31.5.17

Sou contra a delação premiada

delação - revelação de crime, delito ou falta alheia, com o fim de tirar proveito dessa revelação.
Sou contra a delação e ainda mais contra a possibilidade da investigação e, sobretudo, do juiz premiarem tal comportamento.
Sempre vi com maus olhos os bufos e os queixinhas e não é agora que vou mudar de opinião, até porque estamos a falar de criminosos, provavelmente de baixo coturno.
(...)
Com tal procedimento, a tabela de valores é desvirtuada a um ponto que não faz mais sentido combater a mentira. 
Sinto que Sócrates, o filósofo, tinha, em parte razão, quando defendia que o homem praticava o mal, pois não sabia o que era o bem. Em parte, pois a causa tem origem naqueles que deveriam investigar e fazer justiça, sem recurso a sabujice.

30.5.17

Se há obediência

Os bastidores agitam-se na procura de soluções para manter o statu quo.
Procura-se uma continuidade indolor, esquecendo os golpes desferidos de forma sorrateira... A intriga rasteira já lá vai!
De qualquer modo, há silêncios que não enganam; há distâncias que, de tão ruidosas, só podem significar assombração...
Ora, se há obediência que não tenho é a de Lázaro que se libertou da mortalha às ordens do Redentor.

29.5.17

O exorcismo

The story of shattered life can be told only in bits and pieces. RILKE

«Ser moral» significa que utilizamos a nossa liberdade para escolher entre aceitar o outro ou negá-lo. 
Negá-lo é, assim, um pecado natural para o qual inventámos um exorcismo: o arrependimento e a redenção. 
Quanto ao pecado nada o pode alterar no que se reporta ao outro. O Outro, vítima silenciada, exterminada... 
E pelo estado do mundo, o exorcismo de nada serve.

28.5.17

Por conveniência ou não

Escrevi, há dias, a propósito de Noite (1955), de Elie Wiesel, que " (nos campos de concentração), Deus deixa de existir"; concluída a leitura, a afirmação parece-me despropositada, pois o que não existe não pode, por conveniência ou não, deixar de existir...
Lá quem ordenava, torturava, fuzilava, cremava, era o homem... É sempre o homem! Mais esperto ou mais boçal, é sempre o homem que é verdugo do outro homem.
De todas as obras que li, até hoje, esta é provavelmente a mais triste e a mais reveladora da condição humana: 
             «Um dia, consegui levantar-me, depois de ter reunido todas as minhas esforças. Queria ver-me ao espelho, que estava suspenso na parede da frente. Desde o gueto que não me via a mim mesmo.
               Do fundo do espelho, um cadáver contemplava-me.
               O seu olhar nos meus olhos nunca me abandona
                                   Elie Wiesel, op.cit)

PS. A leitura desta obra não é recomendada no âmbito do Projeto de leitura do Ensino Secundário! Nem em qualquer outro programa...

27.5.17

Os rostos da Noite

Angola 27 maio de 1977

Notícias de Angola

Os algozes da noite servem-se da ideologia (de qualquer) para dar expressão a um apetite devorador e caminham ao nosso lado como anjos do Senhor.
E o principal instrumento é a permanente deturpação da verdade.

26.5.17

Noite

Pensava eu que tinha sido atirado para a noite e, ao procurar um esconderijo, choquei com Noite, de Elie Wiesel.
Ao entrar na obra, por mais assombrado que me sinta presentemente, dou conta que a minha dor é minúscula se comparada com a Dor vivida, testemunhada e narrada pore Elie Wiesel. Lá é um povo inteiro que é empurrado para o trabalho forçado e para a morte, segundo critérios aberrantes, de que ressalta o da produtividade.
Lá, mais do que a privação, o que é verdadeiramente horrível é a anulação do espaço privado. Lá, de facto, Deus deixa de existir. A própria esperança não passa de uma miragem, de uma alucinação...
O que é extraordinário é que hoje desvalorizamos cada vez mais o espaço privado, matamos a cada instante o sagrado. Não nos importamos de ser robotizados...
Sabemos que vivemos sob ameaça, mas não a valorizamos, mantendo rotinas e, sobretudo, sendo cúmplices dos tiranos que elegemos para nos representar...
Rimo-mos como se tivéssemos razão para tal. Afinal, anda à solta um Presidente americano, a quem só o comércio interessa, o das armas, em primeiro lugar, e que, simultaneamente, chama "maus" aos alemães pelas razões erradas.

