31.5.15

Ao serviço de um único Deus. Sempre Único...


Sou dum tempo em que a vizinhança dos rios não significava proximidade. Faltava o transporte e, sobretudo, faltavam os recursos económicos para o essencial quanto mais para o lazer. A terra árida escondia os rios e as suas margens férteis; tornava invisíveis as toalhas líquidas, os barcos uma miragem; de aproximado, apenas, um barco a remos sem futuro
Por seu turno, os castelos, que se elevavam no compêndio de História, pareciam mais perto; eram, no entanto, anacrónicos; eram a representação da odiosa guerra, mesmo quando ao serviço de um único Deus. Sempre Único, fosse qual fosse o lado: da defesa ou do ataque. Tomar partido era ser patriota... e a guerra recomeçava e, ainda agora, continua um pouco mais longe, mas é a guerra por um Deus, por uma Terra...
Hoje, finalmente, visitei o Castelo do Almourol, reconstruído segundo o patriotismo de cada época. Assente no meio do Tejo, continua a observar manobras militares de não sei qual guerra...
Mesmo que a importância do Castelo do Almourol seja apenas a de nos prender a uma identidade enraizada no tempo da reconquista, convém não esquecer que não há poder sem castelo. Pode é não estar situado no meio do Tejo, o tal que nos deitou ao mar ou ao mundo, segundos outros megalómanos, como se não houvesse mais mundo para além de nós...

30.5.15

Vila Nova da Barquinha em duas horas

O Rio

O silêncio.
O restaurante: bom atendimento e bom peixe de rio.
A Câmara Municipal fechada.

Parque fluvial
Poucas crianças para as várias atividades lúdicas.

29.5.15

Ensinei-lhes a mentir?

«Se o meu filho fosse vivo, havia de fazer dele um homem de bem, desses que vão ao teatro e a tudo assistem, com sorrisos alarves, fingindo nada terem a ver com o que se passa em cena! (...) Havia de lhe ensinar a mentir, a cuidar mais do fato que da consciência e da bolsa do que da alma.» MATILDE, em FELIZMENTE HÁ LUAR!, de Luís Sttau Monteiro

Depois de três anos a defender a verdade, a consciência e a autenticidade, leio com todo o cuidado uma Carta a Camões - um daqueles exercícios de escrita em que o jovem, nos seus 17 ou 18 anos, é livre de expor as suas ideias, sendo apenas objeto de correção quanto à composição e à gramaticalidade do discurso - e descubro que o dia de hoje em nada difere do tempo do Épico.
Até parece que, afinal, o objetivo da minha ação nestes três últimos anos foi ENSINAR A MENTIR.

Não sei como caraterizar esta atitude e muito menos como justificá-la. Todas as fundamentações me parecem absurdas. Em todas as épocas, os valores foram espezinhados, em nome da conquista ou da manutenção do poder. 
Houve sempre, no entanto, a esperança de que o tempo pudesse deixar de ser como «soía"... Eu, hoje, estou, como o Poeta, desiludido...

Será que ao longo de todos estes anos lhes ensinei a mentir?

28.5.15

Um padrão repulsivo feminino

Os bovinos não têm qualquer culpa. A vida deles já é suficientemente maçadora, isto sem esquecer a «musca domestica communis» e outros moscardos que chegam com a canícula. 
Apesar do apregoado carinho pela fauna cada vez mais distante, a realidade é, todavia, cruel: sempre que algo não corre a contento, a vontade calada desafoga-se em simpáticos epítetos: ratazana, cobra, vaca, cadela, raposa, burra, mula, víbora... (a lista fica em aberto)...
Da observação resulta uma particularidade machista: o recurso à forma feminina. Um pouco como se a cultura popular estivesse eivada de um padrão repulsivo feminino, cuja origem datasse de um paradigma religioso masculino, do tempo em que se quis por termo à misoginia.
Não sei se é assim ou não. A verdade é que o desprezo continua a ser escrito no feminino, mesmo quando o sujeito deixou de ser masculino...

(Este texto talvez não devesse ser aqui postado, mas o facto é que me sinto bastante mal-humorado porque, entre outros factores, logo pela manhã, ... me colocou no caminho uma casca de banana...e, de momento, me sinto a banana do meu caminho...)

27.5.15

Uma função sem objeto

GUARITA - s.f. Pequena casa, geralmente de madeira fixa ou móvel, desenvolvida para abrigar sentinelas, vigias, seguranças.Torre em que ficavam os sentinelas; torres situadas nos cantos de antigos fortes, desenvolvidas para dar proteção aos sentinelas.

Agora que penso nisso percebo que há mais guaritas do que eu pensava. Talvez, por comodismo, habituei-me, nos últimos anos, à inutilidade das guaritas dos quartéis. Raramente, lobrigo uma sentinela, mesmo se a chuva acontece copiosa. Nem sequer, os rejeitados da vida, ou de si próprios, se recolhem nessas torres esquecidas...
No entanto, à medida que os condomínios fechados e os parques de estacionamento se apoderam das ruas e do subsolo, as guaritas multiplicam-se, e nelas vislumbro seguranças no lugar dos sentinelas...
Porém, o que eu desconhecia é que nas escolas também existem guaritas: recantos donde se avistam os professores e os alunos que circulam nas galerias; ou simples cadeiras, das quais se enxerga a indisciplina das chegadas e partidas. 
Neste último caso, desconheço o estatuto destes "vigilantes" e, sobretudo, não sei a quem servem. Temo, contudo, que estejamos perante uma função sem objeto, em que a simples presença, e até ausência, justifica a existência da guarita...

26.5.15

Com o calor

Com o calor, tudo se torna mais moroso. Poder-se-ia pensar que a morosidade nos tornaria mais razoáveis, mas não.  
A irracionalidade cresce, a surdez aumenta, porém as vozes sobem de tom. Com o calor, acentuam-se os ajustes de contas...
Afinal, parece que passamos o ano à espera que o estio nos enlouqueça... 

