23.7.06

A responsabilidade é francesa...

"Nullum recusare periculum"
O legado romano deixou-nos uma noção de responsabilidade associada ao exercício da autoridade (auctoritas). Se, um dia, o homem peninsular quis(?) limar o seu comportamento teve que pedir auxílio aos franceses ou, melhor, suportar a presença dos franceses que o ensinaram a responder pela terra (a mulher, quase sempre) que ficava a seu cuidado. O vassalo aprende a responsabilidade com o (a) senhor. As cantigas de amor testemunham essa aprendizagem, tal como as cantigas de escárnio e maldizer mostram a dificuldade do homem peninsular assumir a responsabilidade - a dificuldade em responder pelos seus actos. O homem da cantiga de amigo (o amigo peninsular) parte, sem consciência dos seus actos. Sem dar notícia, deixa a saudade nas ondas, no vento que irrompe pelos pinhais e pelas ermidas...
A assunção da responsabilidade exige que a comunidade não se alheie dos problemas e que não ceda ao capricho da manada...

19.7.06

Cabeças desafinadas...

Neste pequeno mundo harmonioso, em que se cruzam vaidades flamejantes e se disfarçam inépcias, uma pergunta salta violenta:
- Mas então os Coordenadores não têm o direito de votar segundo a sua própria cabeça?
Esta pergunta foi dada como resposta a uma outra pergunta ( a melhor defesa é o ataque!):
- Como que é que os membros de cada Departamento irão reagir perante a decisão dos seus Coordenadores de concentrar numa única cabeça os poderes executivo e pedagógico?
( A sereia começa a embalar-nos com o mote: Governar em dita...dura... dita...dura...)
Esta pergunta, para mim, não é uma questão de retórica. A aceitação passiva desta decisão significa que rejeitamos efectivamente qualquer projecto que ouse apelar à participação da comunidade educativa.
"Quando uma pessoa que organiza e orienta um projecto ou actividade de grupo" - o Coordenador - delega essa competência numa cadeira vazia, essa pessoa, se pensasse pela sua cabeça, deixava, também, vazia, a sua cadeira...

17.7.06

Um corrector esdrúxulo...

Uns preferem o discurso esdrúxulo, outros o discurso descarnado.
Quando a um examinando de poucas palavras sai um corrector esdrúxulo, podemos dizer que está tramado. E se à concisão juntar uma letra miudinha, seca, tímida - reveladora de uma personalidade introvertida - então, não tem qualquer hipótese. O corrector esdrúxulo prefere a letra garrafal, alongada, pronta a derramar-se num infinito oceano lírico...
Hoje, tive a oportunidade de observar como trabalha o corrector esdrúxulo: rejeita a letra miniatural, embora sublinhe zelosamente os grafemas maiúsculos que histericamente se elevam sobre a imaginária pauta; rejeita a brevidade da resposta sem cuidar de lhe interpretar o sentido (o conteúdo?); rejeita a fria e simples enumeração dos traços da personagem; rejeita a resposta crítica do examinando que, seguindo o autor, entende que D. João V teria feito melhor em investir o ouro do Brasil na construção da passarola do que na construção do convento de Mafra; rejeita a competência argumentativa e o espírito de síntese porque o examinando ao expor a tese (no 1º parágrafo) não explicitou que a exploração espacial possa ter resultado da incapacidade dos políticos resolverem os problemas da sua terra. No entanto, o examinando desenvolveu a tese, argumentando que o egoísmo, o desejo de protagonismo, nos levam frequentemente a cortar com os nossos semelhantes, em nome de uma singularidade e de uma superioridade discutíveis.
Esta fobia do corrector esdrúxulo valeu ao examinando uma surpreendente classificação final de 7,5 valores, perdendo, pelo menos, 4 valores.
Uma parte do problema reside precisamente na falta de qualidade das provas de avaliação e na forma arbitrária como são classificadas...
Ora, esta questão só pode ser resolvida no âmbito da formação inicial e contínua dos professores...

