30.6.15

Heróis sem nome às mãos dos Serviços de Informação

Artigo 78.º Acesso a dados e informação 
1 -Os diretores e os dirigentes intermédios de primeiro grau do SIS e do SIED têm acesso  a informação e registos relevantes para a prossecução das suas competências, contidos em ficheiros de entidades públicas, nos termos de protocolo, ouvida a Comissão Nacional de Proteção de Dados no quadro das suas competências próprias. 
2 -Os oficiais de informações do SIS e do SIED podem, para efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º, aceder a informação bancária, a informação fiscal, a dados de tráfego, de localização ou outros dados conexos das comunicações, necessários para identificar o assinante ou utilizador ou para encontrar e identificar a fonte, o destino, data hora, duração e o tipo de comunicação, bem como para identificar o equipamento de telecomunicações ou a sua localização, sempre que sejam necessários, adequados e proporcionais, numa sociedade democrática, para o cumprimento das atribuições legais dos serviços de informações, mediante a autorização obrigatória da Comissão de Controlo Prévio. 
                                    Proposta de Lei n.º 345/XII 

Esta proposta do Conselho de Ministros chega ao meu conhecimento no mesmo dia em que decidi ler uma crónica de Eduardo Palaio, publicada no nornal Público de 5 de Maio de 1992, intitulada "Uma história que eu vivi da PIDE em Angola."  
Dessa crónica, escrita para denunciar a pensão atribuída por Cavaco Silva a um antigo funcionário da PIDE-DGS, António Augusto Bernardo "por serviços excecionais e relevantes prestados ao país", transcrevo a parte que me parece que melhor clarifica a natureza deste tipo de agências:

«Um dos negros, um homem gigantesco, forte que nem uma pacaça, era tido por ser o cabecilha, devia ser o tal catequista muito procurado. Se era ou não, nunca os VCC o souberam; o que viram foi um homem grande de pé, sem que ninguém o tivesse autorizado a deixar de estar sentado, cabeça erguida, desafiadora, assente num pescoço grosso, com a carapinha já um pouco grisalha, pés enormes e afastados para manter o equilíbrio que se revelava difícil tantas eram as coronhadas que os pides lhe faziam chover em cima. Algemado, afastava as pernas fortes para se manter de pé. Os pides bufavam de esforço e davam saltos grotescos para poderem dar de cima para baixo no homem gigante. O homem falava, falava sempre enquanto por toda a cabeça escorria sangue. Falava muito, na sua língua indígena (lutchagi?). Falava contra o tempo, sem tomar fôlego. Os pides, à mocada,  tentavam calá-lo. Já tinha a boca disforme, cuspia sangue e ainda falava. O quê, ninguém dos brancos percebia. Só se via pelo arrebatamento que devia ser coisa importante. Era coisa gritada para dentro dos corações do povo dele. Parecia um falar para deixar recado. Até que o derrubaram.» 
(...)
Finalmente, «os pides levaram quinze prisioneiros, entre eles o homem grande, para o interior da mata, para um terreno descendente. Ouviram-se as rajadas. Mataram-nos a todos.» 

O poder executivo legisla de modo a que o quadro legal dê cobertura a todos os atos de recolha de informação. O passo seguinte já está implícito: afinal, a tortura e a morte mais não são do que etapas da arte inquisitorial... 


29.6.15

Ó gente impotente, feita de lama

O presidente da nossa apagada república, sempre que fala, deixa-me aborrecido e triste. Hoje, porém, senti-me envergonhado ao ouvi-lo referir-se às opções e à situação da Grécia.

Lembrei-me, entretanto, da sabedoria de Aristófanes e de Safo, na bela tradução de David Mourão-Ferreira:


Ó homens, cuja natureza é obscura,
ó homens semelhantes à raça das folhas,
ó gente impotente, feita de lama,
irmã gémea da sombra,
ó seres efémeros e sem asas,
ó mortais infortunados,
ó homens vagos como os sonhos
- volvei para nós a vossa atenção,
para nós que somos imortais e vivemos nos ares,
que nunca envelhecemos, que pairamos no éter
com pensamentos eternos
e colocamos, em tudo,
o segredo da perene juventude!

Aristófanes, As aves, trad. David Mourão-Ferreira

Quando arrefece o coração das pombas,
desfalecem, na sombra, as suas asas...

Safo, fragmento 42, trad. David Mourão-Ferreira 

28.6.15

Os gregos desafiam o eurismo

A política, ao contrário da poesia que acrescenta, só restringe!
Tendo uma origem comum, poesia e política seguem caminhos opostos. 
No início, os políticos eram poetas cujas palavras defendiam o reconhecimento do trabalho da maioria. Hoje, os políticos defendem abertamente o empobrecimento da maioria.
Hoje, há uma linha que separa nitidamente a poesia ( a arte, a ciência, a filosofia, a religião), da política -  o eurismo - forma regional do capitalismo mundial.
E se isto acontece é porque a união europeia deixou de se nortear por valores humanistas! Hoje, o discurso político faz tábua rasa de todo e qualquer valor, pois serve apenas o euro!
Os próprios ministros não se diferenciam: ou não têm a voz ou vociferam contra a maioria em nome do euro.
(...)

