31.10.15

Da legitimidade


«A legitimidade, seja como instituto jurídico ou como um fenômeno social, não é qualidade do sujeito, porém, mais propriamente, de sua atuação.» http://jus.com.br/artigos/19278/o-conceito-de-legitimidade

No jogo democrático, os partidos de esquerda podem inviabilizar o Governo da Coligação de direita. O quadro constitucional permite tal decisão, e o Governo indigitado só pode aceitar, já que Passos não foi capaz de estender a mão ao PS, ainda antes das eleições...

A questão da legitimidade da esquerda vai colocar-se no dia em que esta formar governo e apresentar e aprovar o programa e o orçamento. 
A legitimidade será posta à prova no dia seguinte. A atuação do Governo de esquerda, para se legitimar aos olhos dos portugueses, precisa de ser consistente e cumprir rigorosamente o programa e o orçamento que tiverem sido aprovados. 

Qualquer incumprimento condenará esta nova esquerda à perda da legitimidade por longo tempo... Os portugueses já mostraram que gostam de gente cumpridora...

30.10.15

O homem que quis ser rajá

Julião Quintinha, em Novela Africana (1933), reúne várias estórias, designadamente Como se faz um colonial, mas aquela que, pela sua atualidade, desperta mais a minha atenção é O homem que quis ser rajá
Para um melhor conhecimento da vida e obra de Julião Quintinha, recomendo a consulta de: http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/2497.html 

Neste blogue é feito o elogio da estória A paixão da «balanta», mas nada é dito sobre O homem que quis ser rajá
Ao ler essa estória, não pude deixar de pensar em certas personagens que nos infernizam os dias. 
Lembrei-me, por exemplo, de Duarte Lima, embora o excêntrico protagonista - Sérgio - fugisse da violência e, sobretudo, pensei em Sócrates que faria bem em verificar se, afinal, o seu verdadeiro objetivo não é ser rajá. 
A verdade é que as extravagâncias de Sérgio levaram-no à cadeia por se ter deixado conduzir por um conceito de vida totalmente irrealista, acabando, no entanto,  como um homem de tal modo rico que podia dar-se ao luxo de produzir e realizar um filme sobre "o homem que quis ser rajá"- sobre si próprio.
(...)
O facto de ter escolhido Duarte Lima e Sócrates como exemplos de homens que sonham ser rajás, não significa que eles sejam casos singulares...

Nota: rajá - rei ou príncipe indiano. Claro que Julião Quintinha lera Pierre Loti e Eça de Queirós. Temática: Orientalismo. Entretanto, o grande Rajá do reino de Portugal deu posse ao XX Governo constitucional, chefiado por um certo Passos... 

29.10.15

A seleção é de Mário Cesariny

A seleção é de Mário Cesariny, mas o aforismo é de Teixeira de Pascoaes:

«Lá em cima, o sonho dos poetas, as atitudes sublimes d' uma Raça, a luz astral; - cá em baixo, a ação criminosa dos políticos, lama e sangue.» Teixeira de Pascoaes, Aforismos, pág. 20, Assírio & Alvim, 1998

Desculpemos a Raça, e tudo faz sentido: os políticos e respetivas famílias enriquecem tão subitamente que o melhor seria entregar o poder aos inocentes.

O problema é que «a inocência é a aurora do crimeIbidem, pág. 22.

28.10.15

A austeridade e as unidades de gestão

(Confrange que haja cada vez mais pesos e mais medidas. A burocracia só é vencida quando alguém descobre que tem alguma coisa a ganhar.)

Uma das formas de impor a austeridade é entregar a burocratas a gestão dos serviços. Ora estes burocratas são, na maior parte,  dos casos formados nas faculdades de gestão, de administração, de economia, sem esquecer os que cursaram direito, relações internacionais, partidárias e sindicais... E até há burocratas formados em teologia!

