30.4.13

A sociedade de informação

A sociedade de informação, que se revela incapaz de investigar a extensão e a constituição da dívida pública, como se esta fosse segredo de estado, não tem qualquer pejo em desvirtuar «os limites externos à liberdade de informação».
No dia a dia, em nome da democracia, a sociedade de informação despreza a vida privada e familiar, os dados pessoais informatizados, a confidencialidade da situação tributária dos contribuintes, o segredo de justiça. E fá-lo com a conivência ou, mesmo, instigada pelo Estado.
Na verdade, a comunicação social sente-se autorizada a, por todos os meios, inquirir o cidadão, expondo-o na praça pública, linchando-o sem apelo nem agravo.
Por outro lado, esta prática alastrou ao mundo empresarial. Qualquer empresa dispõe, hoje, de uma base de dados e de um call center prontos a manipular o cidadão-consumidor.
E curiosamente, a sociedade de informação, apesar dos seus múltiplos tentáculos, não avança um passo no sentido de esclarecer o contribuinte sobre a dívida pública. Sobre a sua história, sobre a história dos empréstimos pedidos pelo estado português e pela banca portuguesa ao longo do século XX e nestes últimos trezes anos.
Valeria a pena saber se, na verdade, o empréstimo a 99 anos para amortizar a dívida acumulada em 1902, na sequência da bancarrota de  1892-93, foi saldado em 2001. Ou se antes, quando e como?
Por enquanto parece ser mais simples reduzir tudo a uma mesquinha luta político-partidária... e mais tarde não me venham dizer que eu não avisei! (A.C.S. - o homem que melhor conhece os segredos do estado português, depois do inamovível Dr. Oliveira Salazar!)
 
 

29.4.13

O Gebo e a Sombra (revisitado)

«Primeiro a nossa casa hipotecada e vendida naquele ano em que estive desempregado, 1893 - data negra. Depois a desgraça do filho...» Raul Brandão, O Gebo e a Sombra, Primeiro Ato.
 
A minha interpretação de 27.04.2010 ignorou uma data que, hoje, considero fulcral: 1893. (Esta data é negra porque corresponde à bancarrota parcial de 1892-93. Neste último ano, a dívida pública atingiu 124,3% do PIB. E só em 1902, foi possível renegociar e contrair novo empréstimo amortizável a 99 anos - 1902-2001.)
 
Deste modo, a situação de miséria vivida pela maioria da população acentuou-se enquanto uma minoria, onzeneira, enriquecia a cada dia que passava - enriquecia com a miséria dos outros. Esta circunstância é, assim, fundamental para compreender "o teatro de ideias" de Raul Brandão.
De um lado, vemos o Gebo, honrado e cumpridor do dever, mas pobre e desprezado; do outro lado, o filho, o João ladrão, mas revoltado, para quem é preferível «antes morrer do que viver sepultado». A viver na rua (ou na prisão) durante 8 anos (1893-1901), João vai descobrindo que « há criminosos que têm alma e homens honrados que a não têm.» E acaba por ser ele que enuncia uma ideia, mais do que nunca, adequada aos anos que vivemos: UNS SÃO UNS TRAPOS, OUTROS REVOLTAM-SE.
No essencial, a família representa os "trapos" e João, "o revoltado". Mais do que um delinquente, João desestabiliza as consciências, a começar pela do pai, que resolve, depois de roubado e desonrado pelo filho, aliar-se-lhe, respondendo à pergunta de Sofia: «Neste mundo atroz, neste mundo onde não há a esperar piedade nem justiça, só os desgraçados é que têm de cumprir o seu dever?»
Em conclusão, nesta peça, o autor aplica o seu conceito de teatro: este «deveria debater um grande problema social ou psicológico, e interessar o público com "peças sintéticas" que fossem "populares e humanas".»
 
PS. Qualquer semelhança com a atualidade...!
 

28.4.13

Escrever sobre...

Podia tentar escrever sobre o congresso do PS, mas não entendo nada do que lá se passa! Parece que o José Seguro se imagina o novo homem providencial, capaz de solucionar o que o próprio partido construiu e destruiu, sem nunca  assumir a responsabilidade da falência em que o país se encontra. O PS continua a viver no oásis!
Podia escrever sobre um Governo que passa os dias em conselho extraordinário, mas não entendo o que lá se passa! Parece que o Portas insiste em contrariar o Gaspar, incapaz de impor aos restantes ministros um programa que combata o despesismo do Estado...
Podia escrever sobre os portugueses que, supostamente, viveram acima das suas possibilidades, mas, a cada dia que passa, todos os indicadores apontam para erros graves de um conjunto de decisores que, na maioria, continuam em lugares de relevo, em vez de estarem presos.
Chegado aqui, não apetece escrever, pois os únicos que acabarão por cair são todos aqueles que insistiram (e insistem) em eleger quem os não representa e se aproveita para delapidar o país e, simultaneamente, encher os bolsos...
 