25.5.17

Já Camões se queixava...

«Este interpreta mais que sutilmente / os textos; este faz e desfaz leis» Camões, Os Lusíadas, canto VIII, est. 99

A subtileza interpretativa parece ter assentado arraiais nos grandes escritórios de advogados, sempre atentos ao surgimento de algum exegeta mais fino...
Como tal, os juristas parlamentares têm um pé na AR e outro no Escritório. Não todos, apenas os que aprenderam a tresler...
Esta tradição corre sérios riscos pois,  nos últimos anos,  a arte da exegese entrou em crise. Veja-se, por exemplo: a produção inteletual da academia, a vacuidade das homilias e a oratória dos calistos que descem ao Parlamento...
E tudo começa na Escola, onde o jovem se recusa a ordenar os constituintes da frase, a investigar o significado literal e figurado das palavras, a identificar ideias e a hierarquizá-las...
O que ele espera é que alguém lhe dite a resposta para que ele a transcreva, de forma atabalhoada, sem qualquer esforço de compreensão...

24.5.17

Da necessidade do assento e do acento...

Embora ninguém ponha em causa a necessidade de assento, o mesmo já não se pode dizer do acento. Isto de colocar acentos, para a direita e para esquerda, na última, penúltima ou na antepenúltima sílaba é uma maçada... e depois ainda há aqueles poetas, como Camões, que alternam a acentuação heróica com a sáfica... Para quê classificá-los? Para quê justificar as opções?
Afinal, os autarcas só se preocupam com os assentos que vão espalhando pelas aldeias, vilas e cidades, talvez preocupados com o cansaço dos cidadãos ... Interessante seria que dessem mais atenção à acentuação ou, pelo menos, que colocassem em cada assento um desdobrável com a explicação da razão de ser dos acentos gráficos... ou da acentuação dos versos...
Mas sem exagerar! Não é preciso explicar o que são palavras parónimas... Até porque não consta que rendam votos, dinheiro, fama...

23.5.17

O rictus

Nunca soube se o Diabo tem rosto, no entanto, ontem, por um instante, vislumbrei-lhe o rictus: os músculos da face contraíram-se de tal modo que do rosto se elevou um grito tão crispado que me abismou...
E ainda não recuperei dessa aparição que num outro momento, à porta de um cemitério, me deixara interdito, apesar do rictus desse dia se ter mostrado mudo, sem a fulgurância do riso demoníaco...
Há experiências que minam a base de qualquer tipo de razoabilidade e parece que, quando tal acontece, o Diabo se revela...

22.5.17

Mau sinal!

Parece que vai voltar tudo ao normal! Mas o que é que isso significa?
Mais desleixe, mais compadrio, mais porreirismo, mais despesismo, mais oportunismo, mais obscurantismo - ó stôr em que página? em que página?
Há longos anos que o manual fica em casa, fica fechado na mochila, ou se aberto, há sempre a necessidade de repetir a página. Ó stôr, em que página?
Parece que não temos cura, e a lição já é antiga...

(Entretanto, por volta das 12 horas, vi na SIC Notícias um sujeito todo emproado que lia, lia, lia ...só que, felizmente, alguém desligara o som... Pelo que percebi a ladainha prolongou-se pelo menos por vinte minutos.)

21.5.17

A agulha

agulha - alavanca com que se manobra o carril móvel que faz mudar de via (nos caminhos-de-ferro).

Completada a leitura de La mort dans l'âme, de Jean-Paul Sartre, fica-me na memória a viagem de comboio dos prisioneiros franceses que, até ao último momento, acreditavam que o carril móvel lhes seria favorável, encaminhando-os para Châlons e não para Trèves: Trèves en Bochie? (Alemanha ).

Infelizmente, há quem não compreenda que a agulha é essencial para determinar o nosso caminho. Em certos casos, a agulha desapareceu mesmo!
Outros olham com indiferença o carril móvel...