O cidadão é simpaticamente informado que dentro de 270 dias será operado e qualquer esclarecimento deverá ser solicitado à Unidade Hospitalar de Gestão de Inscritos para Cirurgia (UHGIC)...
Em regra, acontece que o cidadão, graças à austeridade, já só consegue o diagnóstico em estado avançado da doença. Por momentos, sente-se, apesar de tudo, feliz: vai ser operado... 
Só que um mês mais tarde, recebe a cartinha a informá-lo que, caso ainda esteja vivo, será operado num prazo de 270 dias... 

Muito eu gostaria de saber quantas Unidades de Gestão foram plantadas neste inefável país!

27.10.15

Dois Papas

Ouvi dizer que na próxima 6ª feira, ao meio-dia, o Presidente vai dar posse a um novo governo cuja sentença de morte já foi proferida. Entretanto, o Presidente partiu para Itália, porque há que honrar os compromissos com os outros, que não com os Portugueses...

Só num país falido é que tal desperdício é possível! 

Consta, também, que são criados dois novos ministérios e que há indivíduos que aceitam tomar posse só para fazer currículo... Há, no entanto, quem afirme que o fazem por "amor pátrio"... Eu nem sabia que tal tipo de amor ainda existia!

Por outro lado, parece que o Governo, que há de suceder a este que não sabe se o próximo ato será de núpcias ou de trasladação, está a ser forjado em torno da ideia peregrina de que os compromissos são para respeitar.

Desde quando é que os Governos respeitam os compromissos?

Parece que estamos como na Idade Média! De um lado, o Papa de Roma; do outro, o de Avinhão! 
À época, quem saiu a ganhar foi D. Pedro I, amicíssimo da arraia-miúda... 

26.10.15

Origem obscura

Não sei se ainda é hábito consultar o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, num tempo em que a matriz da língua anda pela rua da amargura, eu, contudo, acabo de espreitar a origem de "caruma": origem obscura.
Conformado com a obscuridade da génese, entendo melhor o destino da caruma: arder em lume mais ou menos brando, até se extinguir definitivamente.
Por um tempo, quando as pinhas se abrigavam sob as agulhas, a caruma ainda se imaginou pinheiro capaz de suster as areias, inibindo o oceano de avançar,  mas esse sol foi de pouca dura e o suficiente para a derrubar...
(...)
Estou aqui a ordenar livros, abro-os, limpo-lhes o pó, registo-os, chego mesmo a interromper a tarefa para deles ler alguns parágrafos, verbetes, porém sinto-os vazios, ignorados, derrubados... 
Não posso deixar de pensar se eles, em certos dias, não se terão imaginado pinheiros ao sol, capazes de suster o avanço da estupidez... E tenho pena deles, pois temo que não tenham futuro, a não ser o da caruma...

25.10.15

As pequenas extravagâncias de Vila Velha de Ródão

Ele entra com o olhar do ingénuo que não distingue o bem do mal, que considera natural colher o que está à mão. 
Dirige-se à plateia cheia de amigos incondicionais e explica-lhes que a justiça há muito deixou de ser cega, que a justiça o obriga a explicar uma extraordinária lista de despesas, sem o deixar consultar o bloco de notas onde foi anotando as pequenas extravagâncias...
Não entende como é que num estado de direito há escutas telefónicas que a justiça e a comunicação social utilizam para o vexar, para lhe coartar a liberdade, para o inibir... só porque todos sabem que ele nunca se inibiu de fazer o que lhe apetecesse - de ser um homem livre!

Ali, no torrão natal, ele relembra que está na posse de todos os seus direitos e que podem contar com ele para regressar à vida política... Lutará com todas as forças por um país em que as pequenas extravagâncias deixem de ser questionadas, em que as contas sejam pagam pelos amigos ou, em último caso, sejam totalmente esquecidas... 

24.10.15

Sim, queria trabalhar! Mas aonde?!

