagar às farmacêuticas... aliás paga 50 milhões por 90 novos medicamentos, que, no dizer do diretor do IPO, asseguram «dois meses de aumento de esperança de vida.» (Entrevista de Francisco Ramos ao DN /TSF)
Em simultâneo, o Tejo definha, a vida ribeirinha morre... as crianças já não procuram saber o significado das palavras, e o ranking vai alimentando vaidades, mesmo que a vergonha nos salte aos olhos.

3.2.18

Fico a olhá-la...

Uma flor desabrocha no canteiro. E isso basta!

A luz baça não a ameaça. E eu também não... fico a olhá-la, sem qualquer intenção...
De súbito, uma velhinha, outrora ilustre, avança alquebrada, dois pesados sacos de compras dependurados dos frágeis braços. Parece que vai soçobrar, mas não: avança, sem conseguir levantar a cabeça, mas segura de que vai chegar a casa... e, talvez, ainda a pensar nas próximas eleições autárquicas.
Quem sabe? O sonho de ser Presidente da Câmara acompanha-a de há muito... E eu fico a olhá-la, sem qualquer ação.
PS. Pelo que acabo de apurar, a velha senhora já tem 82 anos. Maria Geni Veloso das Neves.

2.2.18

Ainda a chama

"Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida  ainda não é finda.
O frio morto em cinzas ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda."
 Fernando Pessoa, O Desejado (excerto)

ainda a chama, mesmo que o frio a sufoque...
e o vento que tudo espalha, num gesto de fervor...
nos acorde do torpor... das notícias

sempre as mesmas
cinzas nossas
de todas as eras
onde até o desejo fenece...

1.2.18

Encrencado

Interrompo a tarefa como medida profilática - preventiva. Hesito entre a variante europeia e a brasileira. Sim, porque o OA de 1990 permite-me escrever "profilático" com e sem /c/...; só que a opção exige que assuma uma variante e que me liberte da norma-padrão, sebastianista...
A tarefa é de rotina, mas exasperante, porque os jovens insistem em não responder às perguntas, um pouco como os croissants da Padaria Portuguesa que se estão borrifando para as expectativas dos clientes...
Só que a notícia sobre a dívida pública de 2017 - 242,6 mil milhões - gera ainda maior desânimo, pois abre a janela para uma outra: Em 2019, não haverá aumentos para a Função Pública...
O que, afinal, se compreende, pois, por mais que se insista, as famigeradas "reformas estruturais" continuam por fazer... a começar por, cedo, aprendermos a não responder às perguntas...