20.5.17

Revolução Barata

Abro uma exceção, a propósito da peça (não-aristotélica) Revolução Barata, do GTESC, pois irei partilhar este apontamento no Facebook, rede social tão do agrado da maioria...
Desta vez, não vou elogiar a qualidade de todos os intervenientes, pois o meu encómio do teatro do dizer cruel é perfeitamente inútil face ao crescendo de linguagens que se foram sucedendo, deixando-me a pensar nos tempos da revolução - os da semiótica do texto dramático do esquecido Osório Mateus, gerada nos idos de Maio de 68...
E como o espetáculo desta tarde provocou em mim uma catadupa de ideias contraditórias sobre a abordagem da violência, não apenas doméstica, e também sobre a eficácia da mensagem quando dirigida a públicos mais novos, permitam-me que cite o advogado do projeto dramático:

 - Ouves o grito dos mortos?
Também eu atravessei o inferno.
                                           Chegava 
a ouvir o contacto das aranhas devorando-se
no fundo. O meu horrível pensamento só a custo
continha o tumulto dos mortos.
Há dias em que o céu e o inferno esperam
e desesperam. Velhos lojistas
olham para si próprios com terror.
Uma coisa desconforme
                                   levanta-se
                                                     e deita-se
connosco.
                  - São outros mortos ainda.
                                                                   Herberto Helder, Húmus (excerto)

O jantar das 20

O jantar das 20 terminou por volta da uma da manhã. Na verdade, adormeci antes do términus... Felizmente!
Nas últimas horas, tudo tem estado tranquilo. Até a Sammy evita mexer-se; só os mandarins se agitam uma vez por outra, como acaba de acontecer...

(Num 12º andar. A Casa da Achada ficou para trás. Vamos ver o que acontece ao GTESC. Para tudo, há sempre uma primeira vez!)

19.5.17

Enlouqueci

Já são 22h20, o jantar espera há duas horas.
O que interessa é que o Marcelo está na Croácia! Que alguém se atirou de uma ponte... Que o cantor se enforcou no hotel... ou, talvez, a polícia se tenha enganado, voluntariamente, vá lá saber-se...
O que interessa é o tamanho dos cabelos, a cor dos olhos.
Se os cabelos forem pretos não serão nacionais nem europeus! Provavelmente, chineses.
Até o restling se mistura com o cancro, hereditário ou não...

O que interessa são as recordações em ouro, prata e outras ligas menos valiosas. E depois, há o tamanho! Sobretudo, miniaturas.... Quanto às pessoas, só depois de mortas, angelicais e, ao mesmo tempo, vítimas...
Quanto às outras pessoas, se vivas, melhor seria que fossem todas mudas e validas em estado de prontidão...
Num blogue, até o delírio das mamas altas ( implantes mamários) pode ser registado, sem esquecer os suicidas de todas as ilhas e continentes...
Agora que são 22h34, o jantar ainda continua à espera de apurar se, afinal, o cantor se enforcou ou deu um tiro nos miolos, depois do concerto...
A notícia aquece e arrefece quase tantas vezes como o jantar. Ou será ao contrário? 
Despeço-me que, depois da Madona, vem aí a  Shakira!

Às vinte em ponto

Às vinte em ponto, o telefone tocou, mas o destinatário mostrou-se indisponível, deixando-me o encargo de colher a mensagem, simples de registar: reduzir significativamente a dose de venlafaxina (de 225 para 75 mg) e inviabilizar a utilização do respetivo genérico...
A recusa mais não é do que a confirmação do estado de perturbação em que o destinatário se encontra, pois passou de profunda disforia  a uma situação de hiperatividade frenética desproporcionada e irrealista - transtorno bipolar...
Após a consulta telefónica, seguiu sms com a indicação de todos os medicamentos (e não só!) tomados diariamente, pois aquilo que mais me preocupa é a toma de betametasona, em gotas, pela facilidade da sua aplicação tópica...

(Pode viver-se em silêncio, o problema, contudo, agrava-se quando a memória se degrada.)

18.5.17

Quando o telefone toca

O telefone tocou, mas era apenas para assinalar a chegada à porta de casa, e para pagar o táxi. Melhor assim! À hora de ponta, é preferível não descer à plataforma repleta de gente apressada e mal-humorada.
Hoje, espero que o telefone volte a tocar e que, do outro lado, se faça ouvir uma voz autorizada, que dê instruções ajustadas.
Há, no entanto, um escolho: o destinatário, embora não saiba que o telefone vai tocar às 20 horas, já ameaçou desligá-lo.
Entretanto, informo o leitor eventual que doravante deixarei de encaminhar estas postagens para o Facebook.

