31.7.15

O Adamastor e a formiga


Pedra disforme, observa o Tejo, mas não enxerga mais as naus. Cercado de arame farpado, como se ainda pudesse incomodar, o Adamastor já só avista a ponte que une e não separa... 
A verdade é que gosto mais das formigas que, indiferentes aos pés que as podem calcar, carregam tudo o que as possa alimentar quando a penúria chegar...
Por perto, as cigarras... até eu, que compreendo a ansiedade do Adamastor, pareço a cigarra popular. 
Na minha aldeia, havia formigas e cigarras, porém nunca encontrei o Adamastor dos Oceanos... apesar de não faltarem por lá uns tantos colossos...

30.7.15

2066 - Parte I

2066 - Um círculo crítico em torno da obra fingida de um autor fictício - Benno Von Archimboldi... Estudiosos de uma obra inexistente criam uma biografia fingida, embora suportada por um passado nazi que levou muitos dos criminosos a mudarem de vida e a refugiarem-se bem longe da Alemanha, de preferência na América Latina.
Absurdo destino de quatro personagens mistificadores que, por entre amores sórdidos e comportamentos xenófobos e até homicidas, conseguem nas academias literárias de França, Inglaterra, Itália, Espanha e México, protagonismo e privilégios que lhes permitem viajar  e participar em conferências, colóquios, simpósios internacionais, sempre em torno de Archimboldi...
Roberto Bolaño faz assim uma crítica arrasadora da academia europeia que vive completamente afastada da realidade. 
(Parte I - 192 páginas).

29.7.15

O sapateiro

Passada a palmeira, 50 metros à direita, entrava-se num largo informe. Ao fundo, uma casa de um único piso acolhia a família do sapateiro. Era lá que o meu pai me levava para que aquele me fizesse um par de sapatos...O espaço era acanhado - pouco sobrava para além das alfaias necessária ao ofício. Do sapateiro, esqueci as feições, apenas deduzo que seria de estatura mediana, mas recordo o papel almaço que ele usava para tirar as medidas ao meu pé tosco e maltratado pelas pedras do caminho... e recordo os pregos, a sola, a cera, a sovela, as broxas e as ferraduras. Que isto de calçar o homem em pouco diferia de ferrar as cavalgaduras!

Um par de sapatos era coisa rara, acontecimento domingueiro e duradoiro... E não passou ainda assim tanto tempo!

(Agora, leio 2666, A Parte dos Críticos, de Roberto Bolaño... e ainda não encontrei nenhum sapateiro, só remendões...)

28.7.15

A pasteleira

Agora que a palmeira feneceu, recordo a pasteleira do pai do meu amigo de infância - uma enorme bicicleta cuja função era transportar as caixas de petinga, carapau, chicharro, sardinha e outros peixes de maior porte e mais carotes... Não me lembro de alguma vez ter falado com o peixeiro, apesar de ser colega de escola do filho, e de termos, por mais de uma vez, organizado umas corridas de bicicleta que davam connosco debaixo de uma figueira: calças rotas e joelhos destroçados. Uma história que, inevitavelmente, acabava mal para ambos - a correria começava sempre sob o olhar da indiferente palmeira...
O mais estranho nesta memória é que relembro o caminho, a palmeira e a pasteleira, sem esquecer a figueira, mas perdi o rasto ao meu amigo de infância. Desde que conclui a "primária", nunca mais o voltei a ver. 
E o mais grave é que esta situação de perder os amigos se vem repetindo desde que a aldeia foi ficando para trás... 
Talvez seja por isso que os amigos se tornaram em "conhecidos" e, ultimamente, em "desconhecidos", ao contrário da palmeira, da pasteleira...

27.7.15

Pedaço de caminho

(A memória principal data de 15.08.2012)

Para chegar à casa, M. tinha que passar pela palmeira.
Daquela palmeira avistava-se sobre o lado direito uma casa térrea. Donde é que aquela palmeira teria saído, se não se vislumbrava nenhum palmar entre vinhas, olivais e figueirais? Saía de casa e logo os olhos se fixavam naquela inesperada presença. Aquela fixação, ao contrário do que seria de esperar, não fazia sonhar. Era uma presença muda que ajudava a delimitar o caminho de pedra maltratada e que, quando as chuvas desabavam, assistia à transformação da rua em rio de lama. Para além da pedra e da lama, erguia-se, majestosa, a palmeira. Ainda, hoje, por lá continua…
Aquele pedaço de caminho que separava a casa da palmeira foi durante dez anos a aldeia de M.
Para lá da palmeira, a rua estava assombrada: havia cabras nocturnas que devoravam os parcos canteiros de flores, havia cães que latiam sem parar e, sobretudo, havia a violência das palavras grosseiras que fendiam os tímpanos de M. Essas palavras ainda hoje ecoam na mente de M. Talvez se possa admitir que ainda o assombram.