25.5.15

O etnocaos na F.C.Gulbenkian

Outrora, chamavam-lhe miscelânea; hoje, há quem prefira falar de um novo estilo: o etnocaos. Talvez por isso me tenha deslocado no dia 23 de Maio à Gulbenkian, onde tive oportunidade de presenciar a empolgante exibição do grupo ucraniano DakhaBrakha, criado em 2004, no centro de arte contemporânea de Kiev DAKH, pelo diretor de teatro de vanguarda Vladysslav Troitsky...
A verdade é que durante o espetáculo, mal informado sobre a pretensão estética do DakhaBrakha, senti-me um pouco frustrado, pois os instrumentos, os ritmos e as vozes lançavam-me para outros territórios distantes da Ucrânia: África, Ásia... No entanto, o problema era meu: o público parecia delirar com a profusão de sonoridades e de efeitos vocálicos...
Quanto a mim, ao observar os instrumentos, dei comigo a pensar que o lusotropicalismo tinha feito a sua aparição em má hora, e que o anátema sobre a miscigenação era afinal uma invenção dos seguidores da Reforma, que combatiam os monopólios, mas não deixavam de armar as fronteiras... Talvez o etnoscaos cultural possa ser a nova solução global e, sobretudo, dar trabalho a uma nova geração de antropólogos...
(...)
Já que o caos parece estar instalado, o melhor é não esquecer que no dia 23 de Maio de 1179, o Papa Alexandre III emitiu a Bula Manifestis Probatum que reconhecia Portugal como um reino pelos serviços prestados à expansão da fronteira cristã...
Já lá vão 836 anos... de caos!


24.5.15

O RINOCERONTE na Escola Sec. de Camões

http://claleal.blogspot.pt/2011/11/
À medida que os rinocerontes se multiplicam, poucos são os homens que resistem!
Desta vez, a alegoria saiu das páginas do Rinoceronte (1960) de Eugène Ionesco (1909-1994), numa adaptação e encenação consistentes, com incidência nas personagens Berénger, Jean e Daisy.
O recurso ao intertexto (Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, e a imagens de situações contemporâneas de degradação do ser humano) permite iluminar o absurdo exposto por Ionesco.
Na Escola Secundária de Camões, as resistentes têm nome: Maria Clara Melo da Silva e Graça Gomes. Sem elas, o GTESC já estaria extinto há muito. A montante, o rio parece ter estagnado!
Em síntese, a peça denuncia o que está a ocorrer sob os nossos olhos, portas dentro... De parabéns, estão todos os que ousaram preparar e levar a cabo este espetáculo.

23.5.15

Carta a Luís Vaz de Camões

Prezado Camões,

Ultimamente, encarreguei uns tantos jovens de te escrever uma carta, no âmbito de uma homenagem a um poeta cujo patriotismo talvez tivesses apreciado - Vasco Graça Moura.
Estes jovens, em fase de conclusão dos estudos secundários, sentem-se um pouco constrangidos, mas lá vão cumprindo, mais por obrigação do que por gosto...

Bem sabes que pedir não custa, e por isso decidi  relembrar algum do tempo que contigo vivi. O primeiro grande trabalho "camoniano" foi me imposto por um professor de Português em terras do Ribatejo, em Almeirim, que tomara como missão obrigar os alunos a decorar, pelo menos, uns tantos sonetos, que ele diligentemente analisava, impondo-nos, também, a memorização da sua interpretação. O sucesso dependia, assim, da capacidade de memorização dos sonetos e da respetiva exegese. O meu resultado foi fraco, porque a minha memória, já testada nas aulas de botânica, sempre fora frágil... Se não compreendia, não memorizava; se compreendia, detestava o "ipsis verbis".
Um ou dois anos mais tarde, nas margens do Nabão, redescobri a beleza da memória, quando, certo dia, ouvi o professor Hernâni Cidade citar com propósito Os Lusíadas. Nesse dia, invejei-te; sobretudo, admirei aquele ilustre orador que, afinal, só solicitava o nosso entusiasmo para aquelas tuas sequências em que o homem luso derrubava os obstáculos e recebia "os beijos merecidos da verdade"...
À exceção destes dois professores, nunca mais encontrei pela frente nenhum verdadeiro entusiasta da tua excelsa obra. Claro que não esqueço, de os ler, António José Saraiva ou Jorge de Sena. Admirava-os porque nas palavras escritas pressentia a leitura rigorosa dos teus versos e, até, uma certa identificação na vida, como já acontecera, por exemplo, com Bocage. E essa admiração acabou por se estender ao Vasco Graça Moura, também ele um intérprete rigoroso dos teus desígnios...

De aluno a professor, acabei por me ver metido em trabalhos "camonianos". (Só os meus alunos saberão dizer se estive à altura da missão.) Posso, no entanto, confessar-te que um dia me senti bastante defraudado quando um ilustre camonista, especializado nas capas e nas ilustrações das tuas obras, deu ordens para que a cadeira de Estudos Camonianos se tornasse obrigatória, porque eu estaria a "roubar-lhe" os alunos... Isto no âmbito de uma insignificante cadeira de Literatura Portuguesa II, em que eu incentivava os alunos a lerem Sá de Miranda, António Ferreira, Luís Vaz de Camões, Fernão Mendes Pinto.

O meu crime sempre foi o de querer que te lessem, mas não só a ti... a todos os que contigo conviveram ao longo dos séculos... e foram uns alguns! Não tantos como se poderia imaginar... No entanto, não duvido que Vasco Graça Moura foi um desses leitores e, sobretudo, foi um grande promotor da leitura.