17.5.17

Temo que o telefone toque

Não é só quando a noite cai que os impulsos se descontrolam. Ultimamente, saltam dos álbuns para as redes comunicacionais e de transporte. Dão infinitas voltas, até que, no regresso a casa, crescem no silêncio e impõem-se muito para além da razoabilidade humana... Há quem lhe chame violência doméstica, eu prefiro ficar-me pelo descontrolo emocional, embora desconheça o alcance das emoções...
Na hora de ponta, temo que o telefone toque. Afinal, em cada esquina vive uma infinitude de emoções capaz de provocar, a qualquer momento, uma convulsão...

16.5.17

O açafrão e a canábis num tribunal de Aveiro


"É verdade que fizemos a plantação, mas não foi nada planeado", disse a mulher, adiantando ainda que na primeira vez foram enganados por um cunhado, que lhes terá pedido um terreno para plantar açafrão. Perante o julgamento, a arguida adiantou que tudo se descobriu após um ‘vendaval’, a estufa terá caído para o terreno de um vizinho e o cunhado ficou muito 'aflito'.Um casal empreendor, mas ingénuo

Gosto do história do casal condenado a prisão efetiva, vítima de um vendaval e sobretudo, no dizer da senhora, de um cunhado. E também aprecio que o vizinho agricultor de 71 anos, já experimentado, também tenha sido condenado. Só não percebi o que é que aconteceu ao cunhado... 
O advogado de defesa só podia encontrar atenuantes, argumentando que "eles não são nenhuns profissionais do crime". Concordo. Só que me parece que eles revelaram pouco profissionalismo ao não distinguirem os cormos do açafrão da semente de canábis.

Por outro lado, o acórdão parece-me bastante rigoroso e em conformidade. A juíza-presidente, durante a leitura do acórdão, disse que ficou provada “a generalidade” da matéria de facto que constatava a acusação.
A generalidade? Então não foi por causa da generalidade que o casal confundiu a canábis com o açafrão?

15.5.17

Marcelo, o pedagogo, disserta sobre Álvaro Cunhal e a Democracia

O Senhor Presidente da República deslocou-se esta manhã à Escola Secundária de Camões, onde deu uma aula sobre Álvaro Cunhal e a Democracia
Perante uma repleta e atenta plateia de alunos e professores, o professor Marcelo Rebelo de Sousa traçou o retrato político do antigo aluno do Liceu Camões, à semelhança do que já fizera com outros "pais da democracia" - Francisco Sá Carneiro e Mário Soares. (Até ao final de Maio, completará a iniciativa com Diogo Freitas do Amaral.)
Porque entende, à semelhança do que praticara Álvaro Cunhal, que a função do homem político é, entre outras, pedagógica, o  Presidente decidiu fazer este périplo pelas escolas secundárias (antigos liceus), pois considera que elas dão um importante contributo para a formação de todos aqueles que se entregam à causa política, independentemente da opção de cada um.
Da ação de Álvaro Cunhal, o Presidente destacou duas fases: antes e depois do 25 de Abril de 1974. Na primeira, referiu a frequência do ensino doméstico em Seia e posterior entrada no Liceu Camões em 1924, onde terá evidenciado profundo apreço pela nova política russa, revelando cedo a sua oposição à ditadura militar de 1926... Entrou em Direito com 17 anos... Em 1934, foi eleito representante dos estudantes no Senado da Faculdade. Em 1935, já era o líder da Juventude comunista, na clandestinidade (...). Entretanto foi preso, tendo concluído, com distinção, a licenciatura, em 1940, com a defesa de uma Tese sobre "O Aborto: Causas e Soluções"... Entre 1949 e 1960, esteve ininterruptamente preso, passando 8 anos em regime de isolamento, acabando por se evadir, refugiando-se em diversos países europeus, só regressando em 1974. Em 1961, foi eleito secretário-geral do PCP, cargo que ocupou até 1992...
Depois do 25 de Abril, o resistente antifascista manteve os ideais da juventude, sabendo gerir os percalços da democracia, mesmo que esta se viesse a afirmar como um retrocesso revolucionário e, sobretudo, viu-se forçado a assistir ao desmoronamento da União Soviética...
De Álvaro Cunhal, Marcelo traçou o retrato de um homem culto, disciplinado, duro, com quem apenas dialogou duas vezes, de forma breve, resistindo a pronunciar-se sobre a pessoa na intimidade porque, na verdade, nunca com ele privou.
Claro que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa abordou muitos outros aspetos da vida portuguesa pós-25 de abril, fazendo-o com a discrição e a elegância próprias de um príncipe florentino..., se excetuarmos as selfies.