De facto não são só as palavras que ecoam… há também gritos. E em particular, tosses ininterruptas que atravessam o tempo e se repetem…
(...)
Apesar da memória, nem tudo pode ser dito. E de que serviria?

(...)

Última hora: a palmeira já só vive na minha memória e, agora, sei que um pedaço de mim ficou pelo caminho...

26.7.15

A enxaqueca

O dia é de enxaqueca, sempre que o calor aperta. Ao contrário da maioria da população, fujo do sol como o diabo da cruz... E a história já é antiga!
Remonta ao tempo em que, nos meses de agosto e de setembro, me via obrigado a colher figos e uvas, sem esquecer que, feita a colheita, era necessário cuidar dos tabuleiros em que estes frutos eram postos a secar: figo seco e passa de uva.

A enxaqueca poderia ter, assim, origem numa fobia, mas a verdade é que, ainda hoje, quando apanho sol, a dor de cabeça desponta, sobretudo do lado direito...

Com isto, talvez tenha encontrado a explicação para a indisposição que a direita me provoca, particularmente, quando representada por homens tão inteligentes como Cavaco Silva, Passos Coelho, Paulo Portas e respectivos acólitos...

                   "É hora de os portugueses dizerem à oposição que ela não é precisa."

                                (Pedro Passos Coelho discursou na Madeira, na festa do Chão da Lagoa.)
  


25.7.15

Quando deixamos morrer uma língua

«Nous ne pouvons savoir!- Nous sommes accablés
D'un manteau d'ignorance et d'étroites chimères!
Singes d'hommes tombés de la vulve des mères,
Notre pâle raison nous cache l'infini!
Nous voulons regarder: Le doute nous punit!
Le doute, morne oiseau, nous frappe de son aile,
- Et l'horizon s'enfuit d'une fuite eternelle!...»

Arthur Rimbaud, Soleil et Chair ( excerto)

Em tempo de certezas, sinto-me de tal modo ignorante que só a poesia me traz algum sossego, porque, afinal, o Poeta confina o seu ofício à expressão dos limites da razão humana e à valorização da dúvida, apesar do desapontamento que ela nos pode trazer... 

Além disso só,  na bigorna do Poeta, as palavras encontram o ritmo capaz de exprimir tudo o que ignoramos: Et l'horizon s'enfuit d'une fuite eternelle!

Aqui chegado, deixo de querer traduzir os versos, porque a beleza plasmada numa língua não é traduzível.
Quando deixamos morrer uma língua, deitamos fora a beleza de uma comunidade.


24.7.15

Farto de propaganda

Tudo é propaganda: a política é propaganda; a propaganda é política. E quem pensa assim é a ministra das Finanças, o que me permite acrescentar que o ministério das Finanças mais não é do que o ministério da propaganda...

Farto da propaganda deste dia, acabo de visitar a Fonte Luminosa, lugar multicultural, se atentarmos no parque infantil, nos bancos de jardim, nas jogatanas de bola e nas esplanadas... Lugar que poderia ser de memória, mas do quê? Quem sabe?

Acabei por percorrer a rua Guerra Junqueiro, centro comercial em hora de fecho e, de súbito, vi que a Mexicana parece que passou à história. Será verdade?

E claro, juntando as pontas, concluo com um conselho do esquecido autor d' A Velhice do Padre Eterno

Arranja um casamento e aprende a ter juízo.
A noiva pouco importa; o dote é o que é preciso
Discuti-lo. Olha lá, os pais que sejam velhos!...
Que vá para o diabo o reino da Utopia!
E hão de te nomear sócio da academia
E, quem sabe! talvez barão dos Evangelhos.

              in A Semana Santa.

