12.11.09

Apesar de não ser da minha alçada…

Há mais de 30 anos que andamos a refundar a educação sem que a sociedade reflicta esse esforço reformista. Pelo contrário, a sociedade dos interesses apropriou-se do Estado e não descansa enquanto o saque não estiver terminado.

Entretanto, a nova ministra da educação promete que vamos, uma vez mais, voltar às origens, porque o melhor para os novos “pioneiros” é construir um novo sistema educativo, mesmo que a legislatura não chegue ao fim - “enquanto o pau vai-e-vem folgam as costas”, isto é, enchem-se os bolsos…

Todos sabemos que desenhar um modelo leva tempo, custa dinheiro e provoca cefalalgias (enxaquecas), o que não parece afligir a senhora ministra Alçada, pois, “alçada”, em bom português, é uma palavra tranquilizadora, sinónima de ‘competência”… E no caso desta senhora, para além da ‘competência’, há nela um altivo ‘saber fazer’ que não necessita sequer de receber instruções do (senhor) primeiro ministro.

Haja paciência!

PS: No tempo em que me dedicava ao estudo da linguagem não verbal, deparei-me frequentemente com tiques (sintomas) pouco auspiciosos… Por isso transcrevo o seguinte verbete do Moderno Dicionário da Língua Portuguesa:

enxaqueca
en.xa.que.ca
(ê) sf (ár ashshaqîqa) Med Cefalalgia hemicrânica, acompanhada, às vezes, de distúrbios digestivos e oculares.

11.11.09

A morte dos provérbios e não só…

No dia de S. Martinho vai à adega e prova o teu vinho.” /“Dia de S. Martinho fura o teu pipinho.”
No caso dos adjetivos possessivos, a morte é parcial – no lugar do  velho adje(c)tivo, alguém colocou um determinante precedido de outro determinanteo teu vinho” / “a tua castanha”…, mas ficou a noção de ‘posse’, em terra de gente ludibriada…
No caso do provérbio, a situação é bem mais grave. Quem é que vai à adega provar o vinho produzido por si? Quem é que é introduz o seu pipo no barril ou o pipo no seu barril?
Afinal, quem é que ainda conhece a relação entre o pipo e o barril? Provavelmente, só o ladrão furtivo…
A morte dos provérbios é determinada pelo declínio da vivência rural. De facto, comemos gulosamente a castanha, substituimos a frugal ‘aguapé’ pela licorosa ‘jeropiga’, numa liturgia de ricos ignaros sem necessidade de criar novos provérbios.

9.11.09

As faltas de comparência…

A indiferença e a má-vontade não explicam a falta de comparência.
A ESCamões como fábrica de eventos não pode esperar que o público cresça no seu interior. Desde as comemorações dos 90 anos do edifício que defendo como estratégia: tudo fazer para que  alunos, professores e funcionários se envolvam numa  “escola participativa”, considerando-os agentes e não destinatários. Se esta estratégia tivesse vingado, teríamos, hoje, uma “escola como cultura” e não um misto de “escola como arena política” ou de “escola como burocracia”.
(A explicitação dos conceitos utilizados no parágrafo anterior deve ser procurada na obra de Jorge Adelino Costa, Imagens Organizacionais da Escola, Asa, 1996.)
Agora que se volta a discutir o “projecto educativo” regressa a necessidade de esclarecer qual é o modelo organizacional que a ESCamões quer.

6.11.09

ESCHERICHIA

Acabo de tomar conhecimento que o Exploratório Ciência Viva, no Parque Verde do Mondego, Coimbra, promove, hoje, um encontro cujo tema é «Poesia & Ciência»…
Tenho pena de não poder estar presente, eu que procuro uma explicação para tanto alheamento da poesia e, também, do texto dramático. Poucos são os alunos que procuram ler os nossos poetas… continuam a vê-los como ‘loucos’… Preferem a ficção estrangeira, preferem traduções manhosas… Não revelam apego (paixão) pela língua, não vêem que o seu futuro está inscrito nesse magma matricial…
Para atalhar qualquer surto de ‘escherichia’ mais ou menos viajada, deixo aqui uma engenhosa e divertida incursão de Vitorino Nemésio por esse espaço privilegiado em que a ciência se dilui em verso:
                       