Em alternativa, posso escrever sobre o vento frio de abril, sobre as flores de abril, sobre as colmeias de abril, sobre os formigueiros de abril, sobre os velhos de abril, sobre os jovens de abril... sobre a miséria de abril! 
 

27.4.13

O vento frio





O vento frio pôs cobro à aventura em  Escaroupim. Dias antes, explicara que a relação sinestésica despertada pelo vento era, primeiramente, táctil, e só depois, por exemplo, auditiva: «eu escutava (…) os relinchos vítreos do vento…» V.F., Manhã Submersa

Desta vez, não foi necessário soltar os cavalos; o balanço dos pinheiros foi um indicador suficiente para afugentar os mais friorentos.

De qualquer modo, ainda fui a tempo de revisitar a aldeia e, sobretudo, de espreitar a Ilha das Garças. Aos milhares, esvoaçavam para quem as quisesse ver. Infelizmente, as fotos não dão conta da realidade!

(O fotógrafo não chega a ser amador, e o equipamento deixa muito a desejar!)

26.4.13

Ali perto, os jornaleiros



Ali perto do Tejo, uma dezena de cortiços! As abelhas pressurosas contrastam com 4 trabalhadores florestais que, encostados à furgoneta, esperam pela hora de almoço.
Não esperem que eu coloque aqui uma foto desses jornaleiros, pois não quero denunciá-los à entidade patronal. Pareceu-me até que a imobilidade das 11h30  resultava de se terem de tal modo aplicado que o combustível que lhes alimentava as ferramentas de trabalho se esgotara.
 
 

25.4.13

Numa hora…





Uma hora de caminhada. Duas furgonetas em sentido contrário. Numa delas, um casal e, certamente, uma história. Uma história deles que fica por contar por ser só deles. Um motociclista lento dos atalhos e um ciclista que saúda, apressado…

Eu, a pé, desperto para a novidade que, afinal, é apenas mudança cíclica ou sinal de morte prematura. As flores de abril cumprem a função de nutrir as abelhas… e as formigas de abril, indiferentes aos pés que as podem calcar, transportam o pão para galerias que só a elas dizem respeito…

E  eu que sei que abril divide, caminho para o rio oculto até que o caudal barrento começa a espreitar por entre um arvoredo sequioso e impenitente…

Na outra margem, um trator cumpre a função de preparar o terreno para nova colheita, e as aves, intermitentemente, transportam-me para a foz…

24.4.13

Hoje, na Biblioteca central

Em 24 de fevereiro de 2010, no Auditório Camões, Vasco Graça Moura convidou-nos a  ouvir, memorizar e recitar os versos do poeta David Mourão-Ferreira,  porque em cada verso escorre o agora, nas suas dimensões de passado, presente e futuro… E esse é o território da poesia, do ser… e sempre que ela acontece, o paraíso ganha corpo.
Hoje, 24 de abril de 2013, na Biblioteca central, Vasco Graça Moura, num esforço admirável, surge para entregar a cada um dos alunos o livrinho que reúne "O olhar dos Jovens sobre o Amor de Perdição - As Cartas de Perdição". E mais uma vez, o homem de cultura deu conta da necessidade de envolver os jovens na criação a partir da leitura dos «clássicos», incentivando-os a efabular sem constrangimentos, pois só o tempo dirá se também eles, um dia, poderão engrossar a galeria dos clássicos.
Para mim, no entanto, mais importante do que disponibilizar o Centro Cultural de Belém para apoiar e editar novos projetos de leitura e de escrita, foi a oferta à BECRE da Obra Completa de Ruy Belo, foi o apontar do caminho...
Em tempo de parcos recursos, a leitura individual e partilhada pode muito bem ser o caminho!
Nesse sentido, só posso aplaudir as iniciativas do CLUBE LER PARA VIVER.
 
( Os meus agradecimentos aos 22 alunos, aos professores e a todos aqueles que, de algum modo, contribuíram para que a exposição CARTAS DE PERDIÇÃO fosse possível.)
 
E já agora um outro caminho possível:
 
«dizem que vais nascer; que há métodos de
determinar-te o sexo. que a tua mãe deseja
respirar o teu sopro, tua mobilidade,
teu mamar; tirar o teu retrato.
 
para quê prever-te o nome ou preparar
roupas rendadas? ninguém há-de cumprir-te
que te cumpras. e tentarão salvar-te a alma
com água e óleo e sal.»
(...)
Vasco Graça Moura, da vida humana 1
PS. O destaque é meu.
 

