31.1.13

Os láparos e as cobras

Contra acessos febris, uma mistura de gordura de cobra com azeite; contra a tosse, chá de pele de cobra; contra o reumatismo, sopa de cobra... À exceção do veneno de cobra, nenhuma destas mezinhas surte efeito. No entanto, a magia da palavra da cobra é tão empolgante que até as tristes maçãs se viram envolvidas no desterro dos pais fundadores...
(...) Houve tempos em que o o caixeiro (viajante) chegava ao Largo e, qual tenor, vendia pilhas de colchas, cobertores, tachos, panelas, unguentos, tudo pelo preço da uva mijona... Era tudo tão barato e fácil que ninguém resistia à inesperada necessidade. Depois faltava o dinheiro para o petróleo, para o azeite e até para o pão de milho - a broa.
De qualquer modo, o comprador compulsivo, de regresso ao tugúrio, sabia bem que acabara de ser ludibriado pelo vendedor de banha da cobra.
Mais tarde, na defunta Feira, vi acumularem-se os caixeiros e as quinquelharias, sem nunca ter percebido bem o que havia de tão fascinante em regressar a casa carregado de bujigangas inúteis... Até que mortos o Largo e a Feira, os vendedores de banha da cobra passaram a entrar pelas casas dentro, ocuparam as mochilas e os bolsos e, agora, nos cegam os olhos e destrambelham os neurónios...
Até agora, a ironia ajudou-me a resistir aos caixeiros  e às suas cobras, mas parece-me que vou acabar por soçobrar: os láparos reproduzem-se com tal facilidade que nem as cobras conseguem dar conta deles... 
Hoje, 27 de fevereiro de 2013, surgiu um láparo esfolado à entrada da Faculdade de Direito! Sinal de que os estudantes já abriram a época da caça...

30.1.13

Culturas sem diálogo

Infographie "Le Monde" | Ipsos: Rarement la défiance envers l'islam aura été aussi clairement exprimée par la population française. 74 % des personnes interrogées par Ipsos estiment que l'islam est une religion "intolérante", incompatible avec les valeurs de la société française. Chiffre plus radical encore, 8 Français sur 10 jugent que la religion musulmane cherche "à imposer son mode de fonctionnement aux autres".
 
Os franceses acreditam que os muçulmanos lhes querem impor o seu modo de funcionamento. Apesar de se dizerem cartesianos, os franceses facilmente se deixam mover pelas emoções e abdicam do raciocínio para acusarem o outro daquilo que eles próprios praticam, tal como a maioria dos "cristãos" ocidentais, sejam ortodoxos, católicos ou reformistas.
Em Portugal, não precisamos de lançar a suspeita sobre os muçulmanos. Ensinaram-nos, desde o berço, que eles são o inimigo: os cristãos conquistaram-lhes os castelos e sobre as mesquitas edificaram igrejas. Até n'Os Lusíadas, os mouros continuam a ser o inimigo!
Em Portugal, os muçulmanos dissolveram-se na paisagem humana. Em França, vivem entre barreiras... e as fronteiras sempre travaram o diálogo.
 
 
 
 
 
 
 

29.1.13

Descaminhos

Olhando as páginas dos jornais, mesmo que de esguelha, percebo que por falta de fé, perdi inúmeras oportunidades. Houve um tempo em que poderia ter caído nos braços da «opus dei», mas a obstinação de tudo querer compreender expulsou-me por tempo indeterminado do caminho divino...
O caminho terreno tornou-se espinhoso, mas, por um bambúrrio dos capitães de abril, deixei de pisar uma mina em solo africano. Fiquei por cá, incapaz de me alistar em uma qualquer confraria, com ou sem avental. A porta secreta esteve sempre aberta, mas nunca entrei...
Tendo desistido de ser pastor, nunca aceitei ser ovelha! E, assim, por falta de fé, continuo a tentar compreender se, na verdade, há algum caminho ou se tudo não passa de uma imperceptível variação na (in)suportável repetição da condição humana.
E de súbito, da desmória dos caminhos, surge Pascal:
L’homme n’est qu’un roseau, le plus faible de la nature ; mais c’est un roseau pensant. Il ne faut pas que l’univers entier s’arme pour l’écraser : une vapeur, une goutte d’eau, suffit pour le tuer. (fragmento 397)
   

28.1.13

Irremediavelmente atrasado!