16.7.06

Problema II

I - "Há que evitar que aqueles alunos que leram os autores indicados pelo Programa de Português possam ter melhores resultados do que aqueles que se limitaram a preencher formulários, a fazer relatórios, a digitar mensagens electrónicas, a desrespeitar os colegas e os professores, a faltar às aulas, a anular a matrícula. E porquê? Porque os primeiros podem ter memorizado os conteúdos sem nada terem compreendido." (Pensamento cavo do presidente da Associação de Professores de Português)
Na perspectiva deste singular teórico do ensino da língua portuguesa, os autores da lusofonia (poetas, romancistas, dramaturgos, ensaístas) são uma maçada que tolhe a inteligência da nossa juventude.
Tal como as nossas escolas merecem um novo modelo de gestão, a APP merece uma direcção orientada para o ensino e para a aprendizagem da língua (sem escamotear a cultura e a literatura lusófonas!), mais preocupada com a formação dos professores...
Não podemos ignorar que o futuro de Portugal passa pelo território da lusofonia. E só conhecendo a alteridade lusófona, poderemos ser aceites como parceiros na construção do futuro.
II - Retomando o Problema I
Quem é que, desde 1974, recusa que as escolas sejam dirigidas por gestores profissionais, enquadrados por um conselho escolar (pedagógico, técnico e administrativo) que trabalhe para que os alunos tenham efectivo sucesso escolar?
Quem é que, em vez de avaliar e corrigir as causas do insucesso educativo, forçou uma revisão curricular posta em causa desde o início? A quem é que serve a actual revisão curricular?
Quem é que dá a mão a Associações espúrias que, em nome de uma globalização paroquial, aposta num conjunto de competências mínimas que impedem que o aluno tenha sucesso escolar e, sobretudo, sucesso na vida?
Quem é que, nos últimos 30 anos, entregou a formação de professores dos ensinos básico e secundário a instituições incapazes de formarem os seus próprios docentes? A formação de professores foi entregue às Escolas Superiores de Educação que rapidamente ocuparam terenos que não eram da sua competência. Foi entregue a departamentos que germinaram nas Universidades, mas que nunca foram avaliados. A formação, nos dois casos, está entregue a professores que desconhecem o terreno que os formandos terão que pisar. Universidades e Institutos privados 'formaram' milhares de professores, sem qualquer enquadramento legal. Muitos dos formadores não eram sequer profissionalizados. Tal como acontece com os mestrados e os doutoramentos em curso, os candidatos a professores eram admitidos desde que pagassem as propinas - o famigerado auto-financiamento do ensino superior tem vindo a gerar prejuízos incalculáveis para as futuras gerações.
III - Algumas soluções
  • Acabar com a separação entre os ministérios da educação e do ensino superior...
  • Criar gabinetes de estudos no interior do ministério da educação.
  • Mudar o modelo de gestão das escolas, reduzindo as estruturas directivas.
  • Alterar o modelo de formação de professores, criando três ciclos de formação: pré-escolar, 1º ciclo e 2ºciclo; 3º ciclo e secundário; ciclo superior.
  • Apetrechar as escolas com os equipamentos necessários ao funcionamento de cada curso.
  • Não abrir cursos em escolas onde faltem recursos humanos e materiais.
  • Acabar com a promiscuidade entre o ministério da educação, as associações de professores, os sindicatos, as editoras de manuais escolares...
  • Acabar com qualquer tipo de acumulação, remunerada ou não.
  • Diferenciar remuneratoriamente em função dos cargos desempenhados.
  • Criar um modelo de avaliação do docente que tenha em conta o seu estado físico e mental, a sua eficácia pedagógica e não a idade.
  • Evitar todas as medidas avulsas...

14.7.06

O problema

No conjunto, os resultados dos exames do secundário não são "nem excepcionais nem muito preocupantes". Glória Ramalho, Presidente do Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE)
Um novo problema deu à costa: uma boa parte dos alunos não consegue concluir o ensino secundário na 1ª fase e muitos daqueles que o conseguiram não obtiveram os 9,5 necessários para aceder ao ensino superior. No entanto, se para a bem-aventurada Glória Ramalho esta situação não é 'muito preocupante", qual é a origem do problema?
Uma das respostas encontra-se no Ministério do Ensino Superior: O que é que as Universidades públicas e privadas, os Politécnicos, as Escolas Superiores de Educação, os Institutos vão fazer no próximo ano? Fecham as portas, engrossando as prateleiras dos supranumerários?
Inaceitável. A coragem escasseia.
Por isso, já abriu a caça às respostas (bruxas). A óbvia seria o professor. Mas teme-se, no contexto actual, que esse argumento esteja fragilizado. Por conseguinte, ensaiam-se novas respostas: a novidade e a extensão dos programas, os erros científicos e pedagógicos dos manuais, as incorrecções das provas de exame, a arbitrariedade (indisposição?) dos correctores, a falta de aplicação dos alunos...
Em muito pouco tempo, criou-se, na comunicação social, um cenário que potencia a ocultação da incompetência dos ministros, dos secretários de estado, dos assessores, dos directores gerais, dos autores dos programas, dos auditores científicos e pedagógicos, do GAVE, de uma horda de avençados... Perante o problema, o que pensaram todas estas luminárias?
A título excepcional (ou talvez não!), os alunos poderão repetir os exames na 2ª fase e candidatar-se ao ensino superior na primeira época. Como aqueles pretensos atletas que se infiltram na corrida, enganando os juízes de prova...
E porquê? Para não perturbar minimamente os maiores responsáveis pelo fracasso do país e que imperturbavelmente circulam dos corredores das academias para os corredores dos ministérios. Bípedes inteligentes, frequentemente, nem precisam de circular. Jazem, um membro na academia, outro no ministério.

