30.4.14

Dona Olinda, no Portugal de Abril

Dona Olinda disse-me esta manhã "este dia só termina à meia-noite". Amanhã, Dona Olinda já não estará ao serviço. Cessa uma "servidão" de 40 anos. O termo parecerá excessivo, mas transmite por inteiro a sua dedicação à Casa em que entrou há 40 anos. Dedicação à Casa e aos sucessivos inquilinos que, por vezes, exigiam como se fossem senhores... e ela, discreta, a todos servia... Sorriso luminoso quando a ouviam com atenção, sorriso fechado quando lhe ignoravam a presença...
Ao chegar à Casa, em 1998, percebi de imediato quem poderia ser meu interlocutor. Compreendi que sempre que necessitasse de um esclarecimento na Biblioteca, de uma chave, de uma sala devidamente preparada para uma qualquer reunião de última hora, de umas flores para um velório ou para receber um convidado, bastava dirigir-me à Dona Olinda. Descobri ainda que ela sabia o nome de todos os professores, funcionários e, até, da maioria dos alunos. E também descobri que ela sabia o lugar de todos os equipamentos e de todos os livros, conhecendo-lhes, muitas vezes, a função e, sobretudo, que escutava, em silêncio, a história de muitos que procuravam o palco e o aplauso...
Por tudo isto, ultimamente, sempre que me cruzava com Dona Olinda, eu sentia-me triste se a via a varrer a flor dos plátanos ou se me apercebia que ela executava uma qualquer tarefa porque outrem tinha faltado ao serviço ou simplesmente não cumpria o seu dever.
E hoje não posso deixar de me sentir triste, não porque ela se aposente, mas porque parte com uma pensão miserável que a irá obrigar a continuar a servir.
No dia 1 de maio de 2014, dia do trabalhador, Dona Olinda que dedicou toda a sua vida ao Liceu / Escola Secundária de Camões, não deixará de pensar que a recompensa para tamanha dedicação é, afinal, mesquinha...

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