23.4.13

Ele mora num campo rubro de papoilas

1913-2013 - Cem anos!
O Estado Novo. Para mim, um quarto longe da luz, a disciplina cega; para ele, a masmorra junto ao mar, a disciplina libertadora; certo dia, saí do quarto escuro, e só encontrei sombras; ele fugiu da masmorra para a terra prometida - eu era apenas uma ovelha tresmalhada; ele era o pastor de um novo rebanho...
( e aqui começa a divergência: eu deixara de estar disponível para integrar qualquer rebanho; ele, ortodoxo, disciplinava; eu, heterodoxo, indisciplinava.)
O cravo desabrochou em Abril, e ele regressou para impor a disciplina dos cravos. E eu, olhava à volta, e só via papoilas!
( E a divergência cresceu: o país das rosas de Isabel e das muralhas fortificadas era então o país dos cravos e das muralhas de aço e das rosas templárias. E eu, olhava à volta, e só via papoilas!)
Hoje, atravesso as mesmas galerias que ele calcou, entro na sala 44 e, de súbito, oiço-o, a ler atentamente Raúl Brandão e não a bíblia marxista-leninista-estalinista. Para mim, ele mora num campo rubro de papoilas!

22.4.13

50.000 alunos já viram Felizmente Há Luar!

Mais de 50.000 alunos assistiram à representação de Felizmente Há Luar! pelo grupo dramático A Barraca. A declaração é de Maria do Céu Guerra que, hoje, se revelou feliz com o comportamento dos alunos. Sala atulhada, telemóveis desligados, quase todos! Silêncio, quase sempre!
 
Resta saber se os mesmos 50.000 alunos leram o texto dramático de Luís Sttau Monteiro, se conhecem minimamente a ação do dramaturgo, e se seguem com alguma atenção o desempenho da "alma" da companhia. À entrada, alguém me perguntou qual era o "assunto". Lá fui dizendo que após as invasões francesas, por cá ficaram os ingleses com a missão de criar um exército português... Sempre os estrangeiros a libertarem-nos de outros estrangeiros e a tirar vantagem do negócio. O Marechal B. repetiu-o bastas vezes... e claro desviei para o general Gomes Freire, mas era tempo de subir a escada apertada até à sala 2...
 
Não sei quantas vezes já estive naquela sala, mas sempre que lá vou sinto-a acanhada e perigosa. O texto de Sttau Monteiro tem sido depurado, diria mitificado, de tal modo que, por vezes, fico com a sensação de que algumas personagens ganharam um ar burlesco, apesar da seriedade, mas também  do tom patético, infantil e quase alienado de Matilde, como se o mundo que a cerca só existisse para lhe salvar o marido.
Quanto à regência, desta vez, evitou as alusões ao Estado Novo e à Troika.
Enfim, só não percebi  (ou evito saber) por que motivo o luar (projetado) passou de amarelo a vermelho. Parece que a lua se transforma em sol, em promessa de derradeira libertação! 
Em termos didáticos, urge que os alunos não se fiquem por aqui, pelo espetáculo. Por vezes, a vida está no texto!
 

21.4.13

Um olhar demorado

A linguagem dos elementos, em Vergílio Ferreira, é, por vezes, aterradora. O VENTO bestializado, qual lobo da montanha, surge luminoso e furtivo, prestes a devorar o rebanho de Deus. Nem a montanha nem o rebanho de Deus são explicitados, mas os termos selecionados para  caracterizar a fome do vento apontam na sua direção.

«O vento árido de fevereiro trazia sempre ao Seminário doenças e mau agoiro. Era um vento esguio e furtivo, de pêlo no ar, rebrilhante e facetado muitas vezes de um sol frio de vidro. Recordo muito bem as suas unhas de arame, a sua presença nítida, escanhoada em azul, pura no esquadriado das arestas. Branco e arguto das geadas, tinha uma astúcia fina, penetrando, por qualquer fresta, nos compridos corredores e salões.»

Por outro lado, a recusa das «palavras cunhadas» fá-lo personificar as DUAS LAMPARINAS. Elas ocupam o espaço habitual das «devotas» ou, no melhor dos casos, dos piedosos pastores do rebanho de Deus. 
 
« Duas lamparinas, aos cantos da camarata, oravam recolhidas, de contas na mão, à anunciação da morte.»
 
Finalmente, o pavor do adolescente cresce no SILÊNCIO, também ele bestializado, talvez morcego, à medida que o VENTO, agora, equídeo, se solta contra as vidraças da camarata.

