31.5.15

Ao serviço de um único Deus. Sempre Único...


Sou dum tempo em que a vizinhança dos rios não significava proximidade. Faltava o transporte e, sobretudo, faltavam os recursos económicos para o essencial quanto mais para o lazer. A terra árida escondia os rios e as suas margens férteis; tornava invisíveis as toalhas líquidas, os barcos uma miragem; de aproximado, apenas, um barco a remos sem futuro
Por seu turno, os castelos, que se elevavam no compêndio de História, pareciam mais perto; eram, no entanto, anacrónicos; eram a representação da odiosa guerra, mesmo quando ao serviço de um único Deus. Sempre Único, fosse qual fosse o lado: da defesa ou do ataque. Tomar partido era ser patriota... e a guerra recomeçava e, ainda agora, continua um pouco mais longe, mas é a guerra por um Deus, por uma Terra...
Hoje, finalmente, visitei o Castelo do Almourol, reconstruído segundo o patriotismo de cada época. Assente no meio do Tejo, continua a observar manobras militares de não sei qual guerra...
Mesmo que a importância do Castelo do Almourol seja apenas a de nos prender a uma identidade enraizada no tempo da reconquista, convém não esquecer que não há poder sem castelo. Pode é não estar situado no meio do Tejo, o tal que nos deitou ao mar ou ao mundo, segundos outros megalómanos, como se não houvesse mais mundo para além de nós...

30.5.15

Vila Nova da Barquinha em duas horas

O Rio

O silêncio.
O restaurante: bom atendimento e bom peixe de rio.
A Câmara Municipal fechada.

Parque fluvial
Poucas crianças para as várias atividades lúdicas.

29.5.15

Ensinei-lhes a mentir?

«Se o meu filho fosse vivo, havia de fazer dele um homem de bem, desses que vão ao teatro e a tudo assistem, com sorrisos alarves, fingindo nada terem a ver com o que se passa em cena! (...) Havia de lhe ensinar a mentir, a cuidar mais do fato que da consciência e da bolsa do que da alma.» MATILDE, em FELIZMENTE HÁ LUAR!, de Luís Sttau Monteiro

Depois de três anos a defender a verdade, a consciência e a autenticidade, leio com todo o cuidado uma Carta a Camões - um daqueles exercícios de escrita em que o jovem, nos seus 17 ou 18 anos, é livre de expor as suas ideias, sendo apenas objeto de correção quanto à composição e à gramaticalidade do discurso - e descubro que o dia de hoje em nada difere do tempo do Épico.
Até parece que, afinal, o objetivo da minha ação nestes três últimos anos foi ENSINAR A MENTIR.

Não sei como caraterizar esta atitude e muito menos como justificá-la. Todas as fundamentações me parecem absurdas. Em todas as épocas, os valores foram espezinhados, em nome da conquista ou da manutenção do poder. 
Houve sempre, no entanto, a esperança de que o tempo pudesse deixar de ser como «soía"... Eu, hoje, estou, como o Poeta, desiludido...

Será que ao longo de todos estes anos lhes ensinei a mentir?

28.5.15

Um padrão repulsivo feminino

Os bovinos não têm qualquer culpa. A vida deles já é suficientemente maçadora, isto sem esquecer a «musca domestica communis» e outros moscardos que chegam com a canícula. 
Apesar do apregoado carinho pela fauna cada vez mais distante, a realidade é, todavia, cruel: sempre que algo não corre a contento, a vontade calada desafoga-se em simpáticos epítetos: ratazana, cobra, vaca, cadela, raposa, burra, mula, víbora... (a lista fica em aberto)...
Da observação resulta uma particularidade machista: o recurso à forma feminina. Um pouco como se a cultura popular estivesse eivada de um padrão repulsivo feminino, cuja origem datasse de um paradigma religioso masculino, do tempo em que se quis por termo à misoginia.
Não sei se é assim ou não. A verdade é que o desprezo continua a ser escrito no feminino, mesmo quando o sujeito deixou de ser masculino...

(Este texto talvez não devesse ser aqui postado, mas o facto é que me sinto bastante mal-humorado porque, entre outros factores, logo pela manhã, ... me colocou no caminho uma casca de banana...e, de momento, me sinto a banana do meu caminho...)

27.5.15

Uma função sem objeto

GUARITA - s.f. Pequena casa, geralmente de madeira fixa ou móvel, desenvolvida para abrigar sentinelas, vigias, seguranças.Torre em que ficavam os sentinelas; torres situadas nos cantos de antigos fortes, desenvolvidas para dar proteção aos sentinelas.

Agora que penso nisso percebo que há mais guaritas do que eu pensava. Talvez, por comodismo, habituei-me, nos últimos anos, à inutilidade das guaritas dos quartéis. Raramente, lobrigo uma sentinela, mesmo se a chuva acontece copiosa. Nem sequer, os rejeitados da vida, ou de si próprios, se recolhem nessas torres esquecidas...
No entanto, à medida que os condomínios fechados e os parques de estacionamento se apoderam das ruas e do subsolo, as guaritas multiplicam-se, e nelas vislumbro seguranças no lugar dos sentinelas...
Porém, o que eu desconhecia é que nas escolas também existem guaritas: recantos donde se avistam os professores e os alunos que circulam nas galerias; ou simples cadeiras, das quais se enxerga a indisciplina das chegadas e partidas. 
Neste último caso, desconheço o estatuto destes "vigilantes" e, sobretudo, não sei a quem servem. Temo, contudo, que estejamos perante uma função sem objeto, em que a simples presença, e até ausência, justifica a existência da guarita...

26.5.15

Com o calor

Com o calor, tudo se torna mais moroso. Poder-se-ia pensar que a morosidade nos tornaria mais razoáveis, mas não.  
A irracionalidade cresce, a surdez aumenta, porém as vozes sobem de tom. Com o calor, acentuam-se os ajustes de contas...
Afinal, parece que passamos o ano à espera que o estio nos enlouqueça... 

25.5.15

O etnocaos na F.C.Gulbenkian

Outrora, chamavam-lhe miscelânea; hoje, há quem prefira falar de um novo estilo: o etnocaos. Talvez por isso me tenha deslocado no dia 23 de Maio à Gulbenkian, onde tive oportunidade de presenciar a empolgante exibição do grupo ucraniano DakhaBrakha, criado em 2004, no centro de arte contemporânea de Kiev DAKH, pelo diretor de teatro de vanguarda Vladysslav Troitsky...
A verdade é que durante o espetáculo, mal informado sobre a pretensão estética do DakhaBrakha, senti-me um pouco frustrado, pois os instrumentos, os ritmos e as vozes lançavam-me para outros territórios distantes da Ucrânia: África, Ásia... No entanto, o problema era meu: o público parecia delirar com a profusão de sonoridades e de efeitos vocálicos...
Quanto a mim, ao observar os instrumentos, dei comigo a pensar que o lusotropicalismo tinha feito a sua aparição em má hora, e que o anátema sobre a miscigenação era afinal uma invenção dos seguidores da Reforma, que combatiam os monopólios, mas não deixavam de armar as fronteiras... Talvez o etnoscaos cultural possa ser a nova solução global e, sobretudo, dar trabalho a uma nova geração de antropólogos...
(...)
Já que o caos parece estar instalado, o melhor é não esquecer que no dia 23 de Maio de 1179, o Papa Alexandre III emitiu a Bula Manifestis Probatum que reconhecia Portugal como um reino pelos serviços prestados à expansão da fronteira cristã...
Já lá vão 836 anos... de caos!