16.5.13

Co'a palmatória

Para quem governa, a profissão de um militar ou de um polícia impõe um desgaste físico e psíquico acelerado. Pelo contrário, o professor não passa de um madraço que se limita a debitar uma bolorenta sebenta a meia dúzia de meninos bem comportados.
O militar e o polícia correm permanentemente riscos ao enfrentarem o inimigo (muitas vezes, imaginário!) e, pelo facto, merecem passar à reserva, aposentar-se ou reformar-se mais cedo do que outros grupos profissionais.
Na formação de professores, enquanto teve algum espaço, o aperfeiçoamento da capacidade relacional era fundamental. O papel do professor ia muito para além da função transmissiva de conhecimento, pois era sabido que a aprendizagem dependia fundamentalmente da interação professor - aluno, e não de regulamentos impostos por palmatórias ou seus ersatz.
Só uma visão míope do ato pedagógico pode impor uma carreira docente que, um dias destes, poderá estender-se por cinquenta anos, ao mesmo tempo que os jovens deixam de ter acesso a esta profissão.
Tal como o Poeta confessava a D. José I, estou a pensar em «co'a palmatória / cavar num canto da aula a sepultura.» 

De bolorentos livros rodeado,
Moro, Senhor, nesta fatal cadeira:
De quinze anos a voraz carreira
Me tem no mesmo posto sempre achado.

Longo tempo em pedir tenho gastado,
E gastarei talvez a vida inteira;
O ponto está em que quem pode queira,
Que tudo o mais é trabalhar errado.

Príncipe augusto, seja vossa a glória,
Fazei que este infeliz ache ventura,
Ajuntai mais um fato à vossa história;

Mas se inda aqui me segue a desventura,
Cedo ao meu fado e vou co'a palmatória
Cavar num canto da aula a sepultura.


Nicolau Tolentino (1740-1811)

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