«Um silêncio ofegante, pesado de suor, inchava ao comprido do salão, subindo pelas colunas até às nervuras do teto. Amedrontado, eu escutava ansiosamente todos os rumores da noite, o arfar da doença à minha volta, os passos nos corredores, os relinchos vítreos do vento..

in Manhã Submersa, 1954

Na verdade, o equídeo mais não é do que o «corcel negro» que vinha buscar o Gaudêncio, a mando daquele Deus, que ele ousara desafiar ao questionar a sua existência, libertando António Lopes da incómoda questão, e deixando-o livre para se entregar à incessante busca do que em si se perdera ao entrar no  seminário - a MULHER.

Tempo primordial

Há certamente um tempo anterior às palavras!
Envoltos no esgrimir de ideias intangíveis, aceleramos e quando damos conta já não podemos voltar ao ponto de partida. As palavras já não representam o que pensamos, mas o que os outros delas compreenderam. E como não temos o dom da heteronímia, de repente percebemos que a comunicação se tornou equívoca ou, mesmo, absurda.
E é nesse momento que gostaríamos que o tempo se despojasse da palavra.
 
( Não se trata, aqui, de arrependimento, mas do reconhecimento de que quando os pontos de partida são difusos, o comboio raramente para na nossa estação... Corremos em linhas paralelas, intangíveis, para um ponto inexistente. Espero que perdoem a anfibologia!)

20.4.13

Ser voluntário

Ainda adolescente, alguém terá pensado que a minha educação passaria por servir a «Conferência de S. Vicente de Paulo». Não me lembro de me terem explicado como é que a «sociedade» funcionava. Lembro, no entanto, que, num determinado dia de cada mês, me deslocava a uma casa dos arredores de Santarém, onde deixava um saco de arroz, bacalhau, batatas e farinha, aos pés da cama de um moribundo. Não sei se alguma vez lhe conheci o nome, mas recordo para sempre que o homem padecia de um indescritível e doloroso cancro do esófago, o que o impedia de falar e de respirar. E continuava a fumar! À volta, os sinais eram de abandono e de medo. Não sei bem por que motivo este meu voluntariado involuntário cessou. À distância, a única explicação que encontro resulta da minha súbita mudança de rumo... (Hoje o cheiro do tabaco atordoa-me.)
 
Anos mais tarde, vi-me na situação de acompanhar (e de financiar) novas formas de voluntariado que continuavam a aproveitar o espírito solidário dos jovens. Fi-lo sempre com alguma reserva, pois tinha a sensação de que as ONGs se dividiam em «voluntários profissionais» e em «voluntários amadores». Frequentemente, os projetos dinamizados eram fruto da abnegação e da energia criativa dos tais jovens solidários. (E nesse contexto, passei a viver à força nos bastidores!)
 
Atualmente, a maioria dos jovens voluntários não encontra emprego ou pura e simplesmente perdeu-o. De pouco lhes serviu a abnegação, a criatividade, o sacrifício!
 
Quanto a mim, é cada vez mais claro que a caridade e o assistencialismo não passam formas encapotadas de exploração não só dos mais necessitados como dos voluntários genuínos. 

19.4.13

Palavras cunhadas

Há pessoas cuja presença, por si só, incomoda!
Há outras cujas palavras desconexas aborrecem!
Outras ainda irritam pelas palavras sabujas!
 
Há ainda as palavras dos catecúmenos, dos pioneiros, dos correligionários, dos fãs!
Palavras sujas, gastas, repetidas!
Há também  as palavras pífias!
 
Hoje, subitamente, a Assembleia da República desatou, em uníssono, a namorar! Parecia o Dia dos Namorados! Não sei se ofereceram flores, se se oscularam, mas desconfio que, ao regressarem a casa, só encontraram o silêncio dos traídos...
 
Ultimamente, as palavras têm  ganho a espessura e a forma da gelatina!
Será certamente essa uma das razões porque a memória me devolve a incómoda presença de Vergílio Ferreira:
 
«Nada mais há na vida do que o sentir original, aí onde mal se instalam as palavras, como cinturões de ferro, aonde não chega o comércio das ideias cunhadas que circulam, se guardam nas algibeiras
                  Vergílio Ferreira, Aparição
                                                             Ora, só há vida se o sentir for original!

18.4.13

Um dia com Luís Vaz…

Com tantos Camões a limpar a fachada, a disfarçar as rachas das paredes, a varrer o pólen dos plátanos, amanhã, a escola vai estar um brinquinho!
Mesmo que as cartas náuticas tenham sido recolhidas, nenhum aluno, émulo do Poeta, chegará atrasado e deixará de catrapiscar a colega do lado. E, sobretudo, nenhum perderá a oportunidade de ser feliz!
E nem a Troika nos fará desistir da cousa começada!
Há sempre uma solução nas trovas do Poeta.

