30.4.15

Complexidade e especialização

Como produto determinado e convencionado pela "inteligência portuguesa", e depois de alguns cálculos elementares para a minha idade, acabo de concluir que, apesar da escola exigir que os jovens saibam ler e produzir textos complexos, os devemos afastar de qualquer tipo de metalinguagem que implique especialização...
Pelas minhas contas, só, por volta dos 22 anos, o jovem estará apto a iniciar uma especialização (2º ciclo de Bolonha), mas sem que lhe seja exigido qualquer esforço de investigação - esta será parte integrante do 3º ciclo (de Bolonha, acrescentado), e deve concentrar-se na descoberta de novos lugares de migração que o possam acolher...
Entretanto, estou sem saber como será possível exigir que um adolescente aprenda a ler e a produzir um texto complexo...
Ainda resolvi procurar a definição de "complexo", mas desisto: afinal, o jovem só deve começar a aprender linguística, anatomia, química, psicologia, arte, bem mais tarde... Por enquanto, os rios ainda correm para o mar! Claro! Há sempre aqueles que correm para o mundo..., mas tal já implica especialização, investigação...

O verbete que se segue é para maiores de 22 anos. Ou será 23?

http://www.lexico.pt/complexo/
adj.
1. Diz-se do que possui ou engloba grande quantidade de elementos ou dimensões que, embora distintas, se encontram relacionadas entre si; que é complicado, de entendimento abstruso: uma situação complexa;
2. Que abarca, contém ou envolve numerosas questões, matérias ou coisas: uma matéria complexa;
3. Característica ou particularidade daquilo ou daquele que é intricado, difícil ou confuso: sistema ou técnica complexa;
4. Que não é claro ou percetível - que é obscuro ou impenetrável;
5. Diz-se do que pode ser avaliado ou observado de variadas perspetivas; que é multifacetado ou multiforme;
6. (Anatomia) Denominativo de todo e qualquer músculo par situado na área cervical na cabeça;
7. (Linguística) Referente ao vocábulo composto ou gerado por composição ou por derivação;
n.m.
8. Designação atribuída a um aglomerado de situações, eventos ou coisas que se encontram ligadas ou conectadas de algum modo entre si;
9. Estruturação ou conceção constituída por grande quantidade de componentes articulados ou concatenados que operam como um todo;
10. Designação de problema, perturbação ou inquietação (de cariz psicológica);
11. (Química) Denominação atribuída a composto químico em que é possível verificar a constituição de ligações de coordenação entre moléculas ou iões com átomos ou iões de metal;
12. (Psicologia) Aglomerado ou conjunto de pensamentos, sentimentos ou ímpetos interligados, normalmente de natureza inconsciente e com origem na infância, que representam parte constituinte da personalidade de uma pessoa, estabelecendo, às vezes, a sua forma de agir.
(Etm. do latim: complexu)
Sinónimo de Complexo
Sinónimos: abstruso, agregação, agrupamento, complicado, confuso, conjunto, difícil, dificuldade, inquietação, mesclado, misto, mistura, multifacetado, multíplice, obscuro e perturbação
Antónimo de Complexo
Antónimos: básico, claro, compreensível, descomplicado, desintrincado, fácil, incomplexo e natural

Uma Rapariga da Sua Idade, filme de Márcio Laranjeira

Estreou esta noite na Culturgest, a primeira longa metragem de Márcio Laranjeira - Uma Rapariga da Sua Idade
(No imediato, volta a ser possível ver este notável filme na próxima 6ª feira, 1 de maio, pelas 14h30 na Culturgest. A não perder!)

Ao contrário do sol queirosiano e turístico, neste Portugal, refundado em 2011, a luz é de cinza, e, quando chove, a água escorre por dentro, embora não elimine a sujidade que impregna o casario e as barracas de feira...
As pedras ausentes foram substituídas por limões cuja função é desestabilizar os incautos transeuntes - a imagem do limoeiro é recorrente, signo auto-irónico (?)
A agonia é apoteótica, dionisíaca não fosse a suspensão provocada pelo despertar da manhã e, sobretudo, pela presença dos gigantones...
As personagens vivem nessa suspensão, que, no caso português, é, afinal, a experiência de uma geração encurralada num determinismo atávico...

Trata-se de um filme que de Lisboa a Viana do Castelo, passando momentaneamente por Nova Yorque, nos dá conta da penumbra em que vegetamos, procurando uma explicação que nem a escadaria de S. Bento nem o fogo de artifício da Senhora da Agonia nos trazem... Até as singelas ovelhinhas fogem de nós!
Infelizmente, o realizador pode começar a pensar numa nova longa metragem, com mais cinza, mais non sense num caos superiormente organizado.
Estão de parabéns, o Márcio Laranjeira e toda a sua equipa. Resta saber se nós os merecemos!

28.4.15

Saramago explica o rapsodo que há na sua obra

15 de fevereiro de 1994

Regresso a um tema recorrente. Todas as características da minha técnica narrativa atual (eu preferiria dizer do meu estilo) provêm de um princípio básico segundo o qual todo o dito se destina a ser ouvido. Quero com isto significar que é como narrador oral que me vejo quando escrevo e que as palavras são por mim escritas tanto para serem lidas como para serem ouvidas. Ora, o narrador oral não usa pontuação, fala como se estivesse a compor uma música e usa os mesmos elementos que o músico: sons e pausas, altos e baixos, uns, breves ou longas, outras. Certas tendências, que reconheço e confirmo (estrutura barroca, oratória circular, simetria de elementos), suponho que me vêm de uma certa ideia de um discurso oral tomado como música. Pergunto-me mesmo se não haverá mais do que uma simples coincidência entre o carácter inorganizado e fragmentário do discurso falado de hoje e as expressões “mínimas” de certa música contemporânea.