14.5.17

Em suspensão...

"Cada pessoa tem o seu problema." Salvador Sobral
Gosto da forma assertiva do Salvador Sobral, pois ele parece lidar com um problema tão nuclear que todos os outros se tornam insignificantes ... Há algures uma sereia que o arrasta, perigosamente.
Essa sereia também nos encanta, só que, no meio da diversidade dos nossos problemas, torna-se de tal modo inaudível que nos arriscamos a soçobrar sem apelo...
Salvador, um pouco como Ulisses, concentra toda a sua energia em captar e incorporar a melodia, sem deixar de estar acorrentado ao mastro primordial.

Nós, pretensamente, libertos das correntes, continuamos no reino da crença e da magia, à beira do precipício, como se o dia seguinte pudesse ser igual ao anterior, suspensos... 

13.5.17

Estado de alma

A festa saiu à rua!
Veio o Papa, o povo cristão desenfadou-se da tristeza: cantou, acenou, chorou e voltou a casa, convencido de que a aurora de amanhã lhe sorrirá...
O Benfica ganhou o tetra e já sonha com o penta para melhor humilhar os rivais...
E ainda não conhecemos o resultado do Salvador, mas dele só podemos esperar a vingança das derrotas acumuladas desde que existe eurovisão...
Por mim, todo este frenesim me cheira a alienação, pois esta massificação das vontades traz-me à memória outro tempo, o das catedrais, mas pode ser que o bulício me tenha provocado tal confusão mental, que eu esteja totalmente errado, ou como Sartre (La Mort dans l'âme) escreveu certo dia:

                             Quand on ne fout rien, on a des états d'âme, c'est forcé.

12.5.17

Só quer ser pastor...

Desconfio que só quer ser pastor quem o não é...
Por exemplo, Fernando Pessoa, que nunca guardou rebanhos, gastou a vida a ordenhar ideias, secando-as em tábuas de fingidas sensações. Até o sino da aldeia lhe surgiu no timbre do badalo, porque de chocalho nada entendia...
O que ele nunca soube é que, para além do rebanho interior, dele nasceria outro rebanho pronto a deixar-se conduzir pelos caminhos...
Em tempos ainda pensei que poderia ser pastor! Felizmente, faltou-me o rebanho... 

Dentro de poucos minutos, aterra em Monte Real o Pastor dos pastores. Não sei se ele terá algum dia guardado rebanhos, desconfio, contudo, que só a tenacidade o faz andar pelos caminhos... desta vez, da Serra de Aire... A única serra onde eu poderia ter sido pastor...
 

11.5.17

Perder a paz

"- Qu'est-ce qui sera difficile? - De nous donner une conscience. Nous ne sommes pas une classe. Tout juste un troupeau." Jean-Paul Sartre, La mort dans l'âme. Folio, pág. 271.

Contexto:  a verrerie de Baccarat transformada em campo de concentração (ainda no sentido literal) de soldados franceses na França derrotada pelos alemães em 1940.
Os soldados derrotados e desmoralizados esperam, assinado o Armistício de Compiègne, poder regressar a casa, embora não saibam como - a desonra condena-os ao mutismo...
Submissos e subservientes aceitam incondicionalmente a ordem alemã. Não compreendem como é que os vencedores de 18 se transformaram nos vencidos de 40...
Há, contudo, quem coloque a pergunta determinante: "Tu pourrais peut-être nous expliquer pourquoi que vous avez perdu la paix?" (ibidem, 268)

Perder a paz! Sim, esse é que é o grande perigo! (Claro que ainda continua a haver quem aconselhe: Si vis pacem, para bellum! / Se queres paz, prepara a guerra!)