A segunda, a D. Francisco de AlmeidaHeliogábalo zombava
Das pessoas convidadas,
E de sorte as enganava,
Que as iguarias que dava
Vinham nos pratos pintadas.
Não temais tal travessura,
Pois já não pode ser nova;
Que a ceia está mui segura
De vos não vir em pintura,
Mas há-de vir toda em trova.
A terceira, a Heitor da SilveiraCeia não a papareis;
Contudo, por que não minta,
Pera beber achareis,
Não Caparica, mas tinta,
E mil coisas que papeis.
E torceis o focinho
Com esta anfibologia?
Pois sabei que a Poesia
Vós dá aqui tinta por vinho
E papéis por iguaria.
Banquete dado na Índia a fidalgos seus amigos

17.4.13

Prece

«Eu queria ser simples naturalmente
sem o propósito de ser simples.
Saberia assim sofrer com mais calma
rir com mais graça.
E saberia amar sem precipitações.
Nas minhas ironias haveria generosidade.
Nas minhas amarguras
haveria conformação e paciência.
(...)
Eu queria ser simples naturalmente
sem saber que existia a simplicidade.
JORGE BARBOSA, Claridade, Janeiro 1947

Não peço nada de extraordinário! Não peço riqueza! Não peço «a perfeição das coisas»! Nem ir além da Taprobana! Nem quero desistir da cousa começada!
 
Peço apenas que me deixem sumir naturalmente...
 
Se estiverem de acordo, prometo não me intrometer em nada que não seja natural!

16.4.13

A Natureza em Manhã Submersa

A natureza, em si, simplesmente não existe neste romance ou, por outras palavras, ela mais não é do que a projeção do estado de espírito do protagonista ( e de certo modo do narrador/autor):
A - «Pelas portas das janelas sem vidros, eu via os campos enrodilhados de fúria, aguentando no dorso a praga de calor. Um olho ingente baixava do céu, fitava os campos, um silêncio rígido vibrava verticalmente como corda retesa.»
B - «Longo tempo uma ave negra pairou sobre nós, unindo-nos com as suas asas compridas
C - «Saí. Um rumor larvar alastrava pelos campos já um pouco desafrontados pelo calor. Um vento largo de céu e de montanha erguia-se do fundo do tempo, curvava com o azul e caía longe, para lá da noite que viria.»
D - « Um sol avermelhado rasava as árvores do jardim, coroava em silêncio a cabeça dos montes. No ar fresco de brisas, as pancadas do tanoeiro subiam para o céu, de grandes braços abertos. Num instante parei frente à janela a olhar tudo isso, banhado de súplica sem esperança.»
Quatro exemplos e em nenhum deles, a natureza tem autonomia ou contraria o EU. Ela, apenas, reflete a revolta, a condição, o desespero, o destino do sujeito, o desejo de que a morte o liberte da prisão materna, da prisão pequeno-burguesa, da prisão do seminário... 
A miséria, a fome, a ignorância, a submissão impõem a António Santos Lopes um caminho sem retorno!  

15.4.13

Manhã Submersa

Leio e releio Manhã Submersa, de Vergílio Ferreira, e só encontro silêncio, solidão, ocultação, noite, medo, pavor, pesadelo, inferno, demónios ( solitário e carnal), censura, crime (pecado), castigo (físico e psicológico), castração, amputação, MORTE.

As estações estão lá, mas anoitecidas, pavorosas, como se fossem pedregulhos prontos a esmagar os Gaudêncios, os Gamas e os Lopes. A natureza é um lugar horrendo (locus horrendus): «O vulto grande das árvores crescia na escuridão, como faces lôbregas que avançassem aos urros para mim. Mas eu corria sempre, tropeçando nos canteiros, tropeçando no meu horror, até que finalmente me atirei para um banco junto a um tanque de águas mortas.»

As árvores, as águas, o silêncio, a noite, as vozes são a expressão da morte lenta de jovens que, no íntimo, apesar de não terem projeto de vida, a única vocação que pressentiam era a do sangue, da seiva, da libertação…

A outra vocação era lhes imposta pela origem humilde, pelo «ódio infeliz de uma fome que não se cumpriu».

Por instantes deixo-me surpreender pela placidez da natureza de maio: «No pequeno jardim do Seminário rescendiam as violetas, os campos em redor estavam verdes de promessa, e no ar cálido, ao escurecer, ecoava brandamente a memória breve do dia. À noite fazia-se a devoção do mês de Maria com flores, luzes e cânticos. Era uma devoção bonita, literária como o Natal e cuja unção nós explorávamos frequentemente nos exercícios de Português.»