«Sim, queria trabalhar! Mas aonde?!... Estava cansado de procurar, de pedir, e ninguém lhe arranjava nada, nem mesmo mísero emprego público. Bem se importavam que seu pai tivesse morrido em África, lutando pela Pátria, ou que ele mostrasse os seus papéis de jovem combatente!...
Sim, ele desejava trabalhar! Mas como se não encontrava trabalho?! E nisto tinha razão o pobre moço. Afinal, ele outros jovens da sua idade expiavam consequências duma situação que não haviam criado. Sem preparação prática para a vida, sem responsabilidades na crise, sem haverem partilhado do regabofe, eram lançados num inglório destino. Constituíam essa geração de sacrifício que engrossava a vaga de miséria que rolava pelo mundo, atroando às portas das cidades seu clamor de justiça - famintos de pão e de alegria, chorando, numa raiva sagrada, a desdita da sua inútil mocidade...»  Julião Quintinha, Novela Africana, 1933.

Este excerto, deliberadamente descontextualizado, até porque integra o capítulo Como se faz um colonial, surge aqui para provar que a atual situação nada tem de inédito e, sobretudo, que a eventual mudança política só terá sucesso se conseguir acabar com o regabofe e criar condições para que o trabalho não falte a ninguém.

23.10.15

As ilusões do Presidente

«Minha imparcialidade se torna mais fácil para mim na medida em que conheço muito pouco a respeito dessas coisas. Sei que apenas uma delas é certa: é que os juízos de valor do homem acompanham diretamente os seus desejos de felicidade, e que, por conseguinte, constituem uma tentativa de apoiar com argumentos as suas ilusões.» Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização, pág.111, Imago editora, Rio de Janeiro.

O Presidente da República argumenta como se conhecesse os caminhos da felicidade que o País deve trilhar, independentemente dos desejos de uma parte significativa do povo. 
Os indivíduos que constituem essa parte da população não contam, como acontece com todos aqueles que não votaram ou os que vivem na precariedade, sem esquecer os condenados a emigrar...
A leitura que o Presidente faz do voto popular não é muito diferente daquela que era feita pelos Reis, desde a perda do Brasil, ou pelos Presidentes da República que o antecederam: os indivíduos devem sacrificar os seus desejos de felicidade (mesmo se ilusórios) à felicidade da Pátria.
Uma Pátria madrasta!

A verdade é que este Presidente sempre foi um "Velho do Restelo" que, depois de ter desmantelado as frágeis forças produtivas do País, se vem dedicando a admoestar os cidadãos, sem se dar ao trabalho de lançar qualquer semente à terra por mais árida que ela possa ser.

Por mim, vou me habituar a viver sem Presidente. É esse o meu desejo mais profundo: ser capaz de viver sem Presidente da República.


22.10.15

Se entronizamos a mediocridade...

«Se entronizamos a mediocridade, que nada tem de áureo, como esperar que os autênticos padrões de valor sejam reconhecidos e respeitados? Ao elevarmos tudo ao nível da consagração, não estaremos antes nivelando... por baixo?» José Rodrigues Miguéis, O Espelho Poliédrico, Aforismos  & Venenos de Aparício (IV), pág. 313, Estúdios Cor, 1972.

Em 1972, José Rodrigues Miguéis, escritor mal-amado, talvez pela sua vertente 'estrangeirada' ou, simplesmente, por desleixe e ignorância de quem "gere" a cultura portuguesa, insurgia-se contra a mania da entronização da mediocridade.
(Por uma razão que desconheço sempre valorizámos a 'mediania dourada' / 'aurea mediocritas'.)

Felizmente para ele que se ausentou deste reino onde existem tantos tronos que deixámos de saber quem nos desgoverna!
No essencial, o anonimato de J.R. Miguéis é fruto da mesma preguiça atávica que leva, por exemplo, os "bons alunos" a ignorar a exigência de apresentação, a tempo e horas, de um rascunho orçamental às instâncias europeias.
Em princípio, o 'bom aluno' deveria ser aplicado, responsável e cumpridor...

21.10.15

O discurso indireto não é fiável

«O discurso indireto não é fiável.»
Este pequeno enunciado tem vindo a assombrar-me, de tal modo que decidi contextualizá-lo. Em primeiro lugar, descobri que a autora de tal ideia é a lexicógrafa e semióloga francesa Josette Rey-Debove (1929-2005).