Um conselho que eu desprezei, como se comprova pela minha atual situação. Eu que casei há mais de 40 anos na rua Guerra Junqueiro!

23.7.15

Sensações

O poema é de Arthur Rimbaud e exprime bem como ando desajustado. Ainda não há muito tempo tive a possibilidade de, nos fins-de-tarde azuis do verão, ir pelos atalhos observar os campos de trigo e calcar o restolho... e sonhar e sentir a frescura dos riachos e deixar que o vento banhasse os meus cabelos...
Agora que tenho mais tempo e menos meios, leio com vagar as sensações dos poetas franceses da segunda metade do século XIX e mergulho no amarelo das notícias literárias dos anos 90 do século XX...
(...)
O resto serão areias de uma ilha, um pouco ao sul e, talvez, com aves de arribação... Prometo, no entanto, que pouco falarei, embora continue a pensar, não no amor infinito nem na boémia, mas nas sensações até que elas se esfumem na Natureza.

Par les soirs bleus d'été, j'irais dans les sentiers,
Picoté par les blés, fouler l'herbe menue:
Rêveur, j'en sentirai la fraîcheur à mes pieds
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.

Je ne parlerai pas, je ne penserai rien:
Mais l'amour infini me montera dans l'âme,
Et j'irai loin, bien loin, comme un bohémien,
Par la Nature, - heureux comme avec une femme.

      (Mars 1870) 

22.7.15

Sob a cortina flutuante

«Or les petits enfants, sous le rideau flottant / Parlent bas comme on fait dans une nuit obscure./ Rimbaud, Les Étrennes des Orphelins.

Onde é que esse tempo já vai!? Por mais que os dias sejam obscuros, as vozes elevam-se cada vez mais alto numa algaraviada inútil.
Acabo de saber que o Parlamento entrou de férias, breve sobressalto de acalmia... Só que o Presidente prepara-se para anunciar a data das próximas eleições legislativas - a expectativa de diminuição da infernal propaganda afunda-se definitivamente.

E eu que sempre amei o silêncio, vejo-me enredado na vertigem ruidosa que se eleva lá fora e, sobretudo, cá dentro... dentro de mim...

21.7.15

Continuo a juntar dados

Continuo a juntar dados do tempo em que parecia haver a intenção de criar uma comunidade lusófona liberta de preconceitos. Uma comunidade capaz de sarar as feridas do tempo da colonização e que, em simultâneo, se transformasse numa plataforma cultural e económica, pronta a libertar os seus membros de dependências demasiado asfixiantes...

A ideia tem vindo a definhar, antes de mais porque a opção portuguesa de integrar a União Europeia e, sobretudo, o euro, inviabiliza a prioridade lusófona. Portugal é hoje uma província periférica de um projeto alternativo daqueles que se apressaram a entregar as colónias aos grandes blocos políticos dos anos 70.

Esta persistência, na verdade, já não interessa a ninguém!

20.7.15

Afinal

Primeiro, plantam-se as árvores; depois, deixam-se secar...
Primeiro, enchem-se os lagos; depois, secos, ficam ao abandono... Parecem saídos de uma qualquer escavação arqueológica, entretanto, abandonada a céu aberto...

A educação é prioridade! Sem ela não há sucesso! Depois, valoriza-se o dinheiro fácil...O futuro é da juventude! Depois mostra-se-lhe a porta de saída...

Os credores amigos salvaram-nos da bancarrota! Quatro anos depois, a dívida aumentou cerca de 60.000 milhões de euros...

Afinal, se tivéssemos regado a floresta e os jardins, se não tivéssemos substituído os lagos pelas piscinas, se tivéssemos valorizado a inteligência e o trabalho, hoje, seríamos mais felizes e... menos pobres.