Prezado Camões, muito mais te poderia dizer mas não quero espantar a caça.

Um teu admirador!  

22.5.15

E eu não sorri na cave do IMT...

«Evite as filas de espera e utilize o prazo que a lei lhe concede, procedendo à revalidação da sua carta durante os 6 meses que antecedem o dia em que completa as idades obrigatórias. E tenha em atenção que o documento não pode ser renovado com mais de seis meses de antecedência.
Se deixar passar o prazo de renovação corre o risco de multa por circular com a carta de condução caducada. Após 2 anos sem que tenha revalidado a carta, terá de efectuar uma prova prática caso pretenda obter novo título de condução.» Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT, I.P.)

Em 21 de Maio de 2014, fui ao ACP e tratei do processo de renovação da carta de condução, 6 meses antes do prazo se esgotar. Cumpri todas as formalidades, paguei 85 euros, e fiquei à espera...
Entretanto, fui renovando a licença de condução até hoje, inclusive, data em que o ACP me recomendou que o melhor seria deslocar-me à Elias Garcia, nº 103, Lisboa, informando que ia da parte deles, ACP... Para tirar uma fotografia... Fiquei a pensar que já tinha uma fotografia no cartão de cidadão e se ela não seria válida para o IMT.

Na posse de tal informação, desloquei-me à Elias Garcia, dei a informação ao rececionista que, por sua vez, me entregou um papelinho com o seguinte dizer: F176. E apontou-me a cave a que devia dirigir-me. Desci, a cave estava repleta de FFFFs. Olhei à volta e percebi que o rebanho estava ali todo para o mesmo; a única saída seria ser proprietário de uma senha verde ou, então, B, D, T...

Verifiquei a hora: 13 horas; o mostrador de senhas estava desligado; uma ovelha informou-me que tinham acabado de chamar o F103... Decidi esperar. De tempos a tempos, uma ou outra velha exaltava-se, porque as fotografias estariam a sair muito lentamente; haveria até problemas com as assinaturas. Lembrava-me novamente do cartão de cidadão.

Finalmente, às 15 h 20, o F176 foi chamado. A suposta fotógrafa pediu-me desculpa por se estar a rir de um chinês que acabara de sair. Tinha-lhe pedido que sorrisse, e ele nada. Disparou a máquina, e ele desatou a rir... Entretanto, perguntou-me se era portador de B.I. ou cartão de cidadão. Puxei da carteira, e entreguei-lhe o documento. Pediu-me para assinar sobre uma superfície vítrea, o que fiz de me imediato e, desta vez, perguntou-me se eu gostava da fotografia do C.C. Acenei que, por mim, tudo bem.

A senhora voltou a sorrir e disse-me que, dentro de duas semanas, receberei a carta de condução em casa. Eram 15 h 24!

E eu não sorri! Também não pedi o Livro de Reclamações até porque ele não se encontrava naquela Cave.

21.5.15

Desfasado da vida

Gradiva
(...) «la démarche de Gradiva, telle que l'avait reproduite l'artiste, était-elle conforme à la vie?» Jensen, Gradiva

Norbert Hanold, fascinado por uma escultura, artisticamente mediana, batiza-a de Gradiva, em honra de Marte Gradivus, o deus da guerra avançando para o combate...
O que lhe interessa não é a vulgaridade da figura feminina, apesar de a imaginar de estirpe nobre, mas o movimento dos pés e, particularmente, comprovar se o movimento representado está conforme ao movimento dos pés de uma mulher real...

Há 40 anos li esta obra, no âmbito da cadeira de Literatura e Psicanálise. Como a maioria dos estudantes da época, fascinado pelas teses freudianas, que tudo explicavam, li de rajada a novela de Jensen, e, agora, percebo que dessa leitura nada ficou, a não ser, talvez, pulsões contraditórias que faziam bem ao ego e matavam definitivamente a alma.

Tal como Norbert Hanold, sinto que a arte  continua desfasada da vida, só que eu já desisti de procurar a conformidade entre ambas...
Doravante, vou seguir o esforço do arqueólogo, sabendo, de antemão, que o único prazer está em não trocar os pés... 

20.5.15

O lado obscuro da vida

Quero escrever  atos "subversivos" e começo por hesitar; paro em 'sub', indeciso quanto à sequência, ainda avanço para 'vers', mas algo me faz estancar: a imagem parece não corresponder à ordem mental, um pouco como se o cérebro desse uma ordem e a mão não soubesse como cumpri-la; numa fração de segundo que, no contexto, se assemelha a uma eternidade, corrijo e escrevo "revolucionários"...
Grande parte do grupo mantém o silêncio, talvez por compaixão; há, no entanto, um ou dois sorrisos espontâneos, rasteiros, daqueles que não perdoam...   

Vivemos num interminável ajuste de contas em que deixámos de ser capazes de dar valor à compaixão e apenas amplificamos o ruído em que, por vezes, somos obrigados a mergulhar...

Esse é o lado obscuro da vida, aquele que nos faz desistir como trapos atirados para bem longe. E o queixume de nada serve, porque já não compreendemos o valor dos 'atos subversivos'...

19.5.15

O Meu Irmão, um romance negro

« E é assim o interior de Portugal: uma imensa mulher feia e viúva fechada à janela do primeiro andar de uma velha casa, esperando sair à rua numa ocasião importante como o enterro do doente que nunca conheceu mas em relação ao qual sente alguma afinidade porque vivia na terra ao lado.» Afonso Reis Cabral, O Meu Irmão, pág. 265, Prémio Leya 2014

O leitor não escapa a um sentimento de tristeza. A incapacidade do irmão mais velho de compreender e aceitar o único verdadeiro prazer de Miguel - estar com Luciana - cresce até a um ponto em que a sanidade mental se esfuma por inteiro, tornando-se inseparável da violência que elimina o único objeto do desejo...
A patologia, neste romance, acaba por ser marca não de Miguel, de Luciana ou de Quim, mas, sim, de quem se considera "normal". 
Parece que este romance  procura exorcizar o lado obscuro do Portugal esclarecido, senhor do seu destino, mas não o consegue, porque a cegueira é o seu pecado original, seja no Tojal, no Porto ou em Lisboa...
Talvez por isso, o Eusebiozinho queirosiano tenha aflorado na página 279:

«As irmãs entregaram-mo semanas depois. Entraram na casa que eu alugara no Porto com ele pela mão, porém ligeiramente atrás como o Euzebiozinho nas saias da mamã.»