Na obra Le Métalangage, Armand Colin, 1997, Josette Rey-Debove considera o discurso indireto como infiel, pouco verdadeiro, desorientador, incapaz de dar a conhecer o que foi dito, função que só pode ser assegurada pelo discurso direto. E acrescenta ainda que o discurso directo não passa de uma 'tradução' e coloca todos os problemas ligados à significação da enunciação, à sua interpretação, à sua reformulação (contração e amplificação). 

No tempo em que a opinião é construída pelo comentador, convém não esquecer que os enunciados deste são pouco fiáveis, porque, afinal, mais não são do que traduções / traições de uma voz que não sabemos o que é que efetivamente terá pensado / dito.

Na comunicação como na acção, o melhor é não deixarmos as palavras por mãos alheias...

20.10.15

O narcisismo das pequenas diferenças

«Não é fácil aos homens abandonar a satisfação (...) da inclinação para a agressão. Sem ela, eles não se sentem confortáveis.» Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização, pág. 71, Imago.

A expressão "narcisismo das pequenas diferenças" é de Freud, e hoje vou utilizá-la para significar o que se passa na vida política portuguesa. 
Um pouco por toda a parte se fala de impasse, de falta de acordo total, ou até de displicência na abordagem da questão central: quem vai constituir um governo de legislatura capaz de nos fazer sair da austeridade em que mergulhámos... 
Olhando para o discurso dos protagonistas destes dias, para o tom agressivo que salta das suas palavras, percebemos que eles se sentem confortáveis com as escolhas que os respetivos espelhos lhes devolvem. 
Lembram, no entanto, o imperador chinês que decidiu medir de alto a baixo a China, tendo para o efeito mobilizado toda a população, sem perceber que o resultado final seria a morte do seu povo, já que não sobrava ninguém para produzir o que quer que fosse...

19.10.15

Passos e Costa recriam o paradoxo de Orwell

«Nós não nos contentamos com uma obediência negativa, nem mesmo com a mais abjecta submissão. Quando, finalmente, se dirigirem a nós, deve ser pela sua própria vontade.» Nota de rodapé 127, in A Condição Pós-Moderna, de Jean-François Lyotard.

Passos e Costa digladiam-se com um único objetivo: a submissão voluntária do adversário. Pouco importa que o povo português saia prejudicado...
E a prova de que a estratégia é de terror é que não procuram qualquer consenso, entendido este como etapa fundamental para que possa ser constituído um governo que sirva globalmente os portugueses...
Se a regra do diálogo passasse pelo consenso não atirariam para a praça pública dezenas de propostas para depois virem dizer que as propostas não são sérias...

De nada serve acusar Costa ou Passos, porque, na verdade, ambos estão interessados em deitar o adversário ao tapete, esperando que o derrotado se sente voluntariamente à mesa e teça loas ao vencedor.

Estes jogadores merecem cartão vermelho!

18.10.15

Renegados

«Depuis plus de vingt ans, je traque les mêmes crapules! On dit qu'il n'y a que les imbéciles qui ne changent pas... peut-être... mais ce sont les renégats qui le prétendent!» Siné, Massacre, Livre de Poche, 1973.

Não é que eu siga com muita atenção os jogos políticos, começo, no entanto, a ouvir falar de deputados, designadamente do Partido Socialista, que se preparam para votar favoravelmente o programa e o orçamento da Coligação. Na sua perspetiva, mantêm-se fiéis ao ideário socialista, mas, como diria Siné, não sendo imbecis... vão passar à História como renegados.

17.10.15

Fora de nós...

Quando o corpo deixa de estar presente nos lugares de rotina, a voz ausenta-se e a manhã acorda de forma estranha. As árvores inermes registam um sopro deliquescente.
(...)
Aos poucos, a manhã regressa ao normal com outros corpos presentes; outras vozes porosas elevam-se e atravessam as árvores em salvas retumbantes.
(...) 
Fora de nós, a luz incendeia os corpos e, mesmo sem voz, a vida escorre... Entretanto, o tempo desfaz o calendário, porque o corpo deixou de estar presente nos lugares de rotina. 

