24.7.07

Dorme ali, num banco de Jardim… na Praça José Fontana

Há dias, sob um lençol de luz, morto ou vivo, Z dorme indiferente ao ruído da cidade.
- As portadas do Liceu abrem para os pátios interiores, e simétricos na cegueira, esquecemos…
Interrogo-me, entretanto, se não será José Fontana quem, descrente da fraternidade, ali repousa…

Quem quer saber quem foi José Fontana?
Quem quer saber o nome de quem por ali dorme?

Procurar saber foi em tempos um dos objectivos da escola pública!
E, hoje, que valores é que nos orientam, ali, na Praça José Fontana?

20.7.07

Os exames…

Lembram-me os exames de consciência em que o sujeito oculta deliberadamente a sua preguiça, a sua má-fé… Os exames escritos deixaram de testar os conteúdos mais complexos, limitam-se a aspectos marginais e, por isso, os alunos que passaram o ano a estudar são os mais prejudicados, assim como os professores que procuraram cumprir os programas.

Como resolver esta perversão? Criando equipas para a elaboração das provas, independentes da tutela ministerial. Em matéria de avaliação, não há nada mais nefasto que o comissário político.

Essas equipas teriam a função de elaborar as provas de exame, submetendo-se rigorosamente aos objectivos e aos conteúdos dos programas. As equipas de autores e de auditores devem ser constituídas por professores do ciclo de ensino a que as provas dizem respeito. A intervenção de professores do ensino superior – desarticulado dos outros graus – deve ser evitada.

Infelizmente, o caminho tem sido outro: a irresponsabilidade cresce de ano para ano; os dirigentes entendem que "é humano errar" e que as culpas são sempre dos outros… e lá continuam como se ninguém saísse prejudicado…

Há, em Portugal, uma crença muito conveniente: somos todos igualmente capazes, sobretudo se não for preciso fazer um esforço… Procuramos a facilidade e odiamos aqueles que persistem em vencer os obstáculos.

PS: O comissário político está alastrar como alastraram, no passado, os frades e depois os barões. Viva o cacique! Vivam os almirantes!

15.7.07

A propósito de um pedido de desculpa…

Num país com tão pouca vontade de trabalhar, como é possível obter boas classificações em disciplinas que exigem método, disciplina e sacrifício?

Num país em que os poucos que se esforçam se vêem condenados ao desemprego ou, na melhor das hipóteses, a empregos precários e mal remunerados, o que é que podemos dizer aos jovens que se prepararam para os exames, estudando os conteúdos mais árduos, e que acabaram por ver defraudadas as suas expectativas?

A fraude começa no 1º exame e repete-se até ao final da licenciatura. Uma licenciatura que, entretanto, deixa de o ser… é apenas o 1º ciclo de um processo inventado para alimentar clientelas. E essas clientelas são cada vez mais constituídas por políticos analfabetos! Clientelas que distribuem as prebendas e as comendas entre si.

Há anos que os exames não separam o trigo do joio!

E agora ainda inventaram o critério de avaliação que permite aferir da qualidade do trabalho do professor pela comparação entre as classificações atribuídas por si e as dos colegas da mesma escola e, sobretudo, pela comparação com os resultados dos exames finais. Como é possível comparar o trabalhador honesto e responsável com o que vive da fraude?

(Imaginemos que, numa 6ª feira, às 19 horas, necessito de atravessar a Ponte 25 de Abril (?). Parto da Praça de Espanha, três faixas de rodagem – só a central dá acesso à Ponte. Cumpro aplicadamente o código. Só por volta das 20:15, ultrapasso a portagem. Entretanto, à direita e à esquerda, automóveis, autocarros furam, velozes, e gastam menos 30 minutos do que eu a atingir o mesmo destino.) Terá valido a pena ter estudado e aplicado o código da estrada? Em Portugal, não. Para os Ministérios da Educação e do Ensino Superior, também não!

Todos sabemos que a fraude existe em todos os sectores da vida nacional e, na área da educação, ela assume proporções incontornáveis. O polvo deixou de estar escondido e os seus tentáculos, oportunistas e ignorantes, movem-se continuamente asfixiando a presa.

 

9.7.07

Em dívida…

Estou naquela fase em que oiço vozes ininteligíveis capazes de destruir qualquer templo… com ou sem comunhão, esse ritual de disfarçada antropofagia prenunciadora de morte sem ressurreição. Sei, agora, que há anos que não oiço a voz inconformada do Silva Carvalho – uma voz, por vezes, claustrofóbica, mas que procurava o silêncio das paredes para sair daquele corpo pesado e libertar-se em extensas pautas brancas; uma voz capaz de combater o estereótipo com outro estereótipo. Não lhe ouço a voz nem lhe percorro as pautas silenciosas que em vão se me oferecem, como se o compositor não passasse dum excêntrico capaz de percorrer continentes à procura de uma razão outrora perdida…

E fora dessa razão, as pautas libertaram-se das amarras e impõem-me que as percorra, tão sozinho como o Poeta desavindo com a convenção e a tradição do Ocidente:

Que resta do pensamento? Penso que sinto

o poema como se fosse a realidade de onde brotou,

penso que me sinto como se a realidade que sou

não fosse oriunda de nenhuma realidade,

penso que pensar é um mundo à parte do mundo

onde se vive como parte ou partícula

dita tantas vezes insignificante. Que resta

pois de mim quando nenhum rosto sai ou entra

na imagem que de mim se desfaz enquanto perfaço

palavra a palavra, sentido a sentido, o poema?

Ser é não estar, é passar como o tempo passa

sem que a passagem seja presenciada pelo tempo.

É repetir mil vezes a pergunta fatídica

para que a resposta não possa ser figurada.