19.7.15

Degradação no Jardim da Quinta das Conchas e dos Lilases

«Possuidora de uma área de mata profusamente arborizada (cerca de dois terços da superfície total), a Quinta das Conchas encontra-se favorecida por diversas áreas de lazer, nomeadamente, um café/auditório, restaurante, parque infantil, parque de merendas, lago com pontão, bem como um circuito interno que permite a prática de actividades desportivas, como por exemplo, caminhada, corrida e/ou ciclismo. A norte do jardim, a Quinta dos Lilases complementa o espaço, sendo constituída por uma mansão de estilo colonial (a qual serviu de residência a Francisco Mantero), jardim e lago - com duas ilhas arborizadas ao centro.
Tendo sido alvo de obras de beneficiação e requalificação, o Jardim da Quinta das Conchas e dos Lilases foi "reinaugurado" ao público a 12 de Maio de 2005, sob a tutela do presidente da edilidade lisboeta à data, Pedro Santana Lopes. A secção de terreno que constitui a Quinta dos Lilases foi, por sua vez, reaberta ao público a 15 de Janeiro de 2007, presidindo António Carmona Rodrigues à Câmara Municipal de Lisboa à data.» 
Hoje, dia 19 de Julho de 2015, o Lago tropical encontra-se num estado que nem as pombas devem compreender. Porquê? Com tantos turistas na cidade de Lisboa, será assim tão difícil encontrar uma verba que reponha o projeto inicial e mate a sede às pombas?

18.7.15

Um classificador que nunca leu Rimbaud

O helicóptero interrompe-me o sono leve e, durante uma hora, afasta-se e regressa, sobrevoando o bairro: não sei se se desloca do aeroporto para o Parque das Nações ou para o Montijo. Chego a pensar que são os angolanos a desembarcar os diamantes...
Não oiço os sinos da igreja do Cristo Rei a convidar-me para as matinas! Ao alcance da mão, tenho, no entanto, Illuminations, de Rimbaud! E retomo a leitura: 

"Un Prince était vexé de ne pas s'être employé jamais qu'à la perfection des générosités vulgaires."

(Sem ser príncipe, também eu me sinto vexado por não ser capaz de ir além da generosidade vulgar. Talvez seja por esse motivo que continuo a dizer sim, quando deveria ocupar o meu tempo de forma mais construtiva.)

E assim, horas mais tarde, lá subi e desci a rua da Igreja com o Santo António alheado: Não havia por ali nem pássaros nem peixes a quem pudesse dirigir-se... E quando dali saí fiquei com a certeza de que não gosto da Padaria Portuguesa! Não há ali espaço para mim: Não é possível tomar um café ao balcão; há sempre duas filas distintas mas cujo atendimento é indistinto; e, na esplanada, as mesas estão tão próximas que pareço fazer parte duma nova família...

Finalmente, graças às virtudes da tecnologia, lá elaborei mais um parecer (gratuito) sobre a classificação  atribuída a uma prova de Português: 9,2 valores. Em três dias, já é o segundo 9,2 de que tomo conhecimento.
Quero acreditar que este classificador nunca leu Rimbaud, e que detestará a generosidade vulgar...


17.7.15

Em nome da Liberdade

Pouco tenho a acrescentar, mas tudo poderia ser mais fácil se ouvíssemos com mais atenção. Recordo que, no princípio da adolescência, me foi feito o diagnóstico de "dispersão". Oficialmente, não fui acusado de "desatenção", e sempre me pareceu que os dois termos não eram sinónimos...
A esta distância, creio que a causa da "dispersão" era a desadaptação. Afinal, fora arrancado à terra hostil, e atirado para uma redoma de piso encerado, decorada por extensos painéis de azulejos esventrados pelas baionetas francesas...
A cera substituía a poeira e os azulejos não davam conta nem dos espinhos nem dos buracos dos caminhos. Lá no fundo, o que mais me preocupava era saber quem é que tinha arrancado os olhos àqueles celestiais anjinhos... E apesar de estudar Latim e, sobretudo, Francês, não havia ninguém que me explicasse que, em nome da Liberdade, os oficiais e os soldados franceses tinham saqueado as igrejas, violado as virgens e as matronas, sem dar paz às velhas... e, finalmente, tinham fuzilado os anjinhos...
Em síntese, a desatenção não é coisa fácil de explicar, porque a atenção simplesmente está centrada noutro objeto. E a dispersão é filha das entranhas, isto é, da necessidade de explicar o que está para além dos nossos sentidos, mesmo que seja nas ilhas desafortunadas...

Nessas ilhas que, hoje, são vilipendiadas, em nome da Liberdade!

16.7.15

O predador cerca a criatura

Os últimos dias têm sido trabalhosos e, provavelmente, ineficazes. Não por falta de aplicação, mas porque tudo o que é feito é controlado em bastidores inacessíveis.
No palco, movem-se umas tantas criaturas mais ou menos taciturnas, que pensam que estão a dar o seu melhor. No entanto, o melhor não chega.
A autonomia da criatura é, afinal, propriedade do predador, que está presente em todas as áreas da ação humana...

