4.5.14

Por trás dos olhos cegos

Por trás dos olhos cegos, creio que o verso é de Fernando Pessoa, revela-se no nº 7 da Rua do Vale um atelier museu pensado e desenhado pelo Arquiteto Álvaro Siza Vieira… e coincidentemente os mesmos olhos tiveram oportunidade de ver a procissão em honra de Nossa Senhora da Escada… Uma procissão singela, sem a luxúria das de D. João V, mas com marinheiros e escuteiros…
Um mar de interrogações num espaço tão reduzido!
Da igreja de Jesus (do distante Colégio jesuítico), sai a procissão, virando as costas ao Liceu Passos Manuel (de memória quase tão antiga), indiferente à Rua do Vale (memória quase infantil, mas onde a obra de Júlio Pomar começa a ser acolhida) e segue em direção à Assembleia da República, mas não creio que esta Nossa Senhora venha a descer a escada…
Ela será da Escada porque um dia lançou uma escada a uma jovem mãe que era perseguida porque roubara um pão para alimentar um filho ou, hipótese mais consentânea com a encenação de hoje, porque os marinheiros de quinhentos se habituaram, ao descer ou ao subir a escada, que ligava a terra ao Tejo, a solicitar ou a agradecer a proteção ( haveria, junto a um dos cais, uma pequena ermida devotada a Nossa Senhora da Conceição!)…
Compreendo que com os olhos a aprendizagem seja mais dura e menos céptica, compreendo que ela  tenha ganas de pôr de lado a razão, mas devo acrescentar que os olhos (e muitas vezes o passado) me obrigam a procurar o que a luz, por vezes, esconde, tal como Fernando Pessoa, o próprio, confirma:
Quando era criança / vivi, sem saber, / Só para hoje ter / aquela lembrança.// É que hoje sinto / aquilo que ontem fui. / Minha vida flui, / Feita do que minto./ / Mas nesta prisão, / Livro único, leio/ O sorriso alheio / De quem fui então. //   (2.10.1933)
E a propósito da dúvida inicial, o verso do título é de FP / Ricardo Reis (25.5.1930): Se recordo quem fui, outrem me vejo, / E o passado é o presente na lembrança. / Quem fui é alguém que amo / Porém somente em sonho. // E a saudade que me aflige a mente / Não é de mim nem do passado visto, / Senão de quem habito / Por trás dos olhos cegos. // Nada, senão o instante, me conhece. / Minha mesma lembrança é nada, e sinto / Que quem sou e quem fui / são sonhos diferentes. //

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