Os Gregos ousaram desafiar o eurismo e, hoje, estão a tomar consciência de que têm à sua frente a possibilidade de se libertarem da ditadura do euro. Mas será que é esse o caminho que desejam?
Se escolherem dizer não ao euro, mais não estarão a fazer do que seguir o caminho dos povos que nos séculos XIX e XX disseram não aos seus "libertadores".



A Revolução poderia ser uma grande coisa...

«Penso que a Revolução poderia ser uma grande coisa se ela respeitasse a maneira de ser dos outros.» Marc Chagall

O problema é que os Lenines de todos os tempos não respeitam a diversidade, por mais que digam o contrário...

Agora que os Gregos enchem os bolsos de euros, como é que eles vão dizer não ao euro?

No que nos diz respeito, o ministro da educação, em vez de promover a educação artística que, talvez, conseguisse tornar-nos mais humanos e mais solidários, prepara-se para importar as bicicletas que sobraram da revolução maoísta...   

27.6.15

O suborno de Feiga-Ita

«Mesmo assim, Marc Chagall, após ter completado o cheder, a escola primária judaica, conseguiu frequentar a escola oficial municipal a que os judeus, em princípio, não tinham acesso. Para tal a mãe, Feiga-Ita, agiu energicamente, subornando o professor.» Ingo F. Walther / Rainer Metzger, Chagall, Taschen / Público

Não sei como é que Feiga-Ita terá subornado o professor, a verdade é que esse gesto foi fundamental para que Chagall se tivesse libertado das teias que o prendiam à pobreza material e, sobretudo, cultural de Vitebsk que discriminava os judeus... 

Cheguei a esta informação por um percurso pouco linear, mas coerente. Gaston Bachelard, ao estudar os pintores em cuja obra está presente o direito de sonhar (le droit de rêver) encaminhou-me para artistas como Claude Monet e Marc Chagall...
(...)
Se considerarmos os últimos acontecimentos na União Europeia, parece que os povos do Sul estão condenados à pobreza e à discriminação cultural...

Será que não há por aí uma Feiga-Ita capaz de subornar o senhor Wolfgang Schauble?


26.6.15

Versão de trabalho e versão definitiva nos exames nacionais

A certeza tornou-se fluída, quando se esperava que fosse clara e única.  Publicados os critérios de classificação e os cenários de resposta, devidamente certificados, deixaria de haver espaço para manipulação de resultados. Essa expetativa desapareceu: a massa fica a levedar durante uma semana e logo se vê se o pão deve ir ao forno ou se o melhor é acrescentar-lhe mais fermento e mais sal...
Hoje dei conta que o parágrafo já não é uma parte do texto, mas pode confundir-se com o próprio texto. Um pouco como se o homem fosse apenas cabeça ou a cabeça se tivesse apoderado da totalidade do corpo! 
O que até se compreende porque anda por aí muito boa gente que, desaparecida a cabeça, começou a pensar com os pés e com as mãos.
Eu por mim, cumpro rigorosamente os novos ajustes, pois não quero que, pelo menos, cem mil jovens, felizes, deixem de votar nas próximas eleições legislativas...

Finalmente, não posso deixar de notar que, quanto à interpretação do poema de Sophia Mello Breyner Andresen, na prova de Português do 12º Ano, nada foi emendado... 


25.6.15

Uma interrogação antiga

O que hoje aqui trago resulta de uma interrogação antiga: - Para quê insistir no conceito "união europeia"?
Sendo o território europeu constituído por partes, social, económica e culturalmente diferentes, o projeto de as (re)unir só faria sentido se a estratégia fosse de convergência. Ora, se observarmos a realidade europeia das últimas décadas, assistimos, pelo contrário, ao crescimento das desigualdades, tendo como principal ator o euro.
Quando olho para a realidade portuguesa, verifico que, em matéria de transportes, não estamos mais próximos do centro da Europa. Verifico que, em termos do desenvolvimento do tecido industrial e tecnológico, em vez de produzir, continuamos a importar... Verifico que, em termos culturais, a grande maioria dos portugueses tem, hoje, menos informação do que nos anos 60 do século passado.
Na verdade, por mais que procure, não encontro a identidade europeia que poderia justificar a convergência entre os territórios, a eliminação de fronteiras... De facto, aquilo a que assistimos é a criação de novas fronteiras, é a condenação dos mais pobres... Em particular daqueles cuja História é mais antiga e que contribuíram para a afirmação da Europa no mundo...

Claro que a vitimização de nada serve, porque, infelizmente, não somos capazes  de nos unirmos para definir um rumo de convergência europeia ou, no limite,  romper com a mentira europeia...