O predador cerca a criatura, assedia-a e devora-a até ao osso mais recôndito. 

Outrora, a relação da criatura era com o criador; hoje, a relação da criatura é com o predador que se imagina Senhor...

Nesta esfera de ação, a criatura deve abster-se de exemplificar.
  

14.7.15

Alquimia verbal

Pensei deixar em branco o dia, mas temo que se o fizer isso seja entendido como uma prova de cobardia. Afinal, há sempre alguma coisa que acontece. Lembro-me agora que na adolescência me era exigido um exame de consciência interior, antes de adormecer. Era um exame infantil, em que aprendia a separar o bem do mal...
Mesmo nesse tempo, aquele ritual surgia-me, com alguma frequência, como artificioso, imposto por uma doutrina castradora. E é neste ponto que surge a correspondência baudelairiana com a "alchimie verbal" de Rimbaud, leitura de início de tarde...
No exame de consciência, o examinador era também um pouco batoteiro: atos havia que não enunciava, embora não se livrasse do pecado da omissão aos olhos do Senhor. Ele via tudo, por fora e por dentro. Chegava mesmo a suspeitar que, aos olhos do Senhor, não haveria nenhuma fronteira que separasse o interior do exterior, que estes conceitos o ofenderiam...
Filho de mim próprio, continuo a fazer batota. Hoje, por exemplo, prefiro registar que no Liceu Camões, em cada um dos pátios há 10 plátanos, simetricamente dispostos... Das raízes não há notícia, mas pode supor-se que estas perfuram os arroios invisíveis que correm para o Tejo... e que, no próximo ano, das suas copas poderemos fazer as pontes da decadência em que subsistimos.  

13.7.15

Resultados e expectativas - Exame de Português - 1ª Fase

Não tenho dados nacionais nem creio que eles possam ser indicador de melhor ou pior desempenho... E porquê?

Porque, baseando-me numa amostra de 73 alunos, verifico que entre a classificação interna e a classificação de exame há, conforme a turma, a seguinte diferença:

A -  14, 3  ....... 11,7
B -  15,4   ....... 12,6
J -   12, 2  ....... 10,1

Portanto, no geral, os alunos baixaram a classificação por mim atribuída. Será que eu inflacionei os resultados?

Por outro lado, de entre o conjunto dos alunos da escola, na turma B está a aluna que obteve melhor resultado:18,7. Por seu turno, na turma J, há uma outra aluna com 17,8... Finalmente, na turma A, a melhor classificação foi de outra aluna: 16,7.

Em conclusão, as melhores classificações externas não corresponderam às expectativas internas. Curiosamente, os alunos que internamente mostravam maior solidez, em termos de competência linguística, obtiveram resultados entre o 14 e o 16.

Fica-me a sensação de que este é um bom ano para solicitar reapreciação da prova de Português. Sobretudo, na parte B do Grupo I e no III Grupo.

Porquê? Esse é assunto para outro fórum!

12.7.15

Na ilha das harpias

Os egoísmos nacionalistas e as solidariedades internacionalistas defrontam-se novamente. Quanto ao resultado final, já deveríamos saber o que nos espera: a guerra.

A ilação pode parecer cruel, mas a corrida ao armamento está em curso. 
Por enquanto, o conflito desenvolve-se através da informação e da contra-informação, em que ninguém parece querer sair perdedor. 
Os abutres já estão a isolar a primeira presa.
A particularidade, desta vez, é que os abutres tanto são nacionalistas como internacionalistas.

Os gregos, tal como os portugueses, continuam sem perceber que cada dia que passa é mais uma tábua no caixão... ou mais uma pá de terra, no caso de já não haver caixão... 

11.7.15

O que nós ensinamos...

O que nós ensinamos, em muitos casos, não respeita o ofício do poeta... Por exemplo, o que seria da poesia sem a repetição, na forma de anáfora ou de aliteração, ou até sem a metáfora?

(Não ignoro, todavia, que foi inventada uma estética da receção que dá cobertura a muita ideia estúpida que por aí circula!)