16.10.15

Alexandre Quintanilha na Escola Secundária de Camões

"Take care of freedom and truth wil take care of itself." Richard Rorty, 2007 / Cuida bem da liberdade e a verdade vencerá.

No dia do centésimo sexto aniversário do Liceu Camões, o Professor Doutor Alexandre Quintanilha proferiu, no  Auditório 'Camões', uma conferência sobre "O conhecimento: para que serve?" ou , numa perspetiva mais especializada, "Neuropotenciação e os desafios do "melhoramento humano". 
De forma clara e concisa, combinando o registo técnico com o registo corrente, Alexandre Quintanilha soube explicar a uma assembleia maioritariamente constituída por jovens, os desafios que a ciência e a tecnologia, em particular, no âmbito da saúde, colocam  quanto à possibilidade de "promover / capacitar o bem-estar humano", alterando o ambiente "natural", o ambiente "social", o "estado cerebral" e a biologia. 
Creio que grande parte do sucesso desta conferência deve atribuir-se à pertinência e à qualidade dos exemplos e, particularmente, à capacidade argumentativa, eivada de uma fina ironia, como quando o orador fundamentou algumas ideias: "somos mais filhos da mãe do que do pai" e "toda a medicina é contra a natureza" ou, ainda, se referiu ao tema do 'risco', opondo os conservadores aos mais ousados...
Finalmente, numa abordagem ética e verdadeiramente humanista, Alexandre Quintanilha mostrou que as ciências estão ao serviço do "melhoramento humano", apesar do risco de, em sociedades que desprezam a democracia, a ciência ser colocada ao serviço do "mal".

15.10.15

Na Pasmaceira

«O Pasmado estava ali porque ali deviam cruzar os comboios. Tudo o mais, entrementes, conspirava contra a sua existência. A aridez, o turbilhonar constante das brisas, o isolamento, uma como tenebridade paisagística especial, e também, justo é dizê-lo, a crença de que o sítio era corte de fantasmas e campo não sei de que espíritos de velhos guerreiros de outros tempos (que ali se teriam defrontado e mutuamente vencido) fazia do arredor paragem indesejável - onde só por obrigação se passava, ou ia, ou ficava.» A. Rego Cabral, Tundavala, A Oeste de Cassinga, pág. 270, Sociedade de Expansão Cultural, Lisboa.

Este é um romance do tempo em que os engenheiros ousavam enfrentar o anátema que os condenava à redação de monografias e relatórios. A literatura era, em Portugal, uma coutada reservada aos juristas, médicos e diletantes.
Um romance de um engenheiro que defendia que a técnica era a alavanca do mundo e, em particular, do mundo português em Angola. Sem a engenharia, o desenvolvimento do território ficaria nas mãos de decisores letrados, mas ociosos... 
A pasmaceira era o estado de alma dominante. 
Infelizmente, entre os políticos, poucos eram os engenheiros verdadeiramente empreendedores. E quando surgia algum, a cáfila, que geria as finanças públicas e impunha a filosofia do espírito, acabava por ostracizá-los...
Na pasmaceira até a guerra era preferível à engenharia, ao desenvolvimento, à atividade produtiva.

Neste romance, o Pasmado é apenas uma estação de caminho de ferro, isolada num território hostil, mas fundamental para o escoamento do minério. Na Pasmaceira atual, a cáfila que gere a res publica encerra e desmantela tudo, em nome do eurismo - uma filosofia cujo espírito está cunhado no euro.
Neste romance, os heróis são os engenheiros, os técnicos, os trabalhadores.. 

14.10.15

Assim estamos nós!

