31.5.17

Sou contra a delação premiada

delação - revelação de crime, delito ou falta alheia, com o fim de tirar proveito dessa revelação.
Sou contra a delação e ainda mais contra a possibilidade da investigação e, sobretudo, do juiz premiarem tal comportamento.
Sempre vi com maus olhos os bufos e os queixinhas e não é agora que vou mudar de opinião, até porque estamos a falar de criminosos, provavelmente de baixo coturno.
(...)
Com tal procedimento, a tabela de valores é desvirtuada a um ponto que não faz mais sentido combater a mentira. 
Sinto que Sócrates, o filósofo, tinha, em parte razão, quando defendia que o homem praticava o mal, pois não sabia o que era o bem. Em parte, pois a causa tem origem naqueles que deveriam investigar e fazer justiça, sem recurso a sabujice.

30.5.17

Se há obediência

Os bastidores agitam-se na procura de soluções para manter o statu quo.
Procura-se uma continuidade indolor, esquecendo os golpes desferidos de forma sorrateira... A intriga rasteira já lá vai!
De qualquer modo, há silêncios que não enganam; há distâncias que, de tão ruidosas, só podem significar assombração...
Ora, se há obediência que não tenho é a de Lázaro que se libertou da mortalha às ordens do Redentor.

29.5.17

O exorcismo

The story of shattered life can be told only in bits and pieces. RILKE

«Ser moral» significa que utilizamos a nossa liberdade para escolher entre aceitar o outro ou negá-lo. 
Negá-lo é, assim, um pecado natural para o qual inventámos um exorcismo: o arrependimento e a redenção. 
Quanto ao pecado nada o pode alterar no que se reporta ao outro. O Outro, vítima silenciada, exterminada... 
E pelo estado do mundo, o exorcismo de nada serve.

28.5.17

Por conveniência ou não

Escrevi, há dias, a propósito de Noite (1955), de Elie Wiesel, que " (nos campos de concentração), Deus deixa de existir"; concluída a leitura, a afirmação parece-me despropositada, pois o que não existe não pode, por conveniência ou não, deixar de existir...
Lá quem ordenava, torturava, fuzilava, cremava, era o homem... É sempre o homem! Mais esperto ou mais boçal, é sempre o homem que é verdugo do outro homem.
De todas as obras que li, até hoje, esta é provavelmente a mais triste e a mais reveladora da condição humana: 
             «Um dia, consegui levantar-me, depois de ter reunido todas as minhas esforças. Queria ver-me ao espelho, que estava suspenso na parede da frente. Desde o gueto que não me via a mim mesmo.
               Do fundo do espelho, um cadáver contemplava-me.
               O seu olhar nos meus olhos nunca me abandona
                                   Elie Wiesel, op.cit)

PS. A leitura desta obra não é recomendada no âmbito do Projeto de leitura do Ensino Secundário! Nem em qualquer outro programa...

27.5.17

Os rostos da Noite

Angola 27 maio de 1977

Notícias de Angola

Os algozes da noite servem-se da ideologia (de qualquer) para dar expressão a um apetite devorador e caminham ao nosso lado como anjos do Senhor.
E o principal instrumento é a permanente deturpação da verdade.

26.5.17

Noite

Pensava eu que tinha sido atirado para a noite e, ao procurar um esconderijo, choquei com Noite, de Elie Wiesel.
Ao entrar na obra, por mais assombrado que me sinta presentemente, dou conta que a minha dor é minúscula se comparada com a Dor vivida, testemunhada e narrada pore Elie Wiesel. Lá é um povo inteiro que é empurrado para o trabalho forçado e para a morte, segundo critérios aberrantes, de que ressalta o da produtividade.
Lá, mais do que a privação, o que é verdadeiramente horrível é a anulação do espaço privado. Lá, de facto, Deus deixa de existir. A própria esperança não passa de uma miragem, de uma alucinação...
O que é extraordinário é que hoje desvalorizamos cada vez mais o espaço privado, matamos a cada instante o sagrado. Não nos importamos de ser robotizados...
Sabemos que vivemos sob ameaça, mas não a valorizamos, mantendo rotinas e, sobretudo, sendo cúmplices dos tiranos que elegemos para nos representar...
Rimo-mos como se tivéssemos razão para tal. Afinal, anda à solta um Presidente americano, a quem só o comércio interessa, o das armas, em primeiro lugar, e que, simultaneamente, chama "maus" aos alemães pelas razões erradas.

25.5.17

Já Camões se queixava...

«Este interpreta mais que sutilmente / os textos; este faz e desfaz leis» Camões, Os Lusíadas, canto VIII, est. 99

A subtileza interpretativa parece ter assentado arraiais nos grandes escritórios de advogados, sempre atentos ao surgimento de algum exegeta mais fino...
Como tal, os juristas parlamentares têm um pé na AR e outro no Escritório. Não todos, apenas os que aprenderam a tresler...
Esta tradição corre sérios riscos pois,  nos últimos anos,  a arte da exegese entrou em crise. Veja-se, por exemplo: a produção inteletual da academia, a vacuidade das homilias e a oratória dos calistos que descem ao Parlamento...
E tudo começa na Escola, onde o jovem se recusa a ordenar os constituintes da frase, a investigar o significado literal e figurado das palavras, a identificar ideias e a hierarquizá-las...
O que ele espera é que alguém lhe dite a resposta para que ele a transcreva, de forma atabalhoada, sem qualquer esforço de compreensão...