Vem isto a propósito de uma afirmação de Gaston Bachelard que me veio alertar para os perigos de uma didática vulgar que tende a prescrever regras para áreas, em que a norma é permanentemente questionada: "Nous essaierons d'indiquer (...) comment le vers de Rimbaud fuit l'allitération, comment il cherche la paix vocale en jouissant longuement des voyelles, ces voyelles fussent-elles brèves, comment il modère les consonnes: «Je réglai la forme et le mouvement de chaque consonne», dit-il dans Alchimie du verbe." in Rimbaud L'Enfant 

Lembro agora as dificuldades que atravessei há longos anos, quando a professora exigiu que interpretasse o poema Le Bâteau Ivre... Ainda hoje, sinto que não estou à altura da exigência!  
Fiquei com a sensação de que me faltava a inteligência necessária, ao contrário do que acontecia com os jovens exegetas que me cercavam. Naufrago, lá me agarrei ao que pude... Esses exegetas envelheceram, mas continuam a estipular as regras de leitura...
Quanto a mim, pouco posso fazer, a não ser reler Rimbaud:

                            Et la Mère, fermant le livre du devoir,
                            S'en allait satisfaite et très fière, sans voir
                            Dans les yeux bleus et sous le front plein d'éminences,
                            L'âme de son enfant livrée aux répugnances.  

10.7.15

Da avaliação

É cada vez mais evidente que sem avaliação não há justiça!
E também é claro que a educação para a cidadania é um pilar do funcionamento das sociedades e das comunidades...

Deste modo, pensar a avaliação sem equacionar a questão da educação para a cidadania é um erro estratégico.
Se estivermos atentos às notícias do quotidiano, percebemos que a avaliação em Portugal ocorre quase sempre à posteriori, trazendo com ela uma violenta sensação de impotência: os alunos, afinal, não aprendem os conteúdos disciplinares e os valores fundamentais; o doente mental mata a mãe que o queria tratar; o marido violento e bêbedo mata a esposa;  a floresta arde porque não é devidamente ordenada e limpa; o carro despista-se porque as ruas não resistem ao inverno; a dívida dos clubes é astronómica porque gastam o que não têm; os políticos deixam-se corromper ou corrompem, porque lhes falta a educação para a cidadania... 
Os exemplos de que a avaliação é feita à posteriori são múltiplos e todos poderiam ser minimizados, se não se descurasse a avaliação diagnóstico e a supervisão avaliativa, isto é, feita de forma imediata...

Por exemplo, as eleições legislativas aproximam-se. Os partidos começam a indicar o nome dos futuros deputados, mas ninguém sabe se os candidatos têm o perfil adequado ao serviço do nação.


9.7.15

O equívoco de Nuno Crato

Nuno Crato vem apostando na revisão dos programas e nos exames externos para promover o sucesso escolar.
Entretanto, o sucesso escolar não chega, como é comprovado pelos resultados da disciplina de Matemática no 9º ano de escolaridade.
No entanto, a maioria dos alunos irá progredir e, no próximo ano letivo, irá ser submetida a um novo programa de Matemática...
Não vou aqui comentar o novo programa de Matemática, mas creio que a sua matriz em nada difere da do novo programa de Português: um programa elaborado por pessoas certamente sabedoras, porém reféns dos objetivos, conteúdos, estratégias e até da gestão do tempo que vigoravam nos anos 60 do século passado...

Nuno Crato ainda não entendeu que, por mais que prometa os professores mais competentes de sempre, o processo de ensino e aprendizagem está ferido de morte. 
O senhor ministro nunca se preocupou com a formação de professores! O senhor ministro ignora que sem professores (homens e mulheres com valores humanistas) não é possível resolver as dificuldades de aprendizagem dos alunos.


Afinal, Nuno Crato nunca deixou de desconfiar dos professores!

8.7.15

Mas nós, em que século é que vivemos?

Alberto Caeiro morreu há 100 anos! Fantástico! 
E o Adamastor já terá morrido? E Dom Sebastião? 
Que Fernando Pessoa quisesse testar os limites da criação literária, compreende-se! Que Fernando Pessoa se divertisse a "brincar" com o provincianismo português, estava no seu direito! Mas nós, em que século é que vivemos?
(...)
E depois admiramo-nos, quando deixamos de ser capazes de distinguir os criadores das criaturas literárias! 
Bem sei que, na perspetiva de Pessoa, o Mito pode fundar a História, e até compreendo que, assim, o trabalho fica facilitado, sobretudo, quando, preguiçosamente, nos deixamos conduzir pela memória...
Só que, em termos académicos e pedagógicos, continuamos a prestar um mau serviço às novas gerações.