Cresci, por um tempo, num lugar onde o galinheiro não se misturava com a coelheira, pelo menos na hora da deita.
Depois de tanto tempo a separar as espécies, chegou a hora da miscigenação - o que me parece de grande sensatez, até porque nunca entendi a razão de ser das fronteiras, dos muros, do arame farpado...
Há, no entanto, um problema, uma maldição divina! Por mais que finjam, não falam a mesma linguagem, embora tenham o mesmo objetivo: conquistar ou manter o poder.
Recordo ainda o tempo em que, não muito longe do galinheiro e da coelheira, havia uma pocilga sem grande expressão - uma pocilga doméstica. A espécie que lá vivia não era esquisita. Comia tudo o que lhe fosse colocado à frente.

Assim estamos nós! Parece que alguém abriu arca e soltou a besta que nos habita... e a Babel pouco mais é do que um perímetro doméstico, repleto de ruínas... 

13.10.15

As três fontes do sofrimento

«O sofrimento nos ameaça a partir de três direcções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro.»

Dito de outro modo:

«Já demos a resposta pela indicação das três fontes de que nosso sofrimento provém: o poder superior da natureza, a fragilidade dos nossos próprios corpos e a inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade.»
                               Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização, pág. 25 e pág. 37, Imago editora, 2002.

Sempre que encontramos um amigo, um conhecido, lá surge a pergunta: - Como é que vai? E a inevitável resposta: - Vamos andando...
No entanto, a cortesia, nas reticências, acaba por deixar escapar um sinal de desilusão. De perda! 
De perda da juventude e da saúde, de isolamento na natureza indiferente e, por vezes, hostil. E, sobretudo, de vazio porque a sociedade em que vivemos deixou de valorizar o trabalho, a experiência e o conhecimento.
A sociedade já não é constituída por pessoas, mas por números. Por símbolos sem referência, e como tal somos pessoas descartáveis.


12.10.15

Arrumar o PS de fora para dentro...

Compreendo que o António Costa fuja da direita como o diabo da Cruz. Também compreendo que queira meter no bolso o Bloco e o PC, embora a esperteza me pareça sórdida e perigosa. Só não entendo que queira arrumar o PS de fora para dentro!

Lembra aqueles generais que só invadindo território estrangeiro alcançaram a Fama, mas que, feitas as contas, destruíram mais do que construíram.

Infelizmente, neste sorumbático país, os líderes partidários continuam a agir não em nome do bem comum, mas do vil interesse...

11.10.15

Não me sinto abolfeta (resgatado)

Quando o tempo começa a faltar, há quem decida dedicar-se a tarefas improváveis e inúteis. Por exemplo, construir uma base de dados pessoal - catálogo de existências bibliográficas - o que me transforma num manuseador do pano do pó e num ordenador de espécies que andavam à deriva...

No meu caso, para além da morosidade da tarefa, sinto que estou numa fase de revisitação de autores, obras, editores... e até de descoberta de existências inesperadas que me dão conta da fragilidade da memória, apesar de Freud ensinar que o nosso cérebro nada esquece: é preciso é escavar um pouco, como acontece em qualquer cidade antiga... Deitamos um tabique abaixo e logo surgem vestígios da cidade de outro(s) tempo(s)...
Concluído o registo 1067, abro o Vocabulário Português de Origem Árabe, de José Pedro Machado, percorro verbete a verbete, cada vez mais ciente de que temos andado a branquear as raízes árabes, e aterro no termo ABOLFETA: antr. que ocorre em documento de 1025 (Dipl.,pág.159). Do ár. abū-l-fidā, à letra, «Pai do resgate», isto é «o resgatado».

Confirmo, assim, que o resgate é também ele coisa antiga, anterior ao tempo dos cativos mais famosos, como, por exemplo, o Infante Santo. E, sobretudo, infiro que nem sempre o «pai do resgate» coincide com «o resgatado», embora devesse...
Parece que andamos esquecidos que pouco temos feito para pagar o resgate, ao contrário, por exemplo, dos islandeses que já se viram livres do FMI.