Como, infelizmente, em tempo de paz abdicamos da consciência, mais não somos do que rebanhos dispersos pelas pradarias da vaidade, da inveja, da ostentação e da soberba.
O paradoxo é que são muitas vezes as mesmas ovelhas que se movem ritualmente em ondas de apelo à paz sob a condução do Pastor do Momento...

Afinal, faltou o anestesista

Afinal, faltou o anestesista!
O doente (in)paciente foi internado de véspera; estava tudo assegurado... Hoje, pelas 9 horas, teve alta.
Tudo em nome do direito à greve!

Quanto aos doentes, parece que só têm o direito de sofrer ou, em alternativa, de ir a Fátima...

10.5.17

Também é difícil...

Também é difícil passar meses à espera de uma intervenção cirúrgica considerada urgente, vê-la marcada para uma data em que já há pré-aviso de greve, não receber qualquer confirmação da sua realização ou do seu adiamento, ter de se deslocar para internamento... e ficar à espera até que algum funcionário mais zeloso possa esclarecer o paciente...
De qualquer modo, esperemos que o funcionário não seja enfermeiro, pois também este pode adiar o esclarecimento por ter iniciado greve de zelo por tempo indeterminado...

9.5.17

É difícil...

É difícil ajudar as pessoas, quando elas não querem que as ajudemos. Também é difícil ajudá-las quando a simpatia por elas diminui. E, provavelmente, a simpatia extingue-se à medida que perdemos a paciência...  Dir-se-á que a simpatia começa a desaparecer quando a autossuficiência se evidencia na relação diária e até ocasional.
Como reação, cria-se distância, o discurso torna-se cortês, como que a nos resguardar de uma súbita invasão do espaço pessoal - a zona de conforto que, também ela, varia de indivíduo para indivíduo, sendo essa diversidade propícia ao atrito manifesto ou latente...
Ultimamente,  avolumam-se os atritos manifestos, porque o tempo de adaptação diminui drasticamente... apesar de nos sentirmos forçados  a ser corteses com quem não simpatizamos, gerando, deste modo, relações artificiosas e postiças.

8.5.17

Cá nesta Babilónia...

Nesta Babilónia, qual é a versão que corresponde ao texto deixado pelo Poeta?
 (ver soneto Cá nesta Babilónia, donde mana)

cá, onde o mal se afina, e o bem se dana,
e pode mais que a honra a tirania;
cá, onde a errada e cega Monarquia
cuida que um nome vão a desengana;

cá, neste labirinto, onde a nobreza
com esforço e saber pedindo vão *
às portas da cobiça e da vileza;
Camões, Luís de, 1994. Rimas, Coimbra: Almedina


Cá, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia 

Cuida que um nome vão a Deus engana;

Cá, neste labirinto, onde a Nobreza, 

O Valor e o Saber pedindo vão 
Às portas da Cobiça e da Vileza;
http://www.portaldaliteratura.com/poemas.php?id=624


* A ideia de que a Nobreza se preocupava com o Saber não se ajusta ao modo como Camões a retrata na epopeia.


CXCIV

Cá nesta Babilônia, onde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
Cá onde o puro Amor não tem valia,
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;

Cá, onde o mal se afina, e o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;

Cá, neste labirinto, onde a Nobreza
O Valor e Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza;

Cá neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!

© LUIZ VAZ DE CAMÕES
In Obras de Luíz de Camões (Vol. II), 1861
Pelo Visconde de Juromenha



SALMO 137

Às margens dos rios de Babilônia, nos assentávamos chorando, lembrando-nos de Sião.
 Nos salgueiros daquela terra, pendurávamos, então, as nossas harpas,
 porque aqueles que nos tinham deportado pediam-nos um cântico. Nossos opressores exigiam de nós um hino de alegria: Cantai-nos um dos cânticos de Sião.
 Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor em terra estranha?
 Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que minha mão direita se paralise!
Que minha língua se me apegue ao paladar, se eu não me lembrar de ti, se não puser Jerusalém acima de todas as minhas alegrias.
 Contra os filhos de Edom, lembrai-vos, Senhor, do dia da queda de Jerusalém, quando eles gritavam: Arrasai-a, arrasai-a até os seus alicerces!
Ó filha de Babilônia, a devastadora, feliz aquele que te retribuir o mal que nos fizeste!
 Feliz aquele que se apoderar de teus filhinhos, para os esmagar contra o rochedo!