7.7.15

Exibição trem-trem

«Nestes tempos revoltos é incrível como certa parte da nossa sociedade vive na exibição de toilettes milionárias, no oco e vazio trem-trem do comentário da suposta elegância, na bisbilhotice da vida alheia.» Oswald de Andrade, fragmento de um diário de 1948.

Encontrei este fragmento no Diário de Notícias de 26 de abril de 1992, e decidi colocá-lo aqui, porque me parece apropriado pois que, tendo Maria Barroso falecido, o consenso encomiástico substituiu a ferocidade com que certos sectores da sociedade portuguesa habitualmente atacavam e continuarão a atacar a sua família...
Hoje é dia de panegírico,  depois de amanhã, de sarcasmo. 

(...) A morte de quem quer que seja não deveria dar lugar à exibição de sentimentos que, na verdade, não têm origem no coração. Até porque, em muitos casos, se trata de pessoas que apenas agem por interesse.

De regresso a Oswald de Andrade ( Brasil, 1890-1954), aqui deixo mais algumas palavras em que valerá a pena meditar: 

«Num país inculto como o nosso, é na incultura que se devem basear as energias do lirismo e os valores da sabedoria.»

6.7.15

Beco sem saída

Reina uma certa euforia que até se compreende. Por uma vez, o povo disse não ao eurismo. O motivo parece ser de regozijo: David derruba Golias!
David acredita que desta vez é que vai ser: os povos famintos vão unir-se e derrubar o capitalismo; o capital vai mudar de mãos...

Não se vê é como é que a mudança irá ocorrer. Primeiro, porque a solidariedade é um lema raramente posto em prática, mesmo entre os mais pobres. Veja-se o que está a acontecer aos milhares de refugiados e deslocados que todos os dias chegam às costas dos países mediterrânicos... Segundo, porque a mudança pressupõe tradicionalmente o recurso à força, e, mesmo assim, o capital acaba redistribuído entre aqueles dos vencedores que rapidamente se apoderam do poder. O povo sobrevivente fica à míngua ou, no melhor dos casos, vive durante um certo tempo a ilusão da prosperidade resultante da venda do trabalho prestado aos novos senhores.

A esta hora, muitos gregos sentem-se eufóricos, mas os bancos continuam fechados. Soberanos, os gregos não querem estender a mão, e pagar com língua de pau, mas, na verdade, caíram num beco sem saída...

E nós, uns mais otimistas, outros mais céticos, estamos à beira do mesmo beco, embora os «nossos senhores» se mostrem alinhados, os primeiros, por Golias, os segundos, por David...   

5.7.15

O carrossel

O carrossel vai quase vazio. Já houve tempo em que a criançada corria para os cavalinhos... Eu nunca fui de grandes correrias... 
Durante a infância, nunca entrei num espaço de divertimento, tipo defunta feira popular... E se entrei, contentava-me com uma ou duas rifas, quase sempre inutilidades premiadas.
(...)
A minha relação com os espaços de lazer é, afinal, a da infância dos meus filhos - um tempo que prometia trabalho, férias e dinheiro para as gozar!
Para mim, nada do que está a acontecer me surpreende ou assusta. Tenho, apenas, tristeza porque sinto que aqueles que se habituaram à abundância vão ter dificuldade em entender o que é a penúria... Vão ter dificuldade em compreender que sem trabalho não pode haver férias...

... la fonction de l'homme est changer la face du monde. Gaston Bachelard

                                                   A função do homem é mudar a face do mundo!

4.7.15

Zunga de rua em Cascais

 Hoje, fui a Cascais! Como sempre, havia muita gente nas ruas, nas esplanadas e nas praias(?), mas o que me pareceu que tem vindo a aumentar é o número de zungas.
Zungas de rua e de jardim instalam um pano, uma bancada; de pé, de cócoras ou sentados, procuram vender os mais diversos artigos. Vi de tudo: panos úteis e inúteis; artefactos decorativos; produtos hortícolas minimalistas; selos e moedas do império; candeeiros de outro tempo; livros, todos da mesma editora, que pareciam fugir de um implacável abate... até os escritores e escreventes pareciam não escapar à etiqueta: zungas de rua!   