Mandei fazer o electrocardiograma
À minha «Beatriz de mão gelada»:
Mas fui eu, fui eu só que fui à cama,
Eu, claro! não Beatriz, nem Dante, eu nada!
«Mas única Beatriz consoladora»
Então não era a Morte reservada
A quem tem coração pela vida fora
E por ele sobe em hélice animada?
Em gráfico de sismo a sina veio
Nessa foto cardíaca: – « Receio
Que morra, Daisy!» Não: Que morra, Dolly!»
Pois eu não sou o Fernando Pessoa
Ou Antero, nem em Inglês seu nome soa,
Que minha Musa é Escherichia Coli.
                         
Escherichia ou Beatriz, que importa o nome
Se ambos me soam igualmente belos?
A prometida morte nos consome
Como flor prometida nos carpelos.
Assim tu, Escherichia, és meu tormento
E nocturno tremor, Beatriz funérea!
Quem nasceu para casto fingimento
Afinal pode amar uma bactéria.
                      
Pego em Escherichia  ao colo,
Musa micrónica, etérea,
Mas não já de éter sulfúrico
Senão feminil bactéria.
Por ela todo estremeço
Em suor e ácido úrico!
                                                                  in Limite de Idade   

5.11.09

The Seven Deadly Sins c. 1480, Museo del Prado, Madrid


Hieronymus Bosch e Gil Vicente – a mesma visão do céu, da terra e do inferno, às portas do Renascimento. H. Bosch pode ser uma boa estratégia para dar a conhecer a literatura medieval ...

3.11.09

Entrei em Novembro…

Entrei em Novembro com a sensação de que me falta o tempo para a maior parte das tarefas. O meu ritmo de trabalho vem diminuindo tal como as minhas certezas… De repente, sinto-me na necessidade de debater com os meus alunos regras de cortesia, fórmulas de tratamento, a diferença entre actos ilocutórios directivos directos e indirectos e os efeitos da minha opção pelos últimos… Sinto que esta opção é fruto da crise de autoridade que se instalou nos últimos anos e que os custos são muitos elevados para aqueles que estão na sala para aprender.

Alguns alunos desejam saber se falo deles neste blog. Subitamente, temem ver-se num palco que não podem controlar verbal ou gestualmente. De verdade, é na sala de aula que montam a arena, procurando bandarilhar o mestre de cerimónia ou, no pior dos cenários, fazem como o touro que, na sua absoluta cegueira, ignora o forcado…

De qualquer modo, hoje, dou espaço ao blog do G(onçalo), deixando ao leitor a possibilidado de entrar no território de um jovem bem menos atormentado pelo curso dos dias…   

29.10.09

Pulsão de morte na escola…

De acordo com a tradição, o ensino tende a sobrepor-se à educação nas escolas secundárias. Muitos docentes continuam a pensar que a educação é uma competência das famílias. No entanto, num tempo em que a escolaridade obrigatória se estende até aos 18 anos e as famílias se desagregam com a maior das facilidades, há cada vez mais jovens que revelam dificuldades de integração.

Essas dificuldades são expressas através do alheamento, do desinteresse, da «hiperactividade” (erradamente, associada a um nível superior do domínio cognitivo), da agressividade ou de uma auto-estima, por vezes, tão elevada e cega que o outro é visto como o «carrasco».

A vitimização é um dos efeitos da frustração relacional que, construída de forma cumulativa, pode desencadear situações de autodestruição ou, nos casos em que a relação afectiva colapsou, pode gerar episódios de punição colectiva. A vítima decide eliminar exemplarmente o carrasco, certa de que socialmente o seu nome verá o reconhecimento que lhe permitirá integrar a galeria dos heróis.

(Os sinais da pulsão de morte estão disponíveis. Infelizmente, continuamos ou a não ser capazes de os ler ou a virar-lhes as costas. De facto, preferimos  a tragédia ao drama.)