PS. Apesar de tudo, em Portugal, nem todas as mulheres são feias e, sobretudo, gordas. Este estereótipo parece-me excessivo.


   

18.5.15

Como é que nos deixamos enganar?

Como diria o Vicente (Felizmente, Há Luar!, de Luís Sttau Monteiro): «É simples: digo-lhes metade da verdade. Sonham com o Gomes Freire? Lembro-lhes que o Gomes Freire é general e falo-lhes da guerra. Haverá alguém que se não lembre da guerra? A vida tem sido uma guerra atrás de outra... Odeiam os Franceses e os Ingleses? Chamo estrangeirado ao Gomes Freire... // O que não lhe digo é que se ele não fosse estrangeirado era... era como os outros... era mais um senhor do Rossio...»

Olho as capas dos jornais, hoje, vermelhas, amanhã azuis ou verdes, tanto faz, e parece que o país entrou em delírio: um clube bicampeão, super juiz caça mil milhões, a Irina traída dezenas de vezes, professores contra a entrega de escolas às câmaras, o governo quer saber se a Azul cumpre regras, BASTA de Almada, digo, de Costa, o do PS, Fátima dá alento ao povo português, líder skinhead pensa em novo partido político...

E ainda há aquela notícia de que o presidente do conselho científico do IAVE critica o Crato. Acordou agora! Quantos meses faltam para as legislativas?
Apesar de tudo, o Vicente tinha mais carácter do que esta súcia que nos informa, do que esta súcia que nos avalia, do que esta súcia que nos governa... 

17.5.15

Henrique Neto na TSF

Não sei se o homem tem alguma falha de carácter, critério, para mim, fundamental para avaliar as palavras e os atos de quem se propõe gerir a res publica, no entanto, pelas respostas que deu durante a entrevista, parece-me ser um português genuíno, para quem, a questão essencial é a visão estratégica assente na produção de riqueza e consequente criação de emprego.
Por outro lado, das suas palavras depreendi que as direções partidárias (e não só!) afastam todos aqueles que, pela sua idoneidade e experiência empresarial ou outra, lhes podem fazer sombra...
Não é a primeira vez que dou atenção às palavras de Henrique Neto, mas, hoje, confirmei aquilo que anda longe de ser praticado: o debate político deve assentar no compromisso escrito quer de quem questiona quer de quem tem obrigação de responder. E se compreendi bem, os governantes dos últimos 20 anos não sabem escrever, pois não respondem por escrito às interpelações...
Ou, em alternativa menos simpática, temos sido governados por homens sem carácter que, quando recorrem ao texto escrito, mais não debitam do que o que lhes foi escrito pelos assessores... aliás, também, o fazem quando, com recurso ao teleponto, discursam nas capelinhas...  

16.5.15

Freud mudou de prateleira

Apercebo-me agora quanto me irrita que o Freud tenha mudado de prateleira. Durante anos, esteve à mão, apesar de com o tempo ter caído fora do olhar. Passou a ser citado de cor, para mais tarde deixar de estar presente nas palavras que iam suportando o discurso... A leitura de Freud fora longa, durara cerca de dois anos, ora em francês ora em espanhol...
E Freud é apenas um entre as centenas que mudaram de lugar e jazem num recanto da parede do fundo, como se esta sala se tivesse transformado num cemitério de autores...
Nada do que acabo de anotar teria surgido se a minha mente não estivesse submetida ao princípio da CENSURA. Continuo sem saber lidar com a proibição de fazer perguntas, isto é, de dar sequência ao DIÁLOGO, e apesar de tudo, o Platão mora mais perto; bastam alguns passos para que Sócrates possa sair da prateleira e dar a volta à sala, deslumbrando os interlocutores, sempre prontos a colocarem-lhe as perguntas adequadas...
Por outro lado, as reticências também começam a aborrecer-me; parecem pressupor que, do lado de lá, está alguém capaz de reconstituir o fluxo dialogístico, e não assinalar um qualquer modo de pausa de escrevente cansado; já sem falar no ponto e vírgula que se vai instalando só para  impedir que eu desate a transcrever frases outrora sublinhadas:
  • « Selon le proverbe antique, les favoris des Dieux sont ceux auxquels ils font quitter la terre à la fleur de leur âge
  • «Nous dirions que c'est en gage d'un prochain retour que Gradiva a oublié ici son carnet car nous prétendons qu'on nous oublie rien sans un mobile secret ou un motif caché.»  
Ao citar Freud, Délire et Rêves dans la grande "Gradiva" de Jensen, mais não faço do que suspender a preguiça que me impedia de me empoleirar no canto da sala; como faltou o escadote, saltou para aqui a vaidade não consumada de poder ter sido escolhido pelos Deuses ou o desejo secreto de ainda conseguir voltar a ler o que, entretanto, já esqueci...
(...)
Freud e Platão, colocados involuntariamente longe um do outro, só estão aqui porque continuo a braços com a leitura de O MEU IRMÃO e, sobretudo, com uma questão que estou proibido de fazer: Será que Afonso Reis Cabral começou a desconfiar que o papel que atribuíra ao narrador ganhou tal autonomia que, enquanto Autor, se viu desapossado da narrativa, vendo-se assim na necessidade de introduzir um segundo narrador que controlasse o primeiro? Isto é, o Autor é, afinal, um Censor! 