Silva Carvalho, (29/6/1992) extracto de Os Factos do Pensamento ou a Terrível Figura do Impensável, Crítica das Representações, Brasília Editora, Porto

PS: Talvez pudesse ter optado por escrever um lacónico e-mail! E o Silva Carvalho (não confundir com o Armando), lê-lo-ia pensando: «este gajo não leu nada do que lhe ofereci!» E teria razão, e é pena, porque esta voz acabará por se levantar dum chão que nunca calcou, por escorrer das paredes nocturnas em pleno meio-dia…

 

5.7.07

A dor do olhar…

(O fotógrafo suicida pede desculpa à vida e retira-se para não perder mais paisagens.)

Há quem diga que viajamos para tirar fotografias. De facto, a viagem e a fotografia confundem-se, para mais tarde nos iludirmos.

Da viagem fotografada fica a sensação de perda irremediável, de desencontro fatal, como se a imobilidade pudesse adiar a morte. Ai, o fascínio pela imagem – cristal!

Ora a fotografia imobiliza, toma formas letais sob películas de vitalidade esplendorosa - dos olhos agigantam-se corpos de areia! E das areias elevam-se cinzas vulcânicas.

Lá ao fundo, à volta do coreto, um pouco mais adiante, na tímida alameda, o fotógrafo ignora as paredes de cartão porque quem fixa de frente a morte acaba por cometer suicídio.

 

4.7.07

Oficial medíocre


«Pelo contrário, os oficiais medíocres preocupam-se mais em saber se o equipamento está em bom estado de funcionamento do que o seu pessoal.» Daniel Goleman, Trabalhar com Inteligência Emocional, Temas e Debates

Hoje, de acordo com Daniel Goleman, considero-me um "oficial medíocre", pois passei uma boa parte do dia a fazer um inventário de espaços e equipamentos degradados e avariados. Devo dizer que o pessoal, na sua maioria, andou por longe, talvez experimentando os ventos que nos fustigam… Mas é quase sempre assim nesta época do ano!

Apesar de "oficial medíocre", devo referir que a qualidade do espaço condiciona a aprendizagem e que por isso o "pessoal" se sente desmotivado para ensinar e aprender em salas, onde há muito não entram nem pedreiros, nem carpinteiros, nem pintores, nem…

Quanto ao equipamento avariado, o que se verifica é que a falta de um habilitado responsável pela sua manutenção inviabiliza qualquer tentativa de mudança de processos de ensino. É inútil dar formação ao pessoal se o espaço e os equipamentos se degradam diariamente sem qualquer esforço de reabilitação.

A liderança passa por uma atenção muito particular às circunstâncias em que o homem aprende e trabalha, devendo estar especialmente atenta à qualidade das ferramentas e à sua distribuição equitativa. Se isso não acontecer, a curto prazo, a liderança torna-se autoritária e, finalmente, irresponsável, pois acabará por destruir a instituição, arrastando para o desespero todos aqueles que, em algum momento, nela acreditaram.

PS: A IGREJA das "almas" há muito que se preocupa em receber bem os "corpos"! Atente-se no ar puro e limpo da Igreja matriz de Avis! E, pelo contrário, observe-se o lado terroso da memória Joanina!

1.7.07

No Maranhão, terra de maranhas...


Por (de)formação profissional poder-se ia pensar no lugar onde o Padre António Vieira proferiu o famoso "Sermão de Santo António aos Peixes" e também donde enviou as famosas "Cartas do Maranhão" a El-Rei D. João IV, a partir de 1654. Não. Estou a referir-me à Barragem do Maranhão, situada no concelho de Avis, a 165 Km de Lisboa.
Lá decorreu, neste fim-de-semana, uma interessante competição de remo, "patrocinada" pelo Mestre de Avis. Havia dezenas de remadores, de ambos os sexos, um pouco de toda a parte: Barreiro, Setúbal, Figueira da Foz, Gondomar, Póvoa do Varzim... O associativismo continua vivo! A organização local esforçou-se por ultrapassar a falta de meios e de apoio federativo... Mas, se não fosse assim, não estaríamos em Portugal!
O Parque de Campismo Municipal, em remodelação, oferece sossego e boas instalações aos campistas, apesar de, por exemplo, para ter pão a um Domingo, ser necessário requerê-lo à 6ª feira. Mas onde estaríamos nós se não fosse asssim?
Lá, no quase deserto Maranhão, ainda é possível observar as aves de rapina, protegidas pela serra alentejana, e alimentadas por reses desafortunadas e pelas águas cada vez mais abundantes.
Triste está o casco histórico de Avis, sobretudo no que respeita ao património medieval. E é pena! A Rua da Mouraria, onde ficaria a casa do Mestre de Avis, merece ser conservada de outro modo. A não ser que a ligação do Mestre a Avis não passe de uma patranha ou de uma maranha. Afinal "maranha"pode significar "intriga", "enredo" e maranhão "grande mentira". O topónimo consagraria, deste modo, um lugar em que os seus habitantes seriam dados à arte de enredar no sentido denotativo e conotativo. E talvez algum dos habitantes de Avis, aventureiro ou forçado, tenha um dia aportado às terras de Vera Cruz e dando expressão à maledicência lusa tenha entendido por lá replicar as maranhas, permitindo que o Padre António Vieira escrevesse ao Rei D. João IV: «Tudo neste Estado - o Maranhão - tem destruído a demasiada cobiça dos que governam, e ainda depois de tão acabado não acabam de continuar os meios de mais o consumir - Palvras visionárias que, afinal, não anunciavam o V Império, mas o saque contínuo dessa emaranhada raça que persiste por esse mundo fora.