6.10.14

Ler na hora certa...

Quando leio um "novo" livro, fico quase sempre com a sensação de que ando atrasado. E agora que estou na página 361 do romance O SONHO MAIS DOCE, (2001 ) de Doris Lessing, dou comigo a pensar que se, à data, o tivesse lido, a minha vida poderia ter seguido outro rumo.
As ideias defendidas por Doris Lessing não me são estranhas, só parte do enredo me escapa, isto é, só o espaço não me é familiar, pois foge ao imaginário lusófono. 
A ação decorre num cenário britânico, no contexto da expansão e queda do comunismo soviético, mudando progressivamente  para um novo cenário: o da independência de um povo africano, tutelado primeiramente pela URSS ( e a espaços pela China) e depois pelo dinheiro Global do Banco Mundial e organizações afins, oriundas, por exemplo, da Suécia, da Dinamarca, E.U.A., África do Sul...
Como disse, as ideias não me são estranhas: descobri-as, em grande parte, durante um mestrado em Relações Interculturais nos anos 90. Alguns dos professores trabalhavam, no âmbito da cooperação, para o Banco Mundial, com o intuito de arrancar da fome, da doença, da ignorância, a África negra, o continente esquecido por Deus... Por vezes, queixavam-se dos poderes locais que frustravam o SONHO que os alimentava... Raramente, admitiam que a responsabilidade fosse dos doadores...
Ainda com ecos do proselitismo ocidental, leio (devoro) o romance de Doris Lessing, prémio nobel da Literatura em 2007 e registo, aqui, um excerto, a pensar nos privilegiados que, diariamente, vou suportando na sala de aula:

«Os rostos do grupo, de todas as idades, de crianças a homens e mulheres e velhos, estavam extasiados, silenciosos, atentos a cada palavra. Instrução, isto era a instrução por que muitos tinham ansiado durante a vida inteira  e haviam esperado conseguir quando lhes fora prometida pelo governo. Às duas e meia, Sylvia chamava da multidão um rapaz ou uma rapariga mais adiantado no estudo do que os outros e pedia-lhe  que lesse alguns parágrafos de Enid Blyton - uma grande favorita - de Tarzan - outro -, de O Livro da Selva, que era mais difícil, mas apreciado, ou do preferido de todos eles, O Triunfo dos Porcos, que era a sua própria história, como diziam. Ou então o atlas ia de mão em mão, aberto numa página que tinham acabado de estudar, para fixarem melhor o que sabiam.»

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