31.12.11

Tempo de descristalização

31 de diciembre de:

Em dezembro 2011, começo finalmente a leitura de um conjunto de ensaios de Unamuno, publicados pela Abismo, com o sugestivo título Portugal, Povo de Suicidas.

Mal entro no livro, esbarro no elogio da  poética de Eugénio de Castro, e, em particular, do poema trágico, em VII cantos, Constança (1900). Eugénio de Castro, ao adotar o ponto de vista de Constança, constrói uma heroína angelical cujo percurso, apesar do ciúme dilacerante´e a certa altura vingativo, se faz através da superação da dor e do despojamento total: Oh! que morte ditosa lhe deu Pedro!/ Mas eis que vê Inês…/ Oh! não, não deve / Para a cova levar aquele beijo! // – «Anda cá, minha Inês…» diz co’um sorriso/ de infinita doçura; nos seus braços / acolhe a linda Inês, abraça-muito, / Dá-lhe o beijo de Pedro, e logo exala, /Serenamente, o último suspiro… //

Para quem se habituou a seguir “os amores de Pedro e de Inês” através das versões literárias de Fernão Lopes, António Ferreira e de Camões, a visão romântica e, por vezes, profundamente erotizada traçada por Eugénio de Castro, convida-nos a abordar o mito de uma forma mais heterodoxa, e por isso, talvez, mais realista. A riqueza do mito literário resulta mais da inventiva do autor do que da história ou da lenda. E sobretudo da descristalização da tradição literária!

Subitamente, a viagem literária, em dezembro, trouxe-me, através de Unamuno, Eugénio de Castro que, neste declinar de 2011, volto a citar, pois a epígrafe com que abre A Sombra do Quadrante (1906) me parece inspiradora:

Murmúrio de água na clepsidra gotejante, / Lentas gotas de som no relógio da torre / Fio de areia na ampulheta vigilante, / Leve sombra azulando a pedra do quadrante / Assim se escoa a hora, assim se vive e morre… // Homem, que fazes tu? Para quê tanta lida, / Tão doidas ambições, tanto ódio e tanta ameaça? / Procuremos somente a Beleza, que a vida / É um punhado infantil de areia ressequida,/ Um som de água ou de bronze e uma sombra que passa… //

PS: Bem sei que os Dicionários não registam o termo “descristalização”, mas se lhe inspecionarem os bolsos, verão a riqueza escondida.

30.12.11

A Sul. O Sombreiro, de Pepetela

Dos ossos perdidos de Diogo Cão à morte do temível Governador e fundador do efémero e mortífero reino de Benguela, Manuel Cerveira Pereira, tudo decorre entre morros e rios.

Pepetela, em A. Sul. O Sombreiro (set. 2011), reinventa os excessos dos governadores ao serviço da dinastia filipina, a luta entre franciscanos e jesuítas, em nome do Papa romano, a emancipação dos mestiços, a desjagarização, sobretudo das mulheres jagas…

Neste romance, o autor viaja  com grande liberdade pela história do século XVII e, ao mesmo tempo, vai revelando um vasto território, inicialmente, ameaçado pelos europeus e pelos jagas, e que o tempo acabará por eliminar…

Do ponto de vista da construção da narrativa, Pepetela dá a voz à maioria dos protagonistas masculinos, desde os governadores Cerveira e Mendes Vasconcelos a Carlos Rocha, o mulato que foge do próprio pai, passando pelo franciscano Simão Oliveira, sem descurar os provinciais da Companhia de Jesus… Só as  «peças» não têm voz – caçadas à ordem de governadores e de jesuítas – são vendidas e enviadas para as fazendas e engenhos brasileiros, como qualquer outra matéria prima. Aliás, são mais valiosas que a prata, o cobre e o sal!

Como acontece noutros romances do mesmo autor, a sátira domina em A Sul. O Sombreiro, título razoavelmente enigmático: a realeza espanhola, as ordens religiosas, os governadores, os chefes militares, os ouvidores, todos agem com um único objetivo: enriquecer. E por isso a justiça ajusta-se à voz do dono… Dos nativos, apenas os jagas, espartanos, são retratados como desumanos, pois cultivam a eliminação dos afetos.

