6.6.14

Sobre o corpo da Ibéria

Como ondulada capa de miséria / A cobrir de negrura a cor das chagas, / Assim és tu, crosta de velhas fragas / Sobre o corpo da Ibéria. Miguel Torga, Ibéria

Hoje, quero destacar a singeleza e a beleza de Cabeço de Vide.
Ao procurar as termas sulfúreas, acabei por me deparar com o que resta do Portugal de outrora –  sinais de grandeza corroída pela desnecessária fronteira…  E, também, comprovei a falta de transporte ferroviário e viário que deveria ajudar a viabilizar a riqueza natural e patrimonial…
Infelizmente, não  tive tempo para visitar Fronteira, apenas relembro  o conto “Fronteira” de Miguel Torga: « E aí começam ambos a trabalhar, ele (Robalo) em armas de fogo, que vai buscar a Vigo, e ela (Isabel) em cortes de seda, que esconde debaixo da camisa, enrolados à cinta, de tal maneira que já ninguém sabe ao certo quando atravessa o ribeiro grávida a valer ou prenha de mercadoria.»
  Novos Contos da Montanha

5.6.14

Entrei hoje no limbo

Peço desculpa por ter cedido à tentação de, em post anterior, ter citado Passos Coelho. Deveria ter evitado tal referência, anódina.

Não deveria envolver-me em questões cavernosas, pois, desde manhã cedo, me interrogo sobre o que irei fazer logo que a Caixa Geral de Aposentações me conceda a reforma antecipada, apesar dos 40 anos de serviço público e privado.
Não tendo sabido responder aos meus alunos do 11º ano se me voltariam a ver na sala de aula em setembro, sei, contudo, que, a breve trecho, terei de encontrar uma atividade remunerada fora do Estado.

Pode parecer estranho, mas, na verdade, uma penalização de 35% (ou mais), resultante da aplicação da lei 11/2014, de 6 de março, obriga a regressar rapidamente ao mercado de trabalho.
Claro que há quem pense que o melhor seria manter-me como funcionário público. O problema é que nunca acreditei em milagres económicos portugueses! E como não há milagres, os servidores do Estado continuarão sob a espada de Dâmocles: mais trabalho, menos remuneração, menos progressão e menos pensão de reforma...

Entrei hoje no limbo. Vamos ver porquanto tempo! 

Passos quer "melhores juízes" no Constitucional, e nós?

Passos quer "melhores juízes" no Constitucional, e nós?
Nós queremos melhores governantes!
Nós queremos menos e melhores deputados!
Nós queremos o fim das clientelas partidárias!
Nós queremos o fim dos monopólios!

4.6.14

As palavras dos poetas e as palavras do dia-a-dia


Uma distinção simples que insistimos em não aplicar…
Cultivamos o idiotismo, a obscenidade e o ruído…



Ao lado, no Auditório da Escola Secundária de Camões, o Camusicando celebra o 3º aniversário. O Programa é vasto, dando conta da crescente importância que a iniciativa da professora Ângela Lopes foi granjeando…
Creio que, hoje, é justo afirmar que o Camusicando é uma verdadeira atividade integradora, permitindo a aproximação cultural, artística e afetiva a todos os que ao longo de cada ano vão participando no projeto.

3.6.14

Prosa de corrimão

Quando as pernas pesam e os pés hesitam é sinal de que os neurónios entram em colapso, provocando lapsos de memória e, sobretudo, desorientação do olhar e intumescimento do rosto...
Nem é preciso espelho! Basta passar a mão pelo cabelo e pela face para perceber que a disformidade se vai instalando...
Descer a escada começa a ser um ato reflexivo: Quantos degraus? A que distância uns dos outros? A mão que procura o corrimão invisível agita-se desajeitadamente. Pouco falta para cair! E esse pouco encoraja e assusta...
Apesar do ar patético e da voz pastosa, nem tudo parece perdido sobretudo quando a vontade desperta e impõe a disciplina que há muito vai faltando...
O problema é que a vontade consome demasiada energia, porque a vontade é a força que combate a fraqueza e desse combate, sinto que já só sobra ora a leveza ora o carrego.


De qualquer modo, esta prosa não tem qualquer utilidade, a não ser a de poder substituir o corrimão.
/MCG

2.6.14

A finalidade da arte é substituir factos

Estou cansado da inteligência.
Pensar faz mal às emoções.
Uma grande reação aparece.
Chora-se de repente, e todas as tias mortas fazem chá de novo
Na casa antiga da quinta velha.
Fernando Pessoa / Álvaro de Campos

A ideia das tias mortas desatarem a fazer chá / Na casa antiga da quinta velha é bluff. Álvaro de Campos não teve infância nem quinta nem tias. E se tivesse passado, seria sempre o inicial, do qual poderia extrair réplicas que iludissem os breves dias...
Citando Álvaro de Campos: (Fernando Pessoa) esquece que o que define uma atividade é o seu fim; e o fim da metafísica é idêntico ao da ciência - conhecer factos, e não ao da arte - substituir factos.

A arte exige inteligência, força e por isso esgota a energia do criador de réplicas. O artista não pode ceder à emoção, mesmo que as tias insistam em lhe oferecer chá de ceilão...
E porquê?
«Toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois se não dá nela. Toda a emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que não se sente.
Os cavalos da cavalaria é que formam a cavalaria. Sem as montadas, os cavaleiros seriam peões. O lugar é que faz a localidade. Estar é ser.
Fingir é conhecer-se.
Álvaro de Campos, Ambiente, In «Presença», nº 5, Coimbra 4 de junho de 1927




1.6.14

Ofereço-te um banco onde te poderás sentar a ler...

Vou interromper a minha tristeza para te oferecer um banco onde te poderás sentar a ler aquelas obras que um dia me prometeste ler… 
Refiro-me apenas àquelas que melhor se adequam ao enquadramento: Os Lusíadas (em particular, as lamentações do Poeta); Os Maias ( o romance do fim da Pátria); O Sentimento dum Ocidental (o poema que melhor poetiza as Causas da Decadência, de Antero)  Mensagem ( sobretudo, o fervor patriótico e utópico); A Ode Marítima (do Cais Absoluto)...
Ainda me prometeste outras leituras, mas vou fingir que as gaivotas e os corvos me impediram de te ouvir...
Não quero que te preocupes com a minha tristeza! Ela é antiga! Herdei-a de Sá de Miranda e de Bernardim Ribeiro; de António Vieira e de Bocage; de Garrett, de Herculano, de Aquilino, de Miguéis, de Torga, de Saramago...
Talvez um dia ainda te reencontre sentado no banco que sempre te ofereci!