13.7.06

Numa nuvem de poalha...

Desde 1998 que me habituei a observar, logo de manhã cedo, um casal de melros, que saltitavam, indiferentes a quem entrava no vetusto edifício desenhado pelo arquitecto Ventura Terra. Não creio que o casal fosse sempre o mesmo, mas estou certo que a atitude, essa, era (e é) a mesma.
Surpreendentemente, surgiu uma outra ave, de bico forte e curvo, nem sempre negra, mas predadora, que começou a reproduzir-se, de forma intensiva, gerando um bando omnívoro que emite estrategicamente sinais de inteligência, planeamento e comunicação...
Já esta semana, uma dessas experimentadas criaturas sofistas, num golpe de mestre, teve a audácia de se assenhorear do labor de alguns pequenos invertebrados que por ali restam.
( Relembro que o cada vez mais desacreditado S. Freud já explicou que 'um golpe' não é mais do que a repetição do 'golpe original'. Por isso, talvez, ainda valha a pena criar uma «área projecto« cuja única meta estratégica será descobrir o primeiro golpista.)
Mas o mais grave é que esta endémica holopatia alastra das galerias, ladeia os pátios norte e sul, na expectativa de destronar, em 2008 , o arquitecto Ventura Terra.
A entronização decorrerá nas caves e, nesse dia, numa nuvem de poalha, estarão presentes todos os ilustríssimos avoengos de bico forte e curvo, já quase todos negros...
Resta-me, porém, a esperança ( historicamente infundada!) de que não havendo mais presas, o bando levante voo, de vez...

11.7.06

O que é ser experiente?

«O incêndio deflagrara à hora do almoço. Eram cerca de 13h30 e os bombeiros tratavam de apagar mato, caruma, giestas. De repente, a direcção do vento alterou-se e a ordem ecoou:"Para trás!"(...) e os chilenos avançaram no sentido inverso, à frente do fogo."Ouve-se dizer que estes sapadores têm muita experiência", por isso o Sérgio foi com elesPúblico, 11.07.2006
Há séculos que alimentamos a ideia de que o que é estrangeiro é bom, é experimentado. Ou, pelo contrário, ressabiados e xenófobos, condenamos liminarmente tudo o que vem de fora ou vive lá fora. Talvez não valha a pena dar exemplos, mas basta pensar na carga de ambiguidade da palavra estrangeirado para perceber como somos capazes de idolatria ou de persecução de tudo o que não é genuinamente português. Agora, estamos numa fase de alguma idolatração do que é estrangeiro, de quem vive e trabalha lá fora. Veja-se o caso do Scolari, dos jogadores da selecção ou mesmo dos emigrantes - que não dos imigrantes! Defendemos modelos estrangeiros: da Irlanda à Finlândia, resignando-nos, mesmo, à cada vez maior presença espanhola em solo lusitano.
E os sapadores chilenos não escapam a esta presunção de experiência. Há vários anos que a comunicação social dá testemunho da sua presença sem a questionar. Sempre em nome da competência que essa, sim, faltará aos nossos bombeiros voluntários, amadores... No entanto, não é a primeira vez que experimentados (?) bombeiros chilenos morrem nas nossas matas porque não obedecem à ordem de arrepiar caminho.
Quando ignorarmos as coordenadas do terreno que pisamos, não há experiência que nos valha! O chefe dos bombeiros locais que deu a ordem "Para trás!" é bem mais experimentado que qualquer encartado (diplomado) noutras longínquas paragens.
E este fascínio pelo desajustamento, pelo esquartejar do saber acumulado ao longo de muitas gerações, alastra pelo país como o incêndio de Famalicão da Serra.