23.10.06

Uma miragem inquietante...

Os que ainda trabalham começam demasiado tarde e todos ao mesmo tempo, entupindo as ruas como as folhas de Outono entopem as sarjetas.
Os chefes chegam tarde ou não chegam sequer. Qualquer subalterno pode abrir a porta da empresa, da oficina, da escola, do ministério. E se chegam, fazem-no sempre com um ar atarefado, não lhes sobrando tempo para identificar e analisar os problemas. E por isso já deixou de haver agenda, tudo vai correndo sobre rodas inexoráveis...
Se alguma coisa corre mal, a causa é sempre externa. Tornamo-nos vítimas. Comprazemo-nos na lamúria. O passado, os genes, a doença, o estrangeiro explicam tudo. Procuramos na diferença a explicação para a nossa decadência. Vivemos bem com os nossos estereótipos, convencidos da superioridade da nossa presença. Mas, se olhassemos à nossa volta, poderíamos perceber que a nossa sombra nos deixou sós...
A vontade de mudar, de contribuir para a mudança não passa de uma miragem inquietante... com cheiro a século XIX.

17.10.06

O paradigma tropical português...

A insatisfação parece ter chegado à Escola. Hoje, nos pátios, viam-se mais alunos. Outros talvez tenham ficado em casa. Mas alguns dos que encontrei e que, raramente, são visíveis fora da sala de aula... mantinham-se na escola na expectativa de que o professor surgisse. Aproveitavam para fazer os trabalhos de casa e preparar os próximos testes no CRE e na Biblioteca.
De manhã, os professores que leccionavam passavam furtivamente para as salas. Os dirigentes sindicais tornaram-se invisíveis ao contrário do que costumava suceder. O Conselho executivo parecia recolhido... O Conselho Pedagógico foi adiado a pretexto da greve, tal como acontecerá, amanhã, com o Conselho de Directores de Turma - o mesmo pretexto.
Um ou dois funcionários executavam tarefas de limpeza: varriam as folhas de Outono, despejavam folhas devolutas.
Ultimamente, comecei a perceber que esta Escola, aparentemente, desajustada, corresponde, afinal, ao paradigma tropical português: alguns funcionários, por astúcia dos restantes, vêem-se obrigados a executar todas as tarefas - do apoio (efectivo) no CRE e na Biblioteca à limpeza das casas de banho, dos corredores, das salas de aula e, mesmo, dos pátios... como se não fossem mais do que a típica criadagem do solar nortenho ou do sobrado brasileiro, mais tarde africanizado...
Para que a tropicalização seja completa, os próprios professores (ex-Senhores-de-si-próprios) decidiram que chegou o momento de se sacrificarem, de se cafrealizarem para que o país possa gerar 500 verdadeiros Senhores a quem todos possamos servir zelozamente.
Para quem tenha alguma dúvida, faça o favor de cotejar o investimento na educação e na ciência (Orçamento para 2007). Está lá escrito. Basta um pouco de cálculo: A ciência goza de um investimento senhorial sete vezes superior ao da escrava educação.
Mas está certíssimo! O que é que a educação nos poderia trazer de bom?
Dentro de 5 anos, 500 novos senhores dir-nos-ão o que mais nos convém... tal como aconteceu com os mestres de Chicago (e arredores) que nos vêm governando nos últimos 25 anos.
PS: Bem sei que não me deveria pronunciar sobre estes assuntos no meio desta histórica greve. Mas não resisti, depois de ter ouvido uma ministra falar dos bons serviços de um grupo de funcionários públicos que desinteressadamente estabelecem os "quadros de referência" que de 4 em 4 anos permitirão analisar 1200 unidades de ensino (de conta?); um secretário de estado que remata os destacamentos mais estranhos para o ministério do trabalho porque ele só corta ( e se houver algum destacamento foi porque alguma escola o solicitou!?) e, sobretudo, um dirigente sindical que teve a coragem de afirmar que há imensos candidatos ao lugar de coordenador curricular - estou a imaginar uma luta fratricida pela ocupação deste lugar que talvez dê assente no Conselho Pedagógico - órgão particularmente apreciado pelo ME e pelos Conselhos Executivos.
Afastada a ironia, talvez valesse a pena avaliar o trabalho gracioso levado a cabo, neste país, por milhares de conselhos pedagógicos nestes últimos 30 anos. Só que esse trabalho nunca poderá ser realizado por quem insiste em deitar fora a massa crítica que existe no país em todos os domínios.
Foi uma sensação de nulidade que senti, hoje, ao atravessar os corredores da Escola, embora essa sensação fosse contrariada por uma funcionária incapacitada de um braço e que, apesar de continuar a recolher as folhas de Outono(!?), me abriu a porta da sala 34, para mais tarde regressar e me perguntar se, afinal, o computador e a impressora já se articulavam pois gostava de aprender a resolver os problemas para poder ajudar os professores. E essa descrença na justiça foi novamente contrariada por um grupo de alunos que me pediu o "manual" e o "caderno de exercícios" para poder fazer os trabalhos de casa - contrariando objectivamente a política do ME...

15.10.06

Será que estou sozinho?