15.5.15

Afonso Reis Cabral na Esc. Sec. de Camões

Foto cedida por Mário Martins
Apesar de ainda não ter terminado a leitura do romance "O meu Irmão", posso, desde já, assegurar que se trata de uma obra original que não defrauda o leitor porque não cede nem à ciência literária nem à vulgaridade tão em moda. 
Esta minha convicção saiu, hoje, reforçada pelo modo autêntico, sincero, como Afonso Reis Cabral se disponibilizou a responder às perguntas que lhe foram colocadas sobre a génese, a maturação e a composição do romance. 
O autor deixou a ideia de que escrever exige sonho, empenho, indagação, tempo e, sobretudo, reformulação e revisão. Escrever não resulta de inspiração divina, nem deve submeter-se a qualquer exigência de natureza editorial,  nem se inscreve num qualquer legado familiar por mais nobre que seja. 

(A iniciativa de trazer o escritor à Escola foi da responsabilidade dos professores Maria Teresa Saborida e Mário Martins. Este último leu um excerto do romance gerando condições para que os alunos colocassem algumas perguntas pertinentes.  A sessão decorreu na sala 32 e contou com cerca de 50 participantes, entre alunos, professores e dois representantes da editora Leya.)  

14.5.15

Um futuro sem perguntas

Desde ontem que assumi que não devo fazer perguntas. Isto não significa que não possa ser questionado. Se o for, responderei de forma concisa de modo a não cair em tentação... A ação (ou a inação) decorre num contexto específico.

Dou agora conta que há uma hora fiz uma pergunta, não interessa qual. E apesar de não obter satisfação, obtive, no entanto, uma resposta. 
Enquanto leio "O Meu Irmão", de Afonso Reis Cabral, romance que aborda precisamente as dificuldades de comunicação resultantes de um dos interlocutores sofrer do síndroma de down, vou-me interrogando sobre a natureza da comunicação a partir do momento em que abdicamos de fazer perguntas...
Não desejando, por enquanto, remeter-me ao silêncio absoluto, porque dá cabo de qualquer contexto, vou experimentando os efeitos do diálogo em que B responde a A sem poder contra-interrogar... As respostas passam a ser secas, concisas, mergulhando no silêncio até que surja nova pergunta. Pressinto que esses hiatos poderiam ser desafiantes, não fosse A alhear-se por vontade própria ou por incapacidade momentânea...

(E, de súbito, revejo os avós paternos, sentados diante um do outro, e eu à espera que eles se questionem sobre um qualquer assunto por mais mesquinho que seja, mas nada acontece entre eles. Nem A nem B colocam qualquer pergunta, e estou sem saber se tinham feito um pacto contra a indagação ou se, apenas, se lhes tinham esgotado as perguntas.)

Ao fim de tantos anos a fazer perguntas noutro contexto específico, parece que se anuncia o tempo de deixar de fazê-las. E esta possibilidade começa a despertar-me a vontade de começar a ir à pesca...

13.5.15

Afonso Reis Cabral, na próxima 6ª feira, na Esc. Sec. de Camões

A nota biográfica que se segue corresponde à transcrição de um artigo publicado pelo Semanário Expresso.

Em 1990, Lisboa viu-o nascer. Depois disso, o Porto viu-o crescer. Até ao 9º ano, Afonso Reis Cabral frequentou o Colégio dos Cedros. Do 10º ao 12º, foi aluno na Escola Secundária Rodrigues de Freitas. Nestes três anos letivos, a professora Alexandra Azevedo introduziu-o aos Estudos Clássicos. Foram dois anos a aprender Latim e um a aprender Grego. Mas, pelos vistos, em 2008, Afonso não se viu assim tão grego no European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature. Em 3552 concorrentes, era o único português e ficou na oitava posição. 
Mas recuemos um pouco - até aos 15 anos de Afonso. Bom, com 15 anos era altura mais do que certa para andar em namoricos ou a colecionar cromos em cadernetas. Quem diz isso, diz publicar um livro de poesia. Afonso carregou as nuvens de poemas e depois choveu o resultado: "Condensação". Apesar de chovido, este livro, publicado pela Corpos Editora, não foi caído do céu. Afonso entregou-se à escrita durante cinco anos (dos 10 aos 15).
Invicto e convicto, Afonso Reis Cabral deixou o Porto para regressar ao berço. Licenciou-se e amestrou-se na Universidade Nova de Lisboa, primeiro em Estudos Portugueses e Lusófonos e depois em Estudos Portugueses. 
"Fernando Pessoa e Nietzsche: O Pensamento da Pluralidade", "O teatro da Vacuidade ou a Impossibilidade de Ser Eu: Estudos e Ensaios Pessoanos", "Teoria Geral e Previsional dos Ciclos Económicos e Galileu na Prisão: e Outros Mitos Sobre a Ciência". O que é que estas obras têm comum? Foram todas revistas por Afonso. Mas não são as únicas. Aliás, o jovem português já se deu ao luxo de 'corrigir' a nonagenária Agustina Bessa-Luís. Foi em 2012, quando fez a revisão de "Cividade". Afonso já foi revisor em várias editoras e trabalha atualmente na Alêtheia.
(...)
Os rascunhos de "O Meu Irmão", obra que mereceu o galardão Leya, já remontam pelo menos a 2006. Na altura, Afonso Reis Cabral publicava um texto onde manifestava a sua indignação para com a prática do aborto. O seu irmão Martim nasceu um ano depois de Afonso. Antes ainda de conhecer a luz, Martim foi diagnosticado com Síndrome de Down. Neste texto, Afonso perguntava: "Com que direito é que a lei diz que se podem matar bebés deficientes, ainda não nascidos, até aos seis meses de gestação? E se tivessem tocado a campainha ao meu irmão Martim?".
No relato pormenorizado sobre os comportamentos - afetados pela condição - do seu irmão, Afonso escreveu as seguintes palavras: "Umas vezes, quando volta do colégio, vem todo irritado, outras falador, outras macambúzio, outras indiferente, outras gracejando, outras saltitando. Vem sempre feliz. Tem uma rotina muito certa, o meu irmão Martim. Colégio, pão, televisão, banho, jantar, cama. No meio disto tudo, decide chatear-me um pouco, mas enfim... E depois, quando se deita, antes mesmo de fechar os olhos e de cair nos braços de Morfeu, diz, abafado pelos lençóis: 'Bo noite, mano'". 
Oito anos depois, a afeição de Afonso Reis Cabral ao irmão é premiada com 100 mil euros. Talento, trabalho e muito humanismo. http://expresso.sapo.pt/sociedade/afonso-reis-cabral-eca-arvore-genealogica-nao-explica-tudo=f894305