As palavras não me eram dirigidas, mas não pude deixar de as ouvir. Eram palavras de pesar! Morrera o professor José Viana!
Quem dele falava, conhecera-o na Escola Secundária de Camões. Mas eu que não soube, a tempo, da sua última viagem, também fui seu colega na referida escola, mas, na verdade, o nosso conhecimento era mais antigo. Remontava ao ano lectivo de 1977/1978!
Nesse ano, fiquei a dever-lhe muitas viagens a Mafra, com paragem nas "trouxas" da Malveira... Foi na Escola Secundária de Mafra que o conheci, sempre afável, sempre prestável.
Espero que a sua última viagem tenha sido tão tranquila como todas aquelas que partilhámos no longínquo ano de 1977/78! 

25.1.13

A vulgaridade democrática

«A democracia é uma inundação de vulgaridade, e é necessário uma fé robusta, no futuro da sua evolução, para a não amaldiçoar...» Antero de Quental, Carta de 1888
 
Com o regresso ao mercados, somos inundados por enunciados patéticos, como o do conselheiro borges para quem a austeridade terá chegado ao fim. 
O regime democrático permite que o iluminado borges nos insulte diariamente, permite que políticos vulgares brilhem lá fora à custa de medidas que condenam à miséria milhões de portugueses.
O regime democrático permite que opositores irresponsáveis comam à mesa do orçamento, sem se preocuparem em apresentar argumentos e medidas que desmontem a propaganda que nos torna insanos.
Muitos são aqueles que começam a amaldiçoar a democracia, não porque lhes falta fé, mas porque nos contentamos com a mediocridade. 

23.1.13

O regresso aos mercados

Como a batalha verbal já está no terreno, vou aproveitar para deixar aqui o meu critério para avaliar o alcance da operação e este consubstancia-se numa pergunta primária: - No final da operação, a dívida dos portugueses aumentou ou diminuiu?
No que me diz respeito, todos os dados de que disponho me indicam que a minha dívida ficou maior. Mas, provavelmente, a responsabilidade é minha, pois não sou nem banqueiro nem credor nem político nem sábio!
 
Em rodapé, não posso deixar de estar preocupado com a ética dos sábios que elaboraram o último relatório do FMI sobre as medidas que Portugal deve aplicar para cortar permanentemente 4 mil milhoes de euros.
«Carlos Mulas, director de la Fundación Ideas, tiene registrados el nombre y el logo de una falsa columnista llamada Amy Martin. Cobraba hasta 3.000 euros por cada artículo que sólo se publicaban en la web.»
«El creador de Amy Martin aseguraba que para combatir la corrupción la clave era 'reducir los espacios' de oportunidad para que se produzca»
 
 

22.1.13

Como diria o japonês

O regresso aos mercados, acertado entre banqueiros e credores, está a gerar uma onda vergonhosa de aplausos e de vaias.
Onde uns enxergam sucesso, outros enxergam impotência. Uns e outros, no entanto, ganham com o aumento do endividamento. Já lá vão 200 mil milhões de euros! Ou será mais? Como amortizar tanto dislate?

Como diria o japonês, isto só lá vai se deixarmos morrer os velhos! Segundo a notícia, o limite de idade começa aos 60 anos, apesar dos esquecidos protestos de Vitorino Nemésio:
(...)
- «É bom não pôr limites à Misericórdia divina»
Disse um Papa velhinho
A quem exígua prece
                                 Votava uns anos mais
Como é próprio da Caixa de Descontos
         Dos pequenos mortais.
(...)
18.7.1971