Encontro-me, hoje, numa posição assaz difícil: estou numa terra de ninguém - entre os que querem mudar tudo e os que não querem mudar nada.
Os primeiros decidem a mudança, mas não sabem como fazê-la e, por isso, insistem em avançar às cegas, independentemente das perdas; os segundos não querem mudar nada, pois a manutenção do estado das coisas há muito tempo que os favorece, independentemente de saberem que o abismo se avizinha.
Nos próximos dias, o conflito agudizar-se-á. A greve prevista irá certamente reforçar a convicção dos descontentes e, os governantes, por seu lado, manterão o rumo ancorados na confortável maioria...
O país ficará um pouco mais pobre porque a quem decide falta o saber e a ponderação e a quem protesta sobra a cegueira dos interesses...
E eu, aqui, forçado, no meio... Será que estou sozinho?
- Já não seria a primeira vez...

14.10.06

O que estamos sendo...

(A acumulação de cansaço torna-nos irascíveis, debilita-nos a concentração e pode, mesmo, paralisar-nos. É esse o estado actual da CARUMA que passou a ter dificuldade em caminhar... os movimentos respiratórios vão sendo cada vez mais irregulares... sente-se asfixiar.)
Habitualmente, perguntamos "O que é que te aconteceu?", mas esta pergunta não satisfaz, porque, de facto, raramente, nos acontece alguma coisa... O que estamos sendo é o resultado dum fluxo lento que nos empurra e asfixia, como se o ar fosse rareando...
E esse fluxo é o envelhecimento que, por vezes, chega inopinadamente, outras vezes nos sinaliza o inexorável... Resta saber se estamos suficientemente atentos.
Quanto à CARUMA... ruma, agora, mais atenta aos sinais não se deixando inebriar por essa prometida longevidade que parece ser a única responsável pela decadência dos povos.
Se Antero de Quental vivesse hoje, escreveria certamente sobre a longevidade, apontando-a como a causa fundamental da decadência dos povos peninsulares!

7.10.06

Sob uma pirâmide invertida...

Se os políticos fossem menos demagogos não estaríamos hoje soterrados sob uma pirâmide invertida. Se estes demagogos tivessem pensado menos nos seus interesses não teriam tido tanto empenho em defender o funcionário público, criando-lhe expectativas irrealistas. Agora que mais do que 40% dos funcionários se encontram nos dois últimos escalões, os novos zeladores da res publica decidiram alterar as regras, congelando a progressão nas carreiras, destruindo o statu quo..., enquanto que os decisores dos anos 80 e 90 ocupam impunemente as cadeiras de Belém, do Banco de Portugal, da CGD, do BES, do BCP, do BPI, da Assembleia da República, das últimas empresas públicas...
E, infelizmente, ainda ninguém percebeu que a pirâmide pode girar progressivamente sobre si própria, sem ser necessário sobrecarregar / punir mais os velhos, impedindo os mais novos de aceder à vida activa. Basta que por cada dois reformados se contrate um jovem. Esse jovem, ao entrar na função pública, irá preencher 2 horários, ganhando, no início de carreira, 50% do que ganhava apenas um dos reformados.
Por mais estranho que pareça, o país ficaria a ganhar com o rejuvenescimento dos funcionários, com a possibilidade dos jovens quadros encararem a vida com optimismo e segurança, aumentando, consequentemente, a natalidade...
Mas não, a Ministra da Educação, por exemplo, anda feliz porque conseguiu aquilo que ninguém conseguira depois do 25 de Abril de 1974: professores com mais de trinta anos ao serviço da juventude, inclusivé da dela, são obrigados a cumprir um horário superior àquele que lhes era distribuído no início de carreira. A Senhora ministra está a impedir o rejuvenescimento dos quadros docentes, quando o ensino mais precisa de um novo impulso. Está a prestar um mau serviço ao país.
E o Governo parece agora apostado na reciclagem da elite universitária gastando, nos próximos anos, mais de 100 milhões de euros, em vez de apostar na formação da base da pirâmide, uma base sólida, jovem, com iniciativa e produtiva.
Parece que o socialismo se converteu ao elitismo norte-americano, substituindo-se, paradoxalmente, à iniciativa privada. Ou talvez não!?
Afinal, a base da pirâmide vai ser entregue à iniciativa privada e não só! As universidades privadas e as universidades públicas (2ª categoria), os politécnicos (3ª categoria), as Escolas superiores de Educação ( 4ª categoria), vão licenciar centenas de milhares de portugueses de boa vontade, desde que tenham mais de 23 anos e vontade de pagar as propinas...
O futuro da pirâmide promete... só é pena que as dunas se movam tão lentamente!
PS: Não falei dos sindicatos. Mas eles não irão esquecer-se de se colocar rapidamente na linha de partida - seja no topo seja na base da pirâmide... lá, onde estiverem os interesses!

2.10.06

As estações do homem...

As estações do ano mais não são, para o homem, do que literatura. As estações do homem, como as dos restantes mamíferos, regem-se pela linearidade... E é a essa linearidade que escapa o pinheiro, mas já não a caruma...
A inevitabilidade do fluxo perturba e, por isso, sempre que podemos, fugimos para a estação da fantasia, único lugar onde o refluxo ainda é possível: preferimos o sonho à vida para não termos que enfrentar a morte - esse lugar inexorável onde a ténue linha termina.

1.10.06

No Outono, a caruma...

Avoluma-se sob o verde, a caruma. As agulhas despedem-se temporariamente das pinhas para lhes prepararem o leito da morte. E lá longe, já perto, ecoa o rugido do oceano... Nada disto é literatura... nada disto é Nhada, isto é, nada disto é renovação, renascimento, ressurreição... Quando mudamos de estação, quando mudamos de língua tudo se torna mais sombrio... Na literatura, não: podemos fingir, simular que voltamos, outros, atrás...
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