12.5.15

Enquadramento - caminhos

De nada serve queixar-me! Por isso, embora tardiamente, aqui fica o enquadramento...


Guernica (pormenor)


Todos fomos espanhóis de 1936 a 1939 (...) O génio de Picasso fixou essa agonia. É uma obra de arte que é um manifesto político. É a sua forma de dizer isto que disse também em palavras: “No, la pintura no está hecha para decorar las habitaciones. Es un instrumento de guerra ofensivo y defensivo contra el enemigo.Goya tinha dito o mesmo, noutros termos, quando pintou o “3 de Maio de 1808” (...) e quando nos pomos no lugar dos homens que estão prestes a ser executados. Disse o mesmo nas suas famosas pinturas negras, de caras esfomeadas. (...)

A consciência política anda pelas ruas da amargura e eu, que detesto a propaganda, reconheço que há certos temas que, como a arte engajada ou comprometida, necessitam de educação artística... Caso contrário, a arte só serviria para assegurar a imortalidade de uns tantos e a vaidade de muitos outros. Mas em nome de quê?  

11.5.15

Indícios de tragédia n' OS MAIAS ou um não-assunto...


Como diriam alguns políticos, vou tratar de um não-assunto. A quem é que poderá interessar indicar três ou quatro indícios (presságios) de tragédia no romance Os Maias?

  • A lenda da fatalidade das paredes do Ramalhete.
  • Os cabelos pretos e os olhos dos Maias (...) de «um negro líquido» (Afonso, Pedro, Carlos, Maria Eduarda)...
  • A visita de Carlos, a pedido de Maria Eduarda, a «uma pessoa da família»...
  • O ar de meditação sinistra dos olhos «redondos e agourentos» do mocho que fixa o leito fatídico, na Toca. 
  • Maria Eduarda tenta contar a Carlos três vezes a história da sua vida... 
  • A tapeçaria «onde Marte e Vénus se amavam entre os bosques» na Toca.
  • O «móvel divino» do Craft com os quatro evangelistas que «um vento de profecia parecia agitar»; dois Faunos tocavam num desafio bucólico, a frauta de quatro tubos».
  • A parecença de Carlos com a mãe, Maria Monforte (ponte de vista de Maria Eduarda)...
  • A sombra negra das personagens femininas que se projetam na Vénus Citereia...
                                                                              (...)
Para quem não tinha paciência para reler Os Maias, tempos houve em que se aconselhava a leitura atenta do ensaio NOVA INTERPRETAÇÃO DE OS MAIAS, de Alberto Machado da Rosa, in Eça, Discípulo de Machado?, editora Fundo de Cultura, 1962.

Hoje, decidi revisitar o Alberto Machado da Rosa, registando alguns dos indícios da tragédia que se vai avolumando, mesmo que o desfecho pareça longe de qualquer catástrofe...
De qualquer modo, o ensaio permite outras chaves de leitura se quisermos cruzar os planos da conceção do romance: o histórico, o simbólico e o trágico...




10.5.15

As ruas em exame

Dicionário terminológico em linha

"As ruas da cidade estão desertas.»
"As ruas de Lisboa estão engarrafadas.»

A expressão sublinhada é um complemento de nome ou um modificador restritivo de nome? A resposta, se consultarmos o Ciberdúvidas ou as Gramáticas mais recentes, não é fácil. 

Em exame nacional, acertar na resposta vale 5 pontos. De acordo com alguns linguistas, o melhor a fazer é não colocar a pergunta... (critério duvidoso mas eficaz!)

Nestes últimos dias, experimentei testar a pergunta, não fosse o IAVE ignorar o conselho dos linguistas, e o resultado não só não é esclarecedor, como descobri que há sempre alguém capaz de morrer pela sua opção, o que muito deploro...

Atrevo-me, entretanto, a deixar aqui outro exemplo:

"As ruas em exame deveriam ser fechadas ao trânsito."

Será que os Linguistas e os Gramáticos já descobriram qual é a verdadeira resposta? Bem longe das terras lusas, vive um japonês, estudioso da língua portuguesa, que acaba de me confessar que também ele gostaria de ter alguma certeza nesta matéria...

De qualquer modo, em caso de controvérsia, lá teremos que classificar ambas as respostas como certas -  IAVE / MEC 2014.    

9.5.15

Vivemos fora de nós

Gare de Alcântara

Os painéis de Almada Negreiros ocupam todo o salão que dá para o Tejo. No corropio de turistas que não sabem como ocupar o tempo, só um ou outro levanta os olhos e parece surpreendido com a cor e as figuras que deram corpo ao estado novo, mas tal ideia não lhes passa pelo pensamento, e até a Nau Catrineta deixou de voltar com as histórias que tinha por contar: 

«Lá vai a Nau Catrineta,
leva muito que contar,
Estava a noite a cair,
e ela em terra a varar.»

