7.9.15

É difícil explicar

É difícil explicar o que não nos oferece explicação. Perante a pergunta inevitável, vou repetindo um motivo artificioso: "divergências". 
O termo parece mágico, pois ninguém se interroga sobre a causa, o quê ou sobre quem é que diverge de quem...
(Nos próximos dias, a situação vai repetir-se.)
Entretanto, parece que a minha espera deixou de ser solitária. Das palavras dos meus interlocutores irrompe uma certa solidariedade ou, pelo menos, comiseração.
(...)
Sob os plátanos, a brisa esmorece. Só uma mosca procura células em decomposição. Incomoda: ainda há quem, como quem não quer a coisa, saiba jogar com a lei, sem a contornar.

6.9.15

Preferia ficar calado

Preferia ficar calado, porém, perante certos comportamentos, entendo que o melhor é não os ignorar. Vem isto a propósito da dificuldade em destrinçar a mentira da verdade. 

Todos os dias, nos confrontamos com uma informação de tal modo tendenciosa que, no meu caso, me leva a não ler revistas nem jornais e, sobretudo, a fugir das televisões. Nos media, há quem ganhe a vida a empastelar... há quem construa uma carreira profissional a explorar mexericos, há quem, à custa da fama obtida nos estúdios de televisão, cobre honorários proibitivos...

Querendo, apesar de tudo, acreditar que o ser humano é naturalmente bom (J.J. Rousseau),  a espaços procuro na Internet informação menos poluída. Ora, hoje, dei conta de que uns tantos jovens resolveram celebrar publicamente a sua "entrada" no curso de medicina.

Na verdade, o que estes jovens fizeram foi enganar "os amigos". Dirão que se trata de uma brincadeira (mais uma!)... De facto, a brincar não se aprende a dizer a verdade. Só a mentir!

Como sabemos, a mentira é provavelmente o maior cancro que mina as relações humanas. Mas também é um excelente trampolim para a conquista do poder. Infelizmente!


5.9.15

Batalha sem tréguas

«L'effroi, la dissonance, ils sont partout ici. Qu'un rossignol chante, et il a la voix du désespoir.» Jacques Borel, in Fêtes galantes Romances sans paroles précédé de Poèmes saturniens, de Paul Verlaine. 

O dia de hoje podia ser de festa, mas não! Cedo, as palavras revelaram ser de «déperdition» do ser. Um conceito que, até ao momento, descurara, embora pressentisse a vida como «dissonância». Um pouco como se, a cada instante, se tivesse instalado uma batalha desgastante entre Eros e Tanatos...

Percebo, agora, que o Ser (certos seres, pelo menos) se obstina em não aceitar a "perda" que o devir acarreta, pois o amanhã deixou de surgir como uma nova aurora...

Tudo é baço! Tudo é lívido!

4.9.15

Contenção

Há temas de que evito falar, embora me apetecesse abrir o livro. Contenho-me ao pensar nas causas de certos comportamentos, numa tentativa de adiar os efeitos...
O problema é que não destrinço os motivos. Por vezes, penso que o envelhecimento traz consigo atos absurdos... 
E fico a ruminar. De tal modo que começo a visualizar os gravetos já diluídos que vão caindo, espumosos, sobre o estrume que, em tempos idos, servia de adubo nos campos esquecidos.

Em dias como o de hoje, as palavras jorram do passado sem que eu as tenho solicitado. Estéreis, não cumprem  a missão inicial - nem ideia nem som; apenas sequência sem sentido.

(Ou talvez ainda não tenha chegado a hora, se ela existe! Creio, no entanto, que essa hora nunca chegará. Ou porque o bom senso acabe por vencer ou porque a contenção irá comigo... Nunca conheci o efeito terapêutico das artes marciais, mas é como se sempre as tivesse praticado.)

3.9.15

Desafio


  1. «C'est pour construire un instant complexe, pour nouer sur cet instant des simultanéités nombreuses que le poète détruit la continuité simple du temps enchaîné.»
  2. «Le temps ne coule plus. Il jaillit.»
  3. «Le poète anime une dialectique plus subtile. Il révèle à la fois, dans le même instant, la solidarité de la forme et de la personne.»
                      Gaston Bachelard, Instant poétique et instant méthaphysique, in Le Droit de Rêver, PUF, 1973.


Tudo o que registo dá conta de que tempus edax rerum (Ovídio). As palavras correm num ribeiro que que há muito deixou de ser afluente... a seca, no entanto, não estanca o fluxo do tempo. Um tempo contínuo que nunca chega a implodir a terra gretada, libertando as palavras da prisão que as asfixia...
O meu insucesso poético encontra assim uma justificação, humana. 

O que eu gostaria de saber é o que pensam, da tese de Gaston Bachelard, os poetas, vivos e, certamente, divinos: António Souto, Hugo Milhanas Machado, Mia Couto, Porfírio Silva e Silva Carvalho...
Espero que não me levem a mal! 

2.9.15

A máscara

«Dès que nous voulons distinguer ce qui se dissimule sous un visage, dès que nous voulons lire dans un visage, nous prenons tacitement ce visage pour un masque.» Gaston Bachelard, in préface de Phénoménologie du Masque, de Roland Kuhn.

A leitura de um rosto pressupõe tempo - o tempo de admitir que o que observamos é uma máscara, e que, caso persistamos na observação, para além da primeira máscara, se sucedem outras máscaras...

Ao contrário do que acontece com os encenadores (teatro, cinema) com os psicólogos, os psiquiatras, os psicanalistas, os padres, os fotógrafos e os escritores que se atribuem o tempo necessário à exploração da necessidade humana de disfarce e de dissimulação, eu perco-me na floresta dos rostos, deixando-me a braços com a autenticidade fugaz...

Este comportamento revela uma timidez, um medo inicial, que acaba por inviabilizar o conhecimento genuíno da alma humana. E o que é mais extraordinário é que o medo inicial já é a máscara que combate a solidão...
Como tal, a máscara simula a aproximação e exorciza o horror do nada, o que explica que na hora da partida haja especial cuidado com a máscara derradeira... 

1.9.15

Há um mês...

Mar azul, ondulação fraca; um barco a motor vai sulcando o cerúleo das ondas...
Três palmeiras, cercadas por vegetação rasteira que, em dias húmidos, desabrocha em minúsculos caracóis...
Do lado direito, três casas à sombra de um palmar. E mais à direita, um parque de estacionamento cuja utilidade estará limitada aos meses de verão.
Mais perto, meia dúzia de vivendas, cercadas por jardins bem cuidados, onde crescem palmeiras, figueiras, dragoeiros e outras espécies, preguiçosamente, inomináveis...
A espaços, um ou outro balido desperta quatro galinhas que procuram, sem descanso, as minhocas do dia.
Eu estou sentado diante de um esgalho de uvas, e leio, por algum tempo, Le Réveil des Nationalismes, de Gilles Martinet...

Hoje, verifico que há um mês estava à espera que algo mudasse, mas não: tudo continua na mesma, apenas o mar azul está mais longe...