José Saramago, Cadernos de Lanzarote

Hoje, recorro a José Saramago para combater o argumento da ilegibilidade, por exemplo, de MEMORIAL DO CONVENTO.
Apesar do parágrafo ser curto, continuará a haver quem prefira nem OUVIR nem LER em VOZ ALTA.

No âmago da rejeição estará certamente o modo como na infância o contador / inventor de histórias foi substituído pelo leitor, matando definitivamente o NARRADOR ORAL - o rapsodo (poeta popular, ou cantor, que ia de cidade em cidade recitando poemas épicos).

27.4.15

O que me choca é esta coisa das datas

Eu também não ouvi o discurso do sr. Presidente no "seu último 25 de abril". Pareceu-me até, pelos ecos a que não pude escapar, que o discurso já tinha sido escrito a 24 de abril... No meu caso, esta minha insubordinação não é preocupante, já que não sou candidato ao que quer que seja (Andam por aí comentaristas à solta, em regra surdos, que, desta vez estão chocados!)

O que me choca é esta coisa das datas. Já não há data livre! Há sempre um santo, uma efeméride a celebrar. Já ninguém se preocupa com o presente e muito menos com o futuro. A alienação é tal que até já há quem não se importe de consumir droga para cavalo... 
Parece que em 2017, vem aí o Papa Francisco! Daqui até lá, vai ser um regabofe. Todos à espera da amnistia...

Por este andar, ainda vou aprender mandarim para que, quando os chineses tomarem conta disto, possa emigrar para a China!

26.4.15

O poço e a corda

O poço é pouco profundo; a nascente é sazonal - depende da chuva de inverno que a ribeira dispersa rapidamente. Em tempos idos, diz-se que as enguias eram frequentes e que quem as colhia se servia de folhas de figueira para melhor lhes controlar a viscosidade... Já não sei se algum dia as cheguei a ver...
Parece-me, hoje, que aquelas enguias seriam dos poucos recursos que ali cresceriam por altura da segunda guerra mundial. A fome era inevitável por culpa própria e alheia. A terra não produzia o suficiente para matar a fome daquelas gentes; os candongueiros vendiam para espanha e para alemanha os parcos produtos arrancados à terra seca; os ingleses encareciam as exportações; os alemães não cumpriam os acordos resultantes do fornecimento de volfrâmio; e os americanos, sôfregos, não queriam saber de compromissos nem alianças...
Desse tempo, sobra o poço sem enguias e quase sem água. Só as silvas o enriquecem; as figueiras estão cada vez mais desvalorizadas, nem a madeira aquece; as oliveiras resistem, como salazar resistia, e os portugueses continuam a resistir: cada vez mais pobres, submetidos à austeridade...
Como se sabe, quem cai no fundo poço, se, entretanto, não morrer afogado, precisa de uma corda e de quem a puxe. 

25.4.15

O 25 de Abril não passou por aqui

Em entrevista conduzida por Nuno Azinheira (DN 25.04.2015), Paulo de Carvalho, embora centrando-se na sua história de vida, dá conta de que o passado, em vez de libertar, pode acabar por  nos murchar, como acontece a todos os cravos:

«O que pesa é ligarem-me sempre a essa música - E depois do Adeus - e ao 25 de Abril. O que pesa é que não se preocupem com o que eu ando a fazer. Isto é muito chato. Chato e um sinal da "incultura de uma série de gente com responsabilidades e que não é capaz de informar." "É muito fácil usar o rótulo de sempre. Ora, acontece que eu gravo um disco de três em três anos. Depois desses êxitos, já fiz muita música, já escrevi muitas canções. Mas as pessoas não sabem, estão presas ao passado." O 25 de Abril não passou por aqui.»

O problema não é que as pessoas não saibam, é que não que queiram saber... 
É tempo de criar novo refrão!

24.4.15

E depois veio o 25 de abril

«e depois veio o 25 de abril, cravos vermelhos, Grândola / vila morena, e o povo é quem mais ordena, e então / aparecem em toda a parte uns gajos que, faz favor, / era a eito, desde o Cristo Cunhal até ao jotinha: / o meu reino é para já...» Herberto Helder, A Morte Sem Mestre, pág.45-46.

41 anos depois, uns irão descer a avenida, outros subirão ao carmo; a vila morena, bastante mais pálida, derramar-se-á sobre o vermelho dos cravos...
Entretanto, os gajos,  já gagás, soltarão vivas a abril: uns de barriga cheia; outros de barriga vazia. Como se a Índia ainda existisse! 
À força de repetirmos o caminho, desembocámos no beco das almas depenadas pelos jotinhas, os únicos que sempre souberam encher o papo, não fossem eles filhos dos abutres do estado novo...

Estranho, estranho é que ainda haja quem acredite (ou nos queira fazer acreditar) que o povo é quem mais ordena... Peço desculpa pela heresia, mas bem sabem que sou um homem sem fé...