10.10.15

Ainda Marcelo, a sereia

Melhor seria que Marcelo Rebelo de Sousa tivesse explicado o que é que Portugal lhe deu e que, na verdade, não deu a muitos outros portugueses...
Este Marcelo urbano, que insiste nas raízes provincianas, apresenta-se como "vítima" da perda do Império, que lhe levou a família ao Brasil, na condição de emigrante... Há neste seu Portugal uma certa tendência para confundir o exílio político com a emigração!
O Portugal de Marcelo começa a ganhar uma substância que não é a minha. E essa substância acabará por deixar de se expor nas entrelinhas para surgir num movimento político que irá colocar-se à direita da atual Coligação PSD - CDS...
A campanha dos afectos já fora ensaiada com Marcelo Caetano como antídoto para ocupar o lugar do pai tirano e austero que governara o país durante quatro décadas. 
Agora a sereia pensa que o caminho falhado por Caetano pode ser reintroduzido para substituir o esfíngico Cavaco.

9.10.15

Ecos do passado

Marcelo
Rebelo de Sousa

... o regresso do passado...

Marcelo Rebelo de Sousa, ao apresentar-se, em Celorico de Basto, como candidato a Presidente da República, retoma os laços com o Estado Novo de que o 25 de Abril não foi capaz de nos libertar.

Vamos ver se, nas próximas eleições presidenciais, surge um candidato que rompa definitivamente com o passado... 
Por enquanto, não vislumbro nenhum.

8.10.15

Temos moscambilha!

As eleições já lá vão!

Consta que o povo se pronunciou, no entanto tudo se processa como se nada tivesse acontecido ou, melhor, a dança ainda agora teve início, mas a solução há que encená-la e até dramatizá-la...

De qualquer modo, não estamos à altura dos Gregos, nem dos antigos que entendiam que o drama deveria decorrer num tempo máximo de 24 horas, nem dos modernos que, ainda há um mês, foram a votos, e sem maiorias absolutas, conseguiram em poucos dias constituir um governo.    

7.10.15

Nuno Crato arruma a casa

O ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, disse hoje, em Campo Maior, no Alentejo, estar "concentrado em arrumar a casa", salientando que a sua passagem pela política "é passageira".

Já não era sem tempo! 
Nuno Crato decidiu «arrumar a casa», depois de ter passado quatro anos a demoli-la. E acrescenta que vai regressar à vida de professor que, na verdade, já abandonara antes de subir a ministro. 
Vamos lá ver se terá deixado o IAVE com as competências necessárias para o avaliar...
(...)
Finalmente, custa-me aceitar a mania de certos indivíduos que insistem em considerar "passageira" a sua participação na governação, sobretudo, quando deixam atrás de si mais obscurantismo e mais pobreza.

6.10.15

O asno de Buridan

«Trava-se uma luta de tracção: o futuro arrasta-nos para uma unidade europeia, o passado puxa-nos para trás. Assim, é o asno de Buridan, com fome e com sede, paralisado entre o molho de palha e o balde de água.»  José Fernandes Fafe, Nação: Fim ou Metamorfose?, pág. 86, IN-CM, 1990.

O asno de Buridan (1300-1358), de tanto hesitar acabou por morrer de fome e de sede, apesar de não constar que o filósofo medievo tivesse um asno ao seu serviço...

Assim estamos nós, portugueses, em nome de velhas ideias, insistimos em preservar mitos bolorentos. Mas não estamos sós: os estados-nações que nos cercam continuam a valorizar os interesses nacionais e, em vez de apostarem na metamorfose, criam clivagens que só podem fazer ressurgir os nacionalismos...

Perante os resultados eleitorais de 4 de outubro, os partidos comportam-se como os caducos estados-nações. E no caso particular do Partido Socialista, este, em vez de reafirmar a sua opção europeia, decidiu iniciar um processo fratricida que levará ao seu desaparecimento, tornando ainda mais sombria a necessária metamorfose portuguesa.   