Fiquei, no entanto, com a ideia de que a estátua do rei D. Carlos foi ali colocada não para o imortalizar, mas para nos lembrar que o número de zungas só cresce quando o país empobrece. E nem Cascais escapa!

Quanto ao termo "zunga", pedi-o emprestado a Pepetela, O Tímido e as Mulheres, 2013. 


3.7.15

A vontade

A vontade é uma faculdade cada vez mais adormecida ou, pelo contrário, bem acordada, mas incapaz de gizar um projeto e executá-lo meticulosamente.
Os sociólogos do séc. XIX explicavam o fracasso da vontade, atribuindo-o ao meio e à hereditariedade. Presentemente, os conceitos mudaram de nome, mas não deixam de estar presentes. Também Sartre apontava os outros como sendo a causa do desvario do indivíduo...

Dito isto, convém não pôr de parte que há por aí muita boa gente capaz de demolir a vontade daqueles que tudo fazem para realizar os seus projetos...

Sendo assim, o melhor é identificar e ponderar todos os fatores, antes de dizer o que quer que seja, mas esse é o caminho mais árduo.

2.7.15

Cosmodrama: Le chaos n'est qu'une colère passagère

«Provoquer, c'est sa façon de créer. Pour dire cette lutte première, cette lutte essentielle, ce combat anthropocosmique, nous avons récemment proposé un mot: le cosmodrame. (...) Pour qui s'engage dans un cosmodrame, le monde n'est plus un théâtre ouvert à tous les vents, le paysage n'est plus un décor pour promeneurs, un fond de photographe où le héros vient faire saillir son attitudeGaston Bachelard, Le Droit de Rêver, La Dynamique du Paysage, Presses Universitaires de France, 1970 

Acabo de consultar o Médio Dicionário Aurélio e não encontro o verbete, mas eu gosto da palavra "cosmodrama", e creio que ela só, por si, caracteriza bem o verão europeu: em primeiro lugar, o calor; em segundo lugar, o destino da Grécia; finalmente, a identidade europeia.
Quanto ao calor, não sei se é a idiotice que aquece o ambiente ou se, pelo contrário, é a aproximação do sol à terra que está a gerar a insensatez que vai giboiando; por seu turno, a Grécia,  quer vote oxi (não) quer vote nai (sim), já tem o destino traçado - o aniquilamento, e dos deuses gregos parece nada haver a esperar; finalmente, a identidade europeia, aniquilada a Grécia, não passa de uma falácia...  

Ao contrário do que pensava Gaston Bachelard, o mundo é um teatro onde sopram múltiplos ventos, a única realidade que interessa aos turistas é a paisagem, e os falsos heróis insistem num protagonismo abjeto. 

Relembro, no entanto, uma outra fantástica afirmação do filósofo: O caos mais não é do que uma cólera passageira - "Le chaos n'est qu'une colère passagère". 

1.7.15

A cor não tem vontade

«La couleur distrait, habille, fleurit. La couleur embaume. Mais par elle, nous quittons la terre. La couleur ne travaille pas. La couleur n'a pas de volonté.» Gaston Bachelard, La dynamique du paysage, in Le Droit de Rêver.

O dia é de sombras, até de alguma chuva, mas isso não evita que escolha um banco de jardim, em frente de um parque vazio de crianças. O que será feito delas? Talvez as tenham levado para alguma praia da costa ou as tenham acantonado em alguma escola de pioneiros... Pouco interessa, sento-me e leio a «matéria e a mão» e  a «dinâmica da paisagem» inspirada nas gravuras de Albert Flacon (1909-1994). Sinto que tenho que voltar para casa, envergonhado com a minha ignorância e, ao mesmo tempo, fascinado com a qualidade interpretativa de Bachelard...
Entretanto, levanto os olhos e apercebo-me de que a cor das árvores e do céu está a mudar.  A mudar por efeito da diminuição da luz solar. As árvores na sua verticalidade parecem tingidas da cinza das nuvens que passam por mim, para me lembrarem que o dia é de sombras
                         sombras aéreas que parecem querer refrear-me a vontade....