Afinal, maio era uma devoção literária!

/MCG

14.4.13

Mil Regos, ontem e hoje



No intervalo, a polémica sobre os direitos! Vamos ver qual será o resultado final…

Pelo menos, o estacionamento deixará de olhar o mar! E tudo, à volta, fica com um ar mais limpo!

Esperemos que a modernização dos equipamentos não esconda qualquer favorecimento e consequente enriquecimento ilícito…

13.4.13

Flores deste Abril







Estas flores foram colhidas hoje. Fruto genuíno deste Abril, elas rivalizam com muitas outras que aqui não registo, mas que guardo no meu álbum.

Deixo-as aqui para todos os que nos últimos anos vêm insistindo no cravo e na rosa, que não compreendem a sua caducidade, e que ignoram que, depois das chuvas, a natureza resplandece em novidade e cor.

E que sem esse esplendor não há futuro!

12.4.13

Património desvalorizado


Ninguém sabe quanto vale o património português na Balança da Europa.
De tempos a tempos, regresso ao Convento de Cristo, em Tomar, e saio de lá com a sensação de que nem tudo é feito para lhe devolver a dignidade que ele merece como monumento representativo da identidade portuguesa.
Portugueses e estrangeiros continuam a deparar-se com a fachada degradada, apesar do restauro que tem sido feito no interior.
Se o problema é de financiamento, parece-me que o melhor seria onerar um pouco mais o preço do bilhete de entrada, reservando essa receita para o restauro e conservação do edifício.
Portugal tem, em muitos casos, um património mais antigo e mais valioso do que outros povos europeus, que continuam  a ver-nos como se fossemos os cafres oriundos da África equatorial.
Para combater o estereótipo, há que apostar na limpeza!

11.4.13

Em Constância a lenda perdura

Depois de no Convento de Cristo terem sido armados novos cavaleiros da Ordem de Cristo, rumámos a Constância. Aos poucos, o sol instalou-se no Horto do Poeta… e eu fui esquecendo que deveria estar a participar num fórum sobre construção de itens de resposta restrita ou a responder às questões que me iam caindo no telemóvel sobre a avaliação externa.
Cheguei mesmo a esquecer a notícia de que a reforma só aos 67 anos de idade!

10.4.13

Filtros

Hoje, são filtros! Ontem, era a censura! Outrora, a consciência!

Na minha adolescência, o exame da consciência era diário e tinha hora marcada. Cedo, percebi que esse exercício me trazia prejuízo - sentimento de culpa. Mais tarde, entendi que esse era o objetivo: a responsabilidade era individual - o mal estava do meu lado, e por isso o inferno era o meu destino.
 
Ao sair da adolescência, Freud convenceu-me que a consciência não passava do parente pobre do meu psiquismo, pois ela mais não era que os olhos cegos do poderoso subconsciente. Lá se acoitavam os padrões de cultura - começava a compreender que a responsabilidade me era imposta, apesar da minha margem de revolta ser limitada. E Sartre passou a acolitar Freud com a famigerada ideia de que l'enfer ce sont les autres! De qualquer modo, o que mais me seduziu foi o ignoto deo freudiano - o inconsciente (o ID)! De súbito, mergulhei no fascínio de que a censura, imposta pelo consciente e pelo subconsciente, se diluísse numa escrita dadaísta / surrealista! Havia por ali uma líbido insaciável que subjugava tudo - o prazer deixara de suportar qualquer tipo de censura; a arte deixara de suportar qualquer tipo de censura; a ideologia, em nome do inconsciente coletivo, desprezava de tal forma a censura que ressuscitou a antiga CENSURA... e o genocídio dos outros!
 
Agora, começo a persuadir-me que o tempo mais não é que uma série de filtros! E relembro a velha mula a quem o cabresto reservava duas belas palas que lhe restringiam a visão lateral! A realidade está de tal maneira secionada que deixei de ter hora marcada para o velho exame de consciência e, ao passar na Avenida do Brasil, chego a pensar que os seguidores do ignoto deo freudiano enriqueceram a vender todo o tipo de filtros... 
E mais não acrescento, porque já estou a pensar que a pala (o filtro) não passa de uma máscara. E eu não sou assim tão antigo! Ou serei?   