5.10.15

Há quem insista em dar vivas à República

Há quem insista em dar vivas à República, atitude que eu não entendo, pois o inimigo monárquico já se encontra extinto.
Como se sabe, a República foi instaurada na sequência de um regicídio e os anos que se seguiram foram de permanente instabilidade. Uma das causas mais profundas do caos, foi a bancarrota dos finais do século XIX...
A situação era de tal modo grave que Salazar sacudiu a República e as sobras monárquicas para dentro do galinheiro durante meio século. De podre, o regime caiu, e voltámos a dar vivas à República e a uns tantos socialismos (mais ou menos radicais), importados de uma Europa a que não pertencíamos...
Essa importação parecia dar fruto, até que surgiram uns "senhores" republicanos que se foram abotoando com os fundos europeus num contínuo cenário mais ou menos mitigado de bancarrota... E o resultado está à vista: os mais afoitos estão-se borrifando para a República; outros, nostálgicos ou, em alternativa, desejosos de a esfolar, reúnem-se para celebrar o que nasceu num dia em que nada havia para distribuir...
E assim continuamos: uma canelada aqui, um fratricídio ali... e a bancarrota sempre dentro de casa, que não de todos - a grei republicana já reservou lugar para os próximos quatro anos.    

4.10.15

Em síntese

Nesta noite, só posso concluir que continuamos a ser um país de fadistas (Fado, Futebol e Fátima) e de masoquistas.
Quando a alternativa não se apresentou unida, de pouco serve procurar pontes entre os irmãos desavindos. 
(...) 
Ao  olhar para os resultados eleitorais, fica claro que há 230 portugueses que não vão precisar de emigrar nem de se preocupar com o futuro imediato.
(...) 
A austeridade, amanhã, será ainda mais dura, mas legitimada. 
(...) 
Quanto a António Costa, a esta hora já terá compreendido que «quem com ferro mata com ferro morre.»
(...) Finalmente, o eurismo venceu e a TROIKA já tem um bom aluno para apresentar como exemplo.

Face aos resultados desta noite, a insatisfação desapareceu. Apenas, náusea. 

3.10.15

Às plantas e às pessoas...

«As raízes estão sempre perto da origem e por elas entra a novidade informativa (seiva) que faz crescer a planta.» E. M. de Melo e Castro, Essa crítica louca, pág. 41, Moraes editores .

Este enunciado surge aqui como resposta a quem, ao fugir de si, se afasta da raiz, o que já é grande perda, embora não comparável com o caso daquele que, não sabendo de si, estanca a seiva de quem tudo faz para conhecer a raiz...
Às plantas e às pessoas, há que regá-las e deixá-las medrar.

2.10.15

Proclamação

Estou de tal modo informado e insatisfeito que acabo de decidir que, até domingo à noite, não vou escrever mais nada sobre todos aqueles que irão a votos no dia 4 de outubro, sem esquecer os dois fantasmas que, não podendo candidatar-se, não desgrudam e insistem em atrapalhar o ato eleitoral...

Estou pronto a votar, e como tal não preciso de atoardas de última hora, até porque, para mim, há uma fronteira que há muito decidi não cruzar. Sem ser sebastianista, ainda quero acreditar que há alguém no terreno que será capaz de não ceder ao canto mavioso das sereias que o vão cercando... e é nesse que vou votar. 

Deste modo, esclareço que não necessito nem do sábado nem da segunda-feira para qualquer tipo de exegese.

1.10.15

Estou insatisfeito

Estou insatisfeito.

Com a classe política que não cumpre o que promete, os profetas de serviço, a universidade que não zela pelos estudantes - a arbitrariedade, a indecisão, a omissão - o vizinho que não paga o condomínio, o doente que pensa que não há mais mundo, o médico taxímetro...

e, sobretudo, comigo próprio que tolero tal estado de putrefação.

Aproxima-se o dia da decisão e só vejo partidos, coligações, movimentos, todos contentes de si, mas nenhum que queira acabar com a minha insatisfação, embora já me tenha soado que há um partido que se propõe devolver a felicidade às pessoas,

isto é, pôr termo à mentira, à falácia, à arbitrariedade, ao desleixe, ao incumprimento, ao egoísmo, ao vil metal... à putrefação.

Estou insatisfeito porque, apesar de ribatejano, ainda não é desta que pego o touro pelos cornos...