Em síntese, mais um romance didático cujo principal objetivo é legitimar a existência da nação angolana, forjando a angolanidade através do recuo na história, de tal modo que a presença portuguesa acabará por não passar de um triste episódio…

Quanto ao “sombreiro”, nunca alcançado, penso que Pepetela não deixará de o retomar num dos próximos romances – esse cabo que, afinal, esconde os ossos de Diogo Cão – o mito fundador provisório na mitologia de Artur Pestana. 

27.12.11

Os dias e os motejos

O filme Os Dias de José Saramago e Pilar del Rio, de Miguel Gonçalves Mendes, que acabo de visionar, apesar do voluntarismo e da devoção dos protagonistas, não esconde a violência que o negócio da literatura impôs ao escritor, ao obrigá-lo a viajar permanentemente para promover as suas obras.

Ironicamente, o Saramago, que ainda sonhava ir à Índia, acaba por desejar ser árvore bem enraizada numa (im)possível reencarnação, para, à semelhança do Velho Restelo, combater a vã cobiça, provavelmente de cepa bem castelhana…

O escritor, amorosamente subjugado pela feminista Pilar, prefere convencer-nos que renasceu aos 60 anos para a literatura e, sobretudo, para o mercado do livro e das plateias mais ou menos histéricas que raramente mostram ter lido a obra do ídolo.

Dos dias, ficam-me alguns motejos: a) Como é que se pode escrever um prefácio sobre uma instalação se não se vê a instalação? b) Sem homem, não há Deus! c) Eu não nasci para ser escritor! d) Ver, ouvir e não calar! e) Os entrevistadores não acrescentam nada ao conhecimento! f) Os néscios são os outros…

Em síntese, apesar da vida encenada, o filme não consegue esconder a dor que minava o rebelde que, no íntimo, muito gostaria de ser tomado como santo!

25.12.11

O Natal poderia ser simples!




As primeiras horas do dia 25 de Dezembro são únicas: o povo dorme; os semáforos nas ruas desertas sinalizam o habitual desperdício, e a vida flui indiferente à pressa e aos ventres inchados de pobres e ricos.

De austeridade, ninguém fala, a não ser o i que insiste em fazer o balanço das misérias nacionais de 2011.

Aparentemente só, até ao momento sinto-me de companhia…

22.12.11

EDP

A fome é tanta que o vil metal superou as amizades germânicas!

Da ideologia só sobrou o método estalinista! Trabalhadores da EDP, preparai-vos para a grande marcha… do desemprego!

O paradoxo Passos Coelho

 

À medida que mais trabalhadores são lançados para o desemprego, que mais jovens são convidados a emigrar, que as remunerações dos aposentados, reformados e trabalhadores diminuem, o Governo descobriu que para aumentar a produtividade nada melhor que o corte nos dias santos, feriados, férias e até naqueles três dias que eram concedidos para premiar a assiduidade.

Em síntese, estamos perante o novo paradoxo Passos Coelho! Apesar de tudo, não quero acreditar que a Troika seja tão burra que não tenha já percebido que está a ser enganada, pois o Governo não toma medidas de natureza económica porque só sabe proteger velhas e novas clientelas…

Entretanto, a matriz ideológica e a subserviência do Governo serão hoje clarificadas, quando for anunciada a venda da EDP à Alemanha.

( O silêncio dos alemães também se paga!)

21.12.11

E se imitássemos …

E se neste Natal, em vez de celebrarmos o menino, imitássemos o Jacaré Bangão, deslocando-nos ao Ministério das Finanças com os nossos derradeiros cabazes de Natal?

Oferendas aceites, mergulharíamos, para sempre, nos braços de Kianda – espírito do Tejo luso. 

(Nota natalícia dedicada aos cavos pensadores antiescravagistas que, por ora, nos  querem empobrecer para nos libertar de mãos jesuíticas.)