9.4.13

Encontro com João Tordo

No Auditório da Escola Secundária Luís de Camões, João Tordo, 37 anos de idade, explicou o que entende ser o ofício de escritor a uma plateia de cerca de 200 alunos e professores.
Através de um discurso provocatório e num registo familiar a roçar o non-sense, interpelou os jovens que dão mais atenção ao marketing do que ao trabalho, preferindo ler José Rodrigues dos Santos, Fátima Lopes ou Júlia Pinheiro e quejandos, àqueles que se aplicam arduamente no exercício da escrita.
Para João Tordo, o ato de escrever, mais do que compilação de informação, exige uma imaginação narrativa que seja capaz de inventar uma história a partir de motivos reais, mas intangíveis, como se corressem lado a lado, impossibilitados de se tocarem.
A arte do narrador existe quando consegue dar verosimilhança a essas linhas soltas e descontínuas do real.
Finalmente, não querendo desobedecer à proibição de o citar nas redes sociais e blogues, registo para a pequena história que João Tordo vive incomodado com um dos vizinhos da Travessa do Possolo e que deixou de pisar a relva, pois teme cair nalgum inferno onde a leitura e a escrita tenham sido abolidas.

(Organização do evento: António Souto com a prestimosa ajuda de Maria Teresa Saborida)
 

8.4.13

A amnésia de Nuno Crato

Sem precisar as medidas que poderão vir a recair sobre a pasta que tutela, Crato disse apenas que é necessário “evitar uma série de gastos”, que têm de ser reduzidos por parte da despesa.

Antes de ser ministro, Nuno Crato tinha ideias concretas sobre as áreas em que era necessário cortar na despesa.
Chegado ao MEC, esqueceu-se dessas áreas (desses lobbies)! Esperemos, entretanto, que Mnemosine o inspire desta vez, e que não se limite à receita de mandar os professores para o desemprego e de reduzir salários.
Finalmente, sei bem que Nuno Crato não acabará com a renda que paga ao ensino privado e confessional, poderia, todavia, encerrar e vender uma boa parte dos edifícios que acoitam uma multiplicidade de serviços supérfluos e dados a experimentalismos bacocos.

 

7.4.13

O Plano A

Voltamos ao Plano A! Passos Coelho assegura que tudo fará para destruir o Estado. Compromete-se a reduzir a despesa nas áreas sociais, atirando para a miséria a maioria da população... 
Infelizmente, António José Seguro não revela qualquer capacidade de apresentar alternativas concretas e viáveis. Acaba de adiar a sua reação à comunicação do primeiro ministro!!!

  No que me diz respeito, se é necessário cortar nas despesas da educação, proponho, desde já, a extinção do GAVE e do programa de Avaliação externa dos docentes. Neste fim de semana, gastei 4 horas a construir itens  de resposta restrita, a pretexto da formação de professores classificadores. E também despendi 3 horas a elaborar um instrumento da Observação da Dimensão Científica e Pedagógica no âmbito da avaliação externa. E para quê? E, a propósito, qual é o custo dos exames promovidos pelo GAVE?
É, no entanto, mais fácil degradar a educação, despedindo professores, do que extinguir organismos, na circunstância, supérfluos.

6.4.13

O plano B

Apesar do governo insistir que não há um plano B, eu estou convencido que existe. E que ele está nas mãos do presidente da República.
No essencial, resume-se à revisão da Constituição, com a consequente redefinição das funções do Estado.
O plano A já pressupunha a revisão da Constituição, mas faltou o engenho para unir o PSD, o PS e o CDS em torno desse objetivo.
Por isso encaminhamo-nos para eleições autárquicas sem que a reforma dos municípios tenha sido feita.
Por isso continuamos a sustentar empresas públicas extremamente endividadas.
Nem vale a pena referir os desfalques que ocorreram e vão ocorrendo um pouco por todo o país!
E tudo impunemente!
 
Entretanto, o Dr. António José Seguro, revelando fina argúcia, vem dizer-nos que quem fez os estragos que os resolva, e que está pronto a substituir o Dr. Passos Coelho!
Parece assim que, para que o plano B possa avançar, vai ser necessário que o PS pense seriamente em redefinir a sua estratégia e, consequentemente, mude de secretário-geral.
  

5.4.13

Enfim, tudo passa...

«Porque, enfim, tudo passa;
Não sabe o Tempo ter firmeza em nada;
E nossa vida escassa
Foge tão apressada
Que quando se começa é acabada.»
Luís de Camões, excerto de Ode IX

Depois de um Camões "alegre", chegou a vez da "liberdade em Camões". Tudo à maneira romântica! Sem tempo nem paciência para ler a obra, respiga-se meia dúzia de versos e solta-se a voz...
No que à liberdade respeita, para além de enaltecer a competência real de assegurar a «nossa liberdade», a liberdade pátria, o Poeta vassalo é parco em referências à liberdade, pois a sua condição surge permanentemente determinada  pela (má) Fortuna  e pelo Amor. Sem falar nos erros...
Por vezes, atreve-se a falar do alvedrio, do livre arbítrio, mas não lho deram. E sobretudo, na sua poesia, as esperanças transformam-se repetidamente em desenganos e em mágoas.
A vida é de mudança e de dor, e mesmos essas sujeitas ao inexorável Tempo!  
 