7.5.17

Désarroi

«Cent persiennes closes; un perron de trois marches accède à une porte cadenassée. À gauche du perron, à deux mètres de la caserne, on a édifié un petit rempart de briques haut d'un mètre et long de deux, Brunet s'en approche et s'y accote. La cour s'emplit, un courant continu tasse les premiers arrivés les uns contre les autres, les plaque contre le mur de la caserne; il en vient, il en vient toujours; tout d'un coup les lourds vantaux du portail tournent sur eux-mêmes et se ferment.»Jean-Paul Sartre, La mort dans l'âme, page 262, folio.

Este é um daqueles dias em que as luzes parecem extinguir-se. Provavelmente, muito franceses, confusos, não foram votar porque deixaram de acreditar na classe política - naqueles homens e mulheres que insistem em celebrar "os caminhos da liberdade", mas que tudo têm feito para os bloquear.
Este é um daqueles dias em que a França desrespeita os seus filhos, ceifados em guerras inúteis.
Este é um daqueles dias em que a razão se pode revelar efémera, pronta a cair às mãos de hordas irracionais que vão alastrando um pouco por toda a parte... e que avançam de olhos postos num qualquer milagre. 

6.5.17

Arrendatários

Amoreira na Praça do Império
Tudo se encaminha para que não passemos de arrendatários em risco. Se não pagarmos pontualmente a renda, seremos eliminados e, pior ainda, os nossos produtos serão riscados do mundo das coisas.
Somos de tal modo codificados, que, algures, um robot pode desligar-nos sem aviso prévio. Por vezes, parecemos a formiga que calcamos inadvertidamente e que, sem remorso, sacudimos da sola do sapato...
A desumanização está em curso! Talvez seja por isso, dizem, que há tanta gente voltada para Fátima, embora desligada de Deus.

5.5.17

Comé qui vai a moenga?

A bola salta, ressalta e ainda atrapalha. Imóvel, espera a batida. Incongruente, pois a espera não é propriedade da bola! Por isso, metáfora de uma vida determinada por pulsões alheias, frequentemente de uma severidade extrema...
Felizmente, a bola não tem coração, o que a não impede de esvaziar-se e, se velha, transformar-se em meia usada em vez de trapo.
Na outra vida, a bola era, por vezes, bexiga de suíno, só que quando ressaltava não atrapalhava...

4.5.17

Pôr trancas à porta...

Quando o Salazar chegou ao poder ele criou o nome ditadura nacional e não era nada insultuoso. É bom que se tenha isto como claro. Esta história de que a democracia é uma coisa infalível, que não termina, não é verdade. Vejam o que está a acontecer na Turquia (…) Para termos a nossa soberania económica, na segurança, podemos ter que precisar de ditaduras. Rui Moreira

Pôr trancas à porta não é a melhor solução, sobretudo quando faltam os recursos próprios e os salteadores intestinos se multiplicam, sem esquecer o colossal endividamento...
Esta situação é ainda mais gravosa quando insistimos em ignorar ou em imitar o que se passa em  Inglaterra ou em França, países com muito maior capacidade de resistência à força da globalização...
Os pequenos países e os muito endividados são as maiores vítimas deste jogo entre economias abertas e economias fechadas.
A ideia de que os resultados a curto prazo da economia nacional são indicadores capazes de aferir da justeza das opções políticas é uma insensatez.
Entristece-me que haja por aí tantos portugueses fascinados com o Brexit ou com a senhora Le Pen... Assim, como vejo com maus olhos o favorecimento do corporativismo pacóvio e bafiento.

3.5.17

Pour Macron

Débat
La France mérite mieux que Marine Le Pen... mérite mieux que le retour du fascisme. Et nous aussi!

