31.1.15

Nada há de essencial no que fazemos...

«Ninguém se pode recordar senão do essencial (...) Aliás, nada há de essencial no que fazemos, apesar de todas as aparências.» Soren Kierkegaard, O Banquete.

Com tantas memórias disponíveis, parece possível compor uma grande quantidade de memoriais. E são tantos os memoriais que a História deixou de dar conta deles, preferindo ceder o lugar a outras ciências da memória... Algumas tão enfadonhas que se propõem repor os fundamentos e outras tão mirabolantes que não se cansam de anunciar futuros ora risonhos ora tristonhos...

Em comum, as memórias, mesmo quando na primeira pessoa, não passam de recordação do outro, à medida do interesse presente. E como tal, as leituras, embora aparentem ser plurais, não passam de projeções pessoais...

Um destes dias, confrontado com a pergunta "se valia a pena ler o que nada diz ao leitor" (no caso, a pergunta era de um leitor de 16/17 anos, obrigado a ler Fernando Pessoa), a resposta que me ocorreu foi ambígua, pois, afinal, eu estava ali a explicar que compreender Alberto Caeiro pressupõe que sejamos capazes de percecionar o mundo com os SENTIDOS, a cada momento... e, consequentemente, a memória não passa de um produto mental...

A verdade é que quanto mais vivemos de aparências mais valorizamos a memória.


30.1.15

O Tímido e as Mulheres

Pepetela (ou a editora?) deu ao romance de 2013 um título que convoca mais a leitora do que o leitor. Por que motivo? Preconceito... Quem escreve é o escritor, mas quem lê é a ...

Heitor, ao contrário do herói da fábula grega, sob a máscara de escritor em início de carreira, vê-se enredado numa teia feminina, em que a figura materna, apesar de distante, parece condicionar a sua relação com as mulheres - Tatiana, Marisa e Orquídea.

De qualquer modo, a teia amorosa não passe de um disfarce para o escritor acertar contas com o passado e o presente. Descreve sem qualquer timidez a avidez, a cupidez e a estupidez que governam Luanda... a explosão demográfica e a consequente expansão urbana são o pasto para a desigualdade social e para a corrida ao ouro por um grupo de aventureiros sem escrúpulos...

No entanto, refém do tempo heróico dos guerreiros libertadores, Pepetela tende a desculpabilizar  os ex-militares, atirando para cima daqueles «que nunca fizeram a guerra... os bandidos urbanos» a responsabilidade pela criminalidade e pela corrupção que grassam na nova Angola...

Lá bem para trás, fica o colono «o deus, o carrasco e o patrão, tudo numa pessoa.» 

Em síntese, Pepetela continua igual a si próprio: descreve com detalhe, por vezes sádico, a vitória da mulher sobre o homem e, sobretudo, mostra-se implacável na análise sociológica da vida económica luandense. Por fim, continua como nenhum outro escritor angolano, a enriquecer a língua portuguesa com vocábulos arrancados às línguas locais: maka, mambo, múkua, moringue, kuribotas, calús, ximbeco, zunga, zungueira, kubiko, jindungo, ngombelador, caínga, bumbanço, kumbú, kamba, zongola, bumbar, xingadela, cassule, kalundú, cacussos, malambas, kimbanda, funji, balado, canhangulo, camanguista, quinda, bassulado, muata-mor, chifuta, bafómetro, njango, kubikos, komba...    

29.1.15

Tagarelice

Os tagarelas estão por todo o lado!

Liga-se a rádio, e ficamos a saber que as moscas são as culpadas das riscas das zebras, já não sei se das brancas se das pretas, sem esquecer os novos olhos da ministra das finanças, que brilham sempre que se veem num engarrafamento...
Entra-se numa sala de aula, e, apesar de sonolentos, os alunos tagarelam ininterruptamente. Nas avenidas do poder, os farsantes cavaqueiam a favor e contra, mesmo que desconheçam o problema...
A toda a hora, a televisão está ocupada por um conjunto de comadres e compadres que dissertam sobre tudo e nada.
Nas redes sociais, a cegarrega é global.

Ponto comum: Já ninguém se ouve...

28.1.15

A lição do estóico na calçada de epicuro

Um pouco de sol... por momentos, chego a rejeitá-lo, pois o excesso de nitidez conduz à cegueira.  
O resto é inverno farto de questiúnculas saudadas por medíocres elegantes de si.
(...)
Talvez pudesse torcer a frase para que a noite surja na sua transparência, mas a noite impiedosa seca o pouco de sol que ainda corre em mim.
(...)
Amanhã é outro dia, mas a noite é sem fim!

O MSR dirá: ó professor, isto é tão triste!..., e eu mais não poderei que sorrir... (a lição do estóico na calçada de epicuro) 

27.1.15

Ó senhor ministro, 20 erros de ortografia numa frase!

Ó senhor professor doutor Crato, 20 erros de ortografia numa frase! O senhor não sabe o que é uma frase, e é ministro...
Melhor seria que o senhor ministro deixasse quem sabe definir quais são as competências, os saberes e as ferramentas necessárias à formação dos docentes, em vez de nos assombrar com conceitos e critérios retrógrados.

Ó senhor ministro, há tantos sinais de analfabetismo nas nossas escolas que o senhor bem poderia autorizar que os diretores gizassem um plano para o erradicar, sem os entraves do costume... Não é por se multiplicar os testes e se apertar os critérios de avaliação que se irradia o cancro que mina o sistema educativo... 

Ó senhor ministro, 20 erros numa frase! 


26.1.15

As coligações impossíveis

Ultimamente, sinto que o ser humano está a mudar. Aquilo que outrora parecia fonte de tristeza, começou a ser deitado para  trás das costas, dando lugar a uma garridice que nada faria esperar...
Ou talvez a mudança se deva, apenas, ao desaparecimento da  censura  social que culpabilizava qualquer gesto de maior atrevimento, de maior descaramento...

Quer no plano individual quer no plano coletivo, as coligações impossíveis  serpenteiam nas avenidas da velha liberdade. Uma liberdade de chumbo!

No que me concerne, já pouco posso duvidar, pois tantas são as certezas! A não ser enfiar a cabeça dentro de água, como a personagem Lucrécio ... (Pepetela, O Tímido e as Mulheres).  

25.1.15

Liquidação...

O cliente entra no outlet de móveis. O objetivo é comprar um aparador com um mínimo de qualidade, ao mais baixo preço possível. Percorre lentamente todo o espaço de exposição, apercebendo-se de que o desconto anunciado é de 50% e que a maioria das peças apresenta defeitos de acabamento... Informa-se sobre o modo de entrega, ficando a saber que, se o cliente pagar, os móveis adquiridos serão entregues num curto prazo...
Entretanto, falara com dois ou três funcionários cujo objetivo primeiro era arrecadar o produto da venda. Aparentemente, tudo legal, apesar do outlet ocupar o espaço de uma grande cadeia de móveis falida...  

(...) Nos próximos tempos, iremos assistir à liquidação da Grécia e, de seguida, viver a nossa, caso nos deixemos levar pela irracionalidade romântica.