Que não se queira ou possa ler, entende-se! Que se deturpe, magoa...
 

4.4.13

A avaliação externa

Gabinete de Avaliação Educacional
Tipologia de itens

«Os itens de resposta restrita e de resposta extensa favorecem os alunos com facilidade de expressão, mesmo quando não é apenas esse o objetivo da avaliação.»
Não creio que haja alunos com facilidade de expressão! Há alunos que se exprimem com maior ou menor facilidade de expressão.
O que interessaria avaliar, externamente, é se os alunos são submetidos ao mesmo treino verbal ou se, simplesmente, ficam entregues à circunstância de terem crescido em ambiente socioeconómico e cultural favorável ou desfavorável.
 
A avaliação externa, seja de alunos seja de docentes, continua incapaz de definir objetivos que visem melhorar o sistema educativo.
Em Portugal, este tipo de avaliação consagra a mediocridade!
Se houvesse dúvidas, bastaria avaliar o perfil do ministro que acaba de ser demitido. Neste caso, a avaliação externa acabou por dar frutos...
Haja esperança!
 

3.4.13

Seminal

Semen, seminis...
Se ontem me referi à função do seminário para a igreja católica, hoje quero acrescentar que à Semente e ao Sémen é necessário adicionar o Sema. E, assim, o padre evangelista saía a lançar à terra o sema (a palavra), que não o sémen ou a semente... o primeiro porque convinha que fosse recalcado (sublimado), o segundo porque só deveria ser entendido enquanto metáfora inicial de uma alegoria adequada à ruralidade daqueles tempos...
 
Ao encurtar a palavra, regressamos à Grécia, ao radical sem- (...) à confluência da vida vegetal, animal e humana com a linguagem. Há algures um ponto seminal em que tudo começa a reproduzir-se e a fazer sentido...
E as limitações começaram com os sacerdotes! 

2.4.13

O seminário

Há quem tenha vivido no seminário, como eu! Há quem tenha participado em seminários, como eu! Há quem tenha dirigido seminários, como eu! Há quem tenha lido o Sermão da Sexagésima, como eu! 
Há quem não tenha feito nada disto! E alguns, só partilharam uma ou outra experiência... Mas só, hoje, compreendi a razão de ser do seminário.
 
No Sermão da Sexagésima, o Padre António Vieira acusa a cobardia dos pregadores que preferiam o paço aos passos, e explica com clareza que a missão do padre é sair a semear (seminare) a palavra de Deus, que não a deles... a lançar a semente à terra, que não o sémen...
 
Deste modo se pode compreender que o seminário seja para a igreja católica  um espaço regulador e castrador, cujo objetivo essencial é transformar o sémen em semente. Como diria Freud, o objetivo é sublimar a líbido em energia espiritual.
É precisamente essa transformação do sémen em semente (palavra de Deus) que António Santos Lopes (Manhã Submersa, de Vergílio Ferreira) nunca conseguiu aceitar, vendo no seminário um lugar crepuscular, onde o SILÊNCIO surge como regra disciplinadora e não como caminho de descoberto do EU absoluto, divino... 

1.4.13

O embuste

Vej’eu as gentes andar revolvendo,
e mudando aginha os corações
do que põen antre si as nações;
e já m’eu aquesto vou aprendendo
e ora cedo mais aprenderei:
a quen poser preito, mentir-lho-ei,
e assi irei melhor guarecendo.

Pero Mafaldo (excerto de serventês moral)

A tradição avaliza a mentira, dando ao indivíduo um meio de combater a impostura coletiva…

Recentemente, a mentira, que, tempos atrás, era designada de “não verdade” ou de “inverdade” ganhou nova roupagem: o embuste. Termo de origem obscura, bem mais disfemístico do que os anteriores.

Curiosamente, o vocábulo embuste é, sobretudo, utilizado por quem se habituou a viver de ardis e não tem medo de mentir porque sabe que lida com trambiqueiros.

Para evitar a multiplicação dos trapaceiros, melhor seria que apostássemos permanentemente na procura da verdade. E, consequentemente, na denúncia sistemática da mentira, do embuste, da trapaça, do logro, da intrujice, da peta, da patranha, da aldrabice…