Na mesma indefinição

Se ontem não sabia o que pensar, hoje continuo na mesma indefinição. Entretanto, deixei-me consultar por um pneumologista ( pensava eu que era de medicina interna, se tal existe!)
O senhor solicitou-me uma "abordagem subjetiva" dos meus problemas, quando eu desejava que ele apreciasse os relatórios e os resultados das análises, avaliou o tamanho do pescoço, perguntou-me se eu roncava, certificou-se da minha idade e adiantou: - há 50% de hipóteses de eu acertar no diagnóstico, por isso o melhor é o senhor começar por se sujeitar a uma polissonografia no Hospital da CUF Restelo, que a ADSE comparticipa... 
A partir daí, a conversa já foi com o computador, pois este, enfadado, colapsou... Quanto ao baixo valor da vitamina D, lá foi acrescentando que, na realidade, o resultado era baixo, embora não fosse nulo(?) e que me ia receitar um produto que já tomara certamente na infância... Ainda pensei que fosse óleo de fígado de bacalhau!
Mas não! Era vigantol, 4 gotas /dia...
Em termos de subjetividade, já não sei quem leva a palma - se o médico... se o paciente!

2.5.17

Não sei o que pensar

Depois do pico polémico nos mass media e nas redes sociais em torno da cientificidade dos valores de referência da Vitamina D - 25 - OH - Vitamina D Total, que me deixou descrente visto que os kits utilizados na avaliação de amostras do mesmo sangue fornecem dados muito distintos, acabo de ser contemplado com o seguinte resultado: 9 ng/ml, considerando o Laboratório como valores de referência atualizados a 26/04/2017 de acordo com novos dados bibliográficos: 9,7-39,6.

Se bem entendi, a minha deficiência de vitamina D é severa! Mas será?
Nesta situação, proponho que os resultados das análises a que nos vamos sujeitando venham acompanhados de bibliografia devidamente atualizada. Eu, por mim, estou pronto a lê-la.

Vitamina D

1.5.17

No dia do Trabalhador

Não se pode dizer que no Dia do Trabalhador ainda não tenha feito nada. Ora vejamos! Entre as tarefas domésticas: despejei a máquina de lavar-loiça, enchi a de lavar-roupa; fui à mercearia, comprar, entre outros produtos, feijão verde que já preparei e que já está pronto a comer. Em termos sociais, dei uma olhadela às redes, onde encontrei ex-alunos e colegas - um deles, ufano, por se dedicar à recolha de microplásticos numa praia do Oeste luso; outro, fotógrafo da natureza quotidiana, partilhou uma imagem de moinhos, não os de vento de que será proprietário, mas dos outros, da energia alternativa... Tudo isto, à sombra de uma ideia, a de que o obsessivo e minucioso Kafka não terá dada conta deste lado tão doméstico e prosaico do trabalhador...
E acrescente-se que, por um impulso pouco habitual, decidi comprar o DN de ontem, onde, numa leitura global, já encontrei uma ideia que me deixou a pensar: todos temos o direito a errar, e isso não deve impedir-nos de procurar atingir os nossos objetivos, mesmo se contrários aos interesses de muitos outros, como poderá ser o caso daquela senhora francesa que agora se chama apenas Marine, e antes se orgulhava de ser Le Pen. Leonor Beleza dixit.
Vou interromper para ir tomar um café... pode ser que ainda volte ao assunto!
(...)
Afinal, o destino foi Moscavide, o que me obrigou a 35 minutos de marcha acelerada, com regresso à Portela, e passagem pela drogaria (CCP) para adquirir forra-fogão e anti-traças (2 de cada) no valor global de 11, 20 €, preço bem inferior ao do Continente, do Pingo Doce e do Suportel... e claro a uma nova ideia adequada ao Dia do Trabalhador: os sem abrigo, os sem trabalho, os precários são pessoas que não podem errar: isto é não podem comprar o DN do dia anterior, nem tomar café e, sobretudo, forrar o fogão (que não têm), nem comprar anti-traças, pois a roupa é mínima e quanto a livros, o melhor é nem pensar nisso.
E para terminar, em vez de participar nas manifs, vou regressar à leitura do romance de Jean-Paul Sartre "La mort dans l'âme", onde o domingo parisiense pode ser a semana inteira, basta que os alemães invadam a capital e os intelectuais se consolem com a ideia da construção dos Estados Unidos da Europa... encabeçados pela bota germânica. Quem diria?
E claro, amanhã, volto às intermitentes aulas, e prometo, desde já, não falar destas ideias... deixo-as para o Presidente que um destes dias nos irá visitar... com muito afeto e espalhafato...
E já me esquecia do esparguete tricolor ao lume... é que 5 minutos bastam, tal como esta prosa!