Parece que estamos encalhados, e nem a arte sabemos divulgar! Diluídos, vivemos fora de nós, preferimos esconder a identidade...

No entanto, inaptos, insistimos em não ouvir o gajeiro:

«Não vejo terras de Espanha,
nem praias de Portugal.
Vejo sete espadas nuas,
que estão por te matar.» 

Hoje, nem Almeida Garrett nem Almada Negreiros são devidamente apreciados, provavelmente pela mesma razão que «alcântara» perdeu o significado original - ponte.

8.5.15

A fronteira

«Acabará a música, todos irão aonde têm de ir, corre sossegadamente o rio Caia, de bandeiras não resta um fio, de tambores um rufo, e João Elvas nunca chegará a saber que ouviu Domenico Scarlatti tocando no seu cravo.» José Saramago, Memorial do Convento.

O rio Caia ainda era fronteira no reinado de D. João V, delimitava a fronteira entre Portugal e Espanha na região de Olivença. Em 1815, o Congresso de Viena reconheceu a soberania portuguesa... A 7 de maio de 1817, a Espanha ratificou a Ata Final. No entanto, passados 200 anos, «de bandeiras não resta um fio»...

De facto, nem João Relvas chegou a saber quem acabara de tocar «uma música delgadinha, suavíssima, um tilintar de sininhos de vidro e de prata, um arpejo às vezes rouco, como se a comoção apertasse a garganta da harmonia», nem a nós  interessa essa ou outra fronteira...

Para quem anda tão apressado, a fronteira mais não é do que um obstáculo. Afinal, o mundo é todo igual, dizem uns tantos.

Mas não, o mundo está cada vez mais desigual. Todos os dias se elevam novas fronteiras. Todos os dias se morre nas fronteiras... e nós continuamos a flanar. Mentira, continuamos a deambular!


7.5.15

Sinto-me um tanto desvirgulado

Os dias se não estão mais compridos tornaram-se-me mais pesados. Talvez devesse ter colocado atrás uma vírgula, mas sinto-me um tanto desvirgulado, apesar de refrear tudo o que penso, isto é, de virgular todas as pausas  a que me forço para não cair no acinte...
Cair no acinte já não cai bem na minha idade, dizer que a novidade do dia tem barbas não incomoda, pareceria que me estaria a colocar em bicos de pés...
Ainda na posse de um manual de etiqueta, deixo-me ficar sentado a ver em que param as modas que não divergem muito das de outras eras que concluíram que ser cortês sempre era melhor do que carniceiro... tudo em benefício de damas agravadas e crianças desamparadas...
Verifico agora que de tanto cair já sofro de cacofonia e que a minha obrigação seria voltar atrás, de modo a não profanar os ouvidos das almas mais sensíveis, mas vejo-me em estilhaços, por não ter percebido à primeira que as almas não têm ouvidos, não têm olhos, não têm nada...
Eu é, que desvirgulado e desalinhado, investi nos dias e só agora percebo que, ao contrário do didata, não posso eliminar a cacofonia e muito menos impedir que os anjos sejam reverentes...
Ainda se eu fosse o senhor das vírgulas!
A partir de hoje, o meu sonho é fechar os olhos numa vírgula à espera que surja a maiúscula que me interpele e me faça cair no acinte...
Imagine o leitor que, enquanto espero, decidia mudar o título para não ofender a vírgula, e começava novo ensaio, ou como se diz há uns tempos, iniciava nova tentativa:
Sentia-me um tanto desvirginado... já estou a ver os rostos carrancudos, Isso é coisa que se escreva... o melhor é mesmo afundar-me no grupo verbal!   

6.5.15

Baseado na galinha da vizinha...

«Escrever é um dos mais efetivos caminhos para o desenvolvimento do pensamento.» Citação de uma citação.

Em contexto escolar, o aluno deve ser convidado a escrever sobre problemas da atualidade... De início, a questão não é como escrever e sobre o quê...,  mas ser capaz de determinar quais são os problemas mais prementes do ponto de vista dos alunos e, posteriormente, investigá-los e debatê-los, de forma participada, oralmente...
(...)
O aluno não deve ser convidado a escrever sobre textos, mas, sim, sobre a vida. Poderá, entretanto, ler textos que o ajudem a definir regras de textualização ou a compreender como certos problemas da sua própria vida são e foram tratados por autores de diferentes épocas...
(...)
Este percurso não se conforma com o afunilamento temporal, porque aprender a pensar não é um processo cronometrável e linear, e, sobretudo, exige a proximidade de um formador que tenha hábitos de escrita...
(...)
O pensamento em si é nada, se, a cada passo, pomos de lado a vida. O texto complexo em si não existe, a forma como vivemos a vida é que pode ser desvirtuada...

5.5.15

Oração profana, na perspetiva de um aluno do 12º ano

«O trabalho dá o que a natureza nega.» ( provérbio popular)

Se quisermos refletir sobre esta asserção, na perspetiva de um aluno do 12º ano que, dentro de um mês, terá que escrever um texto opinativo ou argumentativo, é essencial formular e responder previamente, pelo menos, a duas perguntas:

- O que é que a natureza nega ao homem?
- Em que é que o trabalho pode substituir a natureza?

Claro que, em alternativa, podemos questionar se, de verdade, a natureza nega alguma coisa ao homem. Ou, se pela força do trabalho, o homem é capaz de fazer tábua rasa da natureza.

Sem a formulação destas (ou doutras) perguntas, de nada serve começar a opinar ou a argumentar sobre o tema proposto, isto é, qualquer introdução será aleatória e, consequentemente, o desenvolvimento não passará de um amontoado de lugares comuns... Quanto à conclusão, a existir, nada terá a ver com o problema em debate...

Por outro lado, convém não esquecer a origem popular do provérbio, o que determina que o aluno opte por um ponto de vista assente na sabedoria popular...

Desapontamento

Rosto transfigurado, como se as sinapses se tivessem desenlaçado, olhos encovados, transtornados pela luz elétrica, cabelos em desalinho, apesar da calmaria sonâmbula, assim se apresenta o professor, depois de, durante uma manhã, ter lutado contra a desatenção e a dispersão...

Diante de si, surge uma imagem que já não necessita de ser refletida pelo espelho...

Pelo calendário, faltam 30 dias! De qualquer modo, o desajustamento vai manter-se... Até quando?

4.5.15

Juras e juros

Na vida pública e na vida privada, as promessas ( as juras) não são para cumprir. Apesar de haver testemunhos de que outrora os homens (e as mulheres) eram honrados, sacrificando a vida se necessário fosse, creio que, na verdade, eram mais os incumpridores do que os que honravam os compromissos...
Claro que, ao longo dos tempos, os pedagogos idealizaram uma sociedade mais justa e procuraram implementá-la através da ética, da moral, sem esquecer a religião, e das artes, mas, a prática sempre se revelou contrária aos princípios instituídos. Nalguns alguns casos, como, por exemplo, acontece com a Literatura, o Belo frequentemente não segue o Bem.

Quanto aos juros, aí o caso muda de figura, se não cumprimos somos severamente sancionados. Até porque se pagarmos os juros, estaremos, ainda que minimamente, a amortizar as dívidas... E a virtude está em sermos cumpridores, mesmo que ainda deixemos parte dos encargos para os vindouros...

Ora há por aí uns tantos que juram não pagar as dívidas, mas que sabem que alguém vai ter que pagar os juros. Só que não serão eles! 
Eu, por mim, não voto neles...

3.5.15

De que nos servem as pontes?

De que nos servem as pontes se em caso de terramoto e de marmoto devemos fugir delas? Os rios, que nos levam ao mundo em tempo de paz, tornam-se nos nossos maiores inimigos em tempo de crise... Em tempo de austeridade, as pontes desertas consomem recursos infindáveis, sem haver maneira de pôr cobro a tal despautério e, paradoxalmente, ninguém as acusa de nada, porque nos habituámos a que elas ligassem as margens, para que possamos fugir de nós...

Eu gosto de atravessar pontes. Até há pouco tempo, pensava mesmo que era capaz de as construir, mas ultimamente as ilhas têm-se mostrado distantes e avessas a travessias. Talvez por isso, se o próximo terramoto me der tempo, vou evitar os rios, mesmo que as pontes fiquem suspensas do firmamento...

Ontem, a propósito da educação do gosto, quero esclarecer que me sentia um pouco "enovoado"..., precisamente porque com tantas pontes que se anunciam, comecei a temer que do nevoeiro surja um novo cavaleiro andante... 

2.5.15

A educação do gosto

«A tarefa do artista é convencer-nos de que isto poderia acontecer. A coerência interna e a plausibilidade tornam-se mais importantes do que a correção referencial.» James Wood, A Mecânica da Ficção, pág. 253, editor Quetzal

Preocupa-me esta renovada tendência em querer educar o gosto literário das crianças e dos adolescentes deste país. 
Ao longo da História, a instrução, essencial ao crescimento humano, foi sendo metamorfoseada em educação, acabando quase sempre ao serviço de programas doutrinários ou ideológicos estabelecidos pelos grupos dominantes ou que, paulatinamente, preparavam o acesso ao poder. Raramente, a educação inverteu o «statu quo». 
Sob a capa de valores civilizacionais, religiosos, artísticos, nacionalistas, internacionalistas ou simplesmente patrimoniais, os programadores educativos não resistem a condicionar a emoção humana...

Felizmente, as fontes do gosto desmultiplicam-se a cada dia que passa, tornando obsoleto qualquer tipo de programa.

Por mais que a Autoridade e a Referência se confundam, o que acabamos por aprender é que a coerência interna e a plausibilidade escapam a qualquer programador, pois, por natureza, se apresenta como gestor de almas alheias...


1.5.15

Eu não sou viral

Concluo hoje que não sou viral, ou seja tudo o que digo ou escrevo não se espalha como se fosse um vírus. 
Ontem, referi-me ao problema colocado por quem procura evitar a especialização dos jovens, determinando, no entanto, que devem saber ler e escrever "textos complexos"... e já antes me referira à estreia do filme Uma Rapariga da Sua Idade... Entretanto, pedira a uns tantos jovens que opinassem, por escrito, sobre o provérbio "Do trabalho e da experiência, aprendeu o homem a ciência". 

E estou satisfeito por não ser viral, pois cedo conclui que se o fosse estaria a ser infantil e que o estado de infantilidade parece ser o verdadeiro desiderato de quem nos 'programa'... Na verdade, o provérbio, apesar de ser uma forma simples, revela-se um texto complexo... a maioria não chega a perceber nem o que é a ciência  nem que ela resulta da conjugação ativa do trabalho (criativo) com a experiência (vívida)....
Talvez por essa razão, voltei à Culturgest e tornei a ver o filme Uma Rapariga da Sua Idade, dando mais atenção à linguagem verbal e gestual dos protagonistas, o que me permitiu compreender a complexidade do texto "dramático"... Por outro lado, o Márcio Laranjeira, a Mariana Sampaio e o Alexander David, ao responderem às perguntas do público, revelaram que a autenticidade da obra (do tal texto complexo) resulta não só do trabalho e da experiência mas, sobretudo, da emoção que não se deixa capturar pelo simplismo imediato e populista...
Eu não sou viral porque fujo da gabarolice e sei que